Indígenas são baleados a 100 km de Lula e da Cúpula da Amazônia

Por JOÃO GABRIEL

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A cerca de 100 km de onde o presidente Lula (PT) vai participar nesta terça (8) da Cúpula da Amazônia, indígenas tembé relatam que são alvo de uma onda de violência que já deixou quatro baleados desde o início do mês.

Os ataques foram feitos na última sexta-feira (4), quando um primeiro indígena foi ferido, e nesta segunda (7), com mais três atingidos --um deles acabou preso pela Polícia Militar do Pará.

As lideranças tembé acusam uma empresa de segurança privada da BBF (Brasil BioFuels), companhia que trabalha com o cultivo de dendê e com a produção de biocombustíveis, pelos ataques e relatam que o homem detido pela PM estava sendo atendido no hospital quando foi levado.

Em nota, a empresa afirma que a área lhe pertence, foi invadida e que os agentes de segurança privada agiram para proteger seu patrimônio e seus funcionários.

Representantes do povo foram a Belém denunciar a situação no último final de semana, quando acontecia o evento preparatório da Cúpula, e protestaram nesta segunda, na cidade de Tomé-Açu, no Pará.

Os casos são os mais recentes de uma nova série de ataques, mas as investidas contra a comunidade são recorrentes há anos, afirmam as lideranças.

"Desde 2009, reivindicamos a ampliação de nossos territórios. E até então não tivemos resposta. Por não termos resposta, fazemos nossa autodemarcação, reocupando o nosso território. De 2014 para cá, o conflito ficou mais acirrado", disse à Folha Miriam Tembé, presidente da Associação Indígena Tembé de Tomé-Açu.

Nesta segunda, representantes do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), da ONU (Organização das Nações Unidas), do Ministério Público do Trabalho, da Human Rights Watch, da Comissão Pastoral da Terra e do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) estiveram na cidade de Tomé Açu para acompanhar o caso.

O MPF-PA (Ministério Público Federal do Pará) pediu o fim da violência e a apuração pela Polícia Federal (PF).

Segundo a BBF, na sexta, "cem invasores armados com terçados, facas, armas de fogo e armas caseiras entraram em conflito com trabalhadores, incendiando e destruindo as instalações físicas da fazenda, maquinários e equipamentos da empresa."

Na segunda, "trinta invasores armados ameaçaram e agrediram trabalhadores da empresa, antes de incendiar dezenas de tratores, maquinários agrícolas e edificações da companhia."

Procurada, a PM disse que a resposta cabe à Secretaria de Segurança Pública do estado do Pará, que não respondeu até a publicação deste texto.

Os ataques contra os tembé são recorrentes. Em maio, o cacique Lúcio Gusmão foi baleado na cabeça --ele era uma das lideranças que atuava contra a BBF. Em dezembro de 2022, seguranças contratados pela empresa foram flagrados apontando armas de fogo para os indígenas.

O povo também foi um dos que sofreu com o aumento de violência às vésperas das eleições do ano passado.

O povo tem duas terras demarcadas na região e que reivindicam ampliação: o território Turé-Mariquita e o Tembé; eles ficam a cerca de 100 km de Belém.

A cidade, capital do estado governado pelo aliado de Lula Helder Barbalho (MDB), recebe a Cúpula da Amazônia nesta terça e quarta (9) com a presença de líderes dos países nos quais o bioma está presente.

Um dos pontos principais do debate é justamente o protagonismo indígena, a proteção dos povos e a consolidação dos acordos de consulta prévia às comunidades.

Os países assinarão uma declaração conjunta ao final do evento. Como mostrou a Folha, o rascunho do documento reconhece os direitos indígenas e seus territórios, mencionando o compromisso de consultá-los antes de decidir sobre projetos que lhes afetem, em concordância com a previsão da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

"Senhores governador [do Pará] e presidente [Lula], não há transição energética e nem justiça climática sem justiça ambiental, agrária e territorial. Cremos que vossas excelências não querem carregar a marca de uma falsa transição energética manchada com sangue indígena, quilombola e ribeirinhos", diz a associação Tembé, em nota.

Miriam disse que, dos quatro baleados, o primeiro está atualmente sob cuidados da Casai (Casa de Assistência à Saúde Indígena) de Belém; uma indígena foi atingida no pescoço e transferida para a capital do estado, onde segue internada; outra, ferida na perna, já foi tratada em Tomé-Açu e retornou à aldeia.

O último, segundo a liderança, foi detido pela PM -que não explicou aos indígenas o motivo da prisão.

"Foi atingido com um tiro nas costas, na região do ombro, estava recebendo atendimento no hospital e a polícia o levou para a delegacia, para prestar depoimento. Chegando lá, ele foi algemado, colocado em um camburão e levado preso", diz.

"A gente se sente muito afrontado. Ele foi baleado, é uma vítima e foi levado preso", completa.

Os indígenas protestaram na cidade contra a violência dos agentes de segurança privada e pela liberdade do indígena.

Segundo a associação, o ataque de sexta foi feito após a chegada de "forte e ostensivo grupamento da Polícia Militar especializada no município". As lideranças afirmam ainda que a segurança privada contratada pela BBF conta com apoio dos agentes públicos e usa armas de fogo.

Já o Conselho Nacional de Direitos Humanos enviou um ofício ao governador do Pará pedindo providências "frente a este brutal ataque".

A BBF afirma que já registrou mais de 850 boletins de ocorrência nos últimos dois anos, desde que assumiu a operação na região. "O Grupo BBF enfrenta um cenário complexo e violento de invasões, promovidas por um grupo formado por indivíduos, que praticam diversos tipos de crimes contra o patrimônio da empresa, trabalhadores, moradores das comunidades e meio ambiente", disse a empresa, em nota.