Videoaulas valem mais que doutorado e experiência em concurso para professor de SP

Por LUANY GALDEANO

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Nova exigência no concurso para professores do estado de São Paulo, as videoaulas valem duas vezes mais do que ter uma pós-graduação e apresentar experiência em sala de aula. Com essa avaliação, candidatos com prática em produção de conteúdo online podem sair à frente de professores que já atuam em classe ou que tenham mais tempo de estudo.

A apresentação em vídeo é responsável por 40% da nota final, equivalente à soma das provas discursiva e objetiva, que valem 10 e 30 pontos, respectivamente. A prova de títulos, que soma formação acadêmica -como mestrado ou doutorado- e experiência profissional, dá até 20 pontos.

A Secretaria de Educação diz que a videoaula será usada para avaliar, por demonstração prática, as habilidades de docência dos candidatos. Questionada sobre por que os vídeos valem 40% da nota, a pasta não respondeu.

O envio das gravações, cujo prazo se encerrou em 30 de julho, foi a primeira etapa do concurso, antes das provas objetiva e discursiva, que ocorrem no domingo (6). No entanto, apenas aqueles com bom desempenho nos exames terão os vídeos avaliados.

Para o concurso, os professores gravaram uma apresentação de 5 a 7 minutos sobre um tema previsto no edital. O documento descreve que o vídeo deve ser uma simulação da aula, em que os estudantes estariam do outro lado da câmera.

Por ser uma novidade, docentes relataram dificuldades em fazer a gravação. Tiago Luz, professor de educação física e produtor de conteúdo online, deu início a um curso para candidatos nessa situação.

Ele diz que a iniciativa surgiu após receber, nas redes sociais, inúmeras dúvidas em relação à nova etapa do concurso. Com cerca de 80 inscritos, o curso ensinou desde como evitar vícios de linguagem até sobre o uso de ferramentas de edição no smartphone.

Segundo o professor, os candidatos, acostumados com a aula presencial, acharam difícil conduzir a apresentação em vídeo, sentindo-se inibidos diante da câmera.

"Eles tiveram que fazer um teatro, porque é diferente gravar um vídeo sem ninguém ali na frente, fingindo que tem um aluno. Você está mais atuando do que ministrando uma aula", afirma. Os critérios de avaliação vão além do conteúdo da aula, e incluem aspectos como postura e tom de voz.

Outra preocupação dos docentes é se a exigência de vídeos pode prejudicar aqueles com menos destreza ou acesso a ferramentas tecnológicas.

Foi o caso de Ricardo da Silva Gomes, 57, que se sentiu prejudicado por não ter equipamentos adequados. Formado em educação física, ele atua na área de assistência social, mas se candidatou ao concurso para voltar a dar aulas.

Para fazer a gravação, ele usou uma escada como tripé de filmagem e colou papéis na parede para improvisar uma lousa, item recomendado no edital. Ricardo diz que a edição também foi um desafio, por ter sido feita em um computador de menor capacidade.

"A qualidade do meu vídeo não ficou boa, mas tive que enviar do mesmo jeito, porque é um critério. Tentei fazer o meu melhor, mas a minha estrutura não possibilitou isso", afirma ele, que pensou até em desistir de enviar a gravação. "Como você perde 40% da nota, isso te coloca numa posição que não tem meio termo: ou você faz, ou fica sem ponto."

Para Eugenio Ramos, professor do departamento de educação da Unesp-Rio Claro, a videoaula é um avanço, já que a avaliação prática não fazia parte do concurso. No entanto, ele diz que o método adotado tem limitações.

Uma delas é a duração de até sete minutos, que não é suficiente para os candidatos exporem o conhecimento técnico. "Esse formato não capta adequadamente a profissão, mas sim se o professor consegue se expressar quase como um youtuber e fazer a apresentação de conteúdo em um curto espaço de tempo", declara.

A pontuação superior às demais etapas é mais uma desvantagem, já que favorece professores com experiência em produção de vídeos. Ele diz que a prova prática poderia ter uma duração maior e um peso menor sobre a nota final.

Apesar de novo, o método tem se espalhado para outros concursos de docentes no país. Um dos primeiros foi na capital paulista, onde os candidatos se dirigiram a um local predeterminado para fazer a videoaula, sem precisar levar equipamentos próprios para gravar. O mesmo ocorre no concurso deste ano no Recife.

No Paraná, os professores também terão que enviar vídeos feitos por eles mesmos, mas apenas os aprovados na primeira fase.

Além de exigir a gravação mais curta, o concurso paulista é o único a não solicitar um plano de aula, que descreve o que será ensinado pelo docente na gravação.

Segundo o professor Roberto Guido, membro da diretoria-executiva da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), os vídeos indicam a intenção do estado em preparar a educação básica para o ensino a distância. O uso de livros didáticos digitais a partir do 6º ano seria mais um indício desse intento.

O professor reafirma a posição contrária do sindicato ao modelo, que ele diz ser incapaz de captar o que ocorre em uma sala de aula.

"Professores não têm medo de ser avaliados, até porque isso é um de nossos instrumentos de trabalho. Mas não podemos usar as avaliações para excluir. Se quer avaliar um professor, que seja com critérios bem definidos, porque a produção de um vídeo não vai resolver."

Segundo a secretaria estadual, os professores não serão analisados por suas habilidades tecnológicas, mas sim pelas habilidades relacionadas ao conteúdo da aula.

A secretaria informa ainda que todo o processo do concurso fica a cargo da Vunesp, contratada para realizar o certame, e não deu detalhes sobre a composição da banca examinadora e como será feita a avaliação.