PGR pede acesso a relatórios da Abin sobre a Covid escondidos pelo governo Bolsonaro

Por MATEUS VARGAS E MARCELO ROCHA

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu para a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) compartilhar os relatórios que foram elaborados durante a pandemia e enviados à Presidência da República, após a Folha de S.Paulo revelar que o governo Jair Bolsonaro (PL) escondeu mais de 1.100 documentos com análises sobre a crise sanitária.

"O objetivo é avaliar os relatórios para verificar se há eventual fato novo", disse em nota o órgão comandado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.

A Abin e o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) produziram, ao menos de março de 2020 a julho de 2021, relatórios com projeções de casos e mortes pela Covid-19 no Brasil, além de análises sobre impacto político do avanço da pandemia.

Os agentes de inteligência citam, nos documentos, o distanciamento social e a vacinação como formas efetivas de controlar a doença, mostram estudos que desaconselham o uso da cloroquina e alertam sobre possibilidade de colapso da rede de saúde e funerária no Brasil.

Os relatórios foram produzidos para as discussões do comitê chefiado pela Casa Civil sobre as ações do governo durante a pandemia, segundo integrantes da gestão passada. Os documentos não eram apresentados a todo o comitê e chegavam às mãos de assessores de poucos ministros.

Procurado, o ex-presidente não se manifestou sobre o caso. Os ex-ministros Braga Netto (Casa Civil) e Eduardo Pazuello (Saúde) também não quiseram comentar.

Mesmo fora da Presidência, Bolsonaro é pressionado por apurações sobre a Covid. O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), anulou neste mês uma decisão da Justiça Federal que havia arquivado parte de uma investigação sobre irregularidades cometidas pelo ex-presidente na pandemia.

Neste caso, Gilmar determinou que a PGR avalie se há ou não indícios de crimes nas condutas dos investigados.

A PGR ainda acionou a Abin no momento em que Aras tenta contornar resistência dentro do governo para ser reconduzido ao cargo de procurador-geral.

O governo Bolsonaro se recusou a liberar os documentos da Abin e do GSI durante a pandemia, em pedidos feitos com base na LAI (Lei de Acesso à Informação). Os papéis foram liberados à Folha de S.Paulo após solicitações feitas durante a gestão Lula (PT).

Apesar de contar com o apoio de alguns petistas, como o senador Jaques Wagner (PT-BA), a avaliação do Planalto é de que justamente a omissão de Aras sobre o comportamento de Bolsonaro durante a pandemia da Covid-19 é uma barreira para a recondução.

Em campanha para novo mandato à frente da PGR, Aras tenta se distanciar de Bolsonaro.

O atual procurador-geral tem defendido, em vídeos, a sua gestão no exame da conduta de governantes quanto ao enfrentamento à Covid-19 e também na área do meio ambiente.

A atuação de Aras, porém, foi marcada por omissões e alinhamento a Bolsonaro na pandemia.

Inicialmente, ao se manifestar em 8 de abril de 2020 em ação do STF sobre as responsabilidades do presidente e dos estados e municípios em definir regras de isolamento social, ele defendeu um posicionamento alinhado ao de Bolsonaro.

"O tratamento normativo do resguardo de serviços e atividades de caráter essencial, no contexto de implementação de medidas voltadas à mitigação das consequências da pandemia do coronavírus, há de se dar de forma linear e coordenada em todo o território nacional", disse Aras na ocasião.

Em julho do ano passado, a vice-procuradora-geral da República e braço direito de Aras, Lindôra Araújo, pediu arquivamento das principais frentes de investigação decorrentes do trabalho da CPI da Covid. A comissão imputou crimes a várias autoridades da gestão Bolsonaro.

O próprio Aras pediu duas vezes à ministra Rosa Weber, do STF, para arquivar inquérito contra Bolsonaro no caso do processo de compra da vacina indiana Covaxin. Nessa apuração, o ex-presidente era investigado sob suspeita de prevaricação.

Ex-juíza do TPI (Tribunal Penal Internacional), Sylvia Steiner afirma que os documentos da Abin podem reforçar a leitura de que a conduta de Bolsonaro e de seus auxiliares não foi "simplesmente de descaso, foi uma conduta dolosa".

"Se ficar comprovado que os documentos chegaram ao conhecimento do presidente e demais autoridades da saúde, confirma o conhecimento prévio e a intenção de ignorar esses fatos", disse Steiner, que integrou a comissão de juristas que atuou na CPI da Covid.

O senador Humberto Costa (PT-PE) acionou na sexta-feira (28) o Ministério Público que atua junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) e a Procuradoria da República no Distrito Federal para que apurem novas informações sobre a conduta de Bolsonaro no enfrentamento à Covid-19, também com base nos documentos revelados pela Folha de S.Paulo.