Nos EUA, 1% mais rico responde por 17% das emissões de carbono, mostra estudo

Por JÉSSICA MAES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um novo estudo aponta que o 1% mais rico da população dos Estados Unidos foi responsável por 15% a 17% das emissões de carbono totais do país em 2019. A pesquisa mostra ainda que o 0,1% mais rico tinha, em média, emissões até 1.700 vezes maiores do que os 10% mais pobres naquele ano.

As conclusões foram publicadas nesta quinta-feira (17) no periódico científico PLOS Climate e mostram a ligação da renda, especialmente vinda de investimentos, com os gases de efeito estufa emitidos para gerar essa receita.

Pesquisadores da Universidade de Massachusetts Amherst analisaram 30 anos de dados, de 1990 a 2019. Eles usaram como base registros de mais de 2,8 bilhões de transferências financeiras intersetoriais, acompanhando o fluxo de carbono e a receita, além de dados demográficos e de renda detalhados de mais de cinco milhões de americanos.

A equipe descobriu que mais de 40% das emissões dos EUA são atribuíveis aos fluxos de renda dos 10% mais ricos e que, em geral, as famílias brancas (e sem ascendência hispânica) têm emissões de 1,3 a 1,7 vez maior do que outros grupos, como negros e hispânicos brancos. As emissões tendem a aumentar com a idade, atingindo o pico na faixa etária de 45 a 54 anos e caindo em seguida.

Os resultados ilustram como a desigualdade está atrelada à mudança climática, mostrando uma grande desconexão entre quem enfrenta os piores impactos dos eventos extremos e aqueles que colhem os benefícios econômicos que impulsionam as emissões.

Para dimensionar mais facilmente essa disparidade, o líder do estudo, Jared Starr, cientista especializado em sustentabilidade, faz uma analogia.

"Os americanos mais pobres geram menos de 2 toneladas de carbono (tCO?e) por ano. Se medirmos essa poluição, seria da altura de uma casa média. Então, a poluição de carbono criada pelo 1% mais rico (600 tCO?e) seria igual a à altura de 5 edifícios do Empire State empilhados", ilustra ele, citando o arranha-céu que é cartão-postal de Nova York.

"Mas, se olharmos mais de perto, apenas para o 0,1% mais rico, sua poluição anual de carbono (2.670 tCO?e) seria mais alta que o monte Everest, a montanha mais alta da Terra".

Mais de 130 mil famílias fazem parte deste último grupo, chamado pelos pesquisadores de "super emissores".

No caso dos super emissores, os cientistas descobriram que mais da metade das suas emissões estava atrelada à receita vinda de investimentos. Esse grupo está mais concentrado nas áreas de finanças, imóveis e seguros, manufatura e mineração.

"Até hoje, ninguém tinha analisado a responsabilidade [pela emissão de] carbono com base em quanto carbono é necessário para gerar renda. Então, acho que essa é uma nova maneira de olhar para esse tema e oferece novos insights de políticas que talvez devêssemos considerar para além dos impostos baseados no consumo", explica Starr.

Ele aponta que taxar o carbono na etapa do consumo -criar um imposto extra sobre combustíveis fósseis, como gasolina e diesel, por exemplo- impacta desproporcionalmente os mais pobres. Isso porque aqueles que têm uma renda maior poupam ou reinvestem a maior parte do que ganham e conseguem absorver estes custos extras, enquanto os mais pobres não dispõem dessas reservas.

"Os impostos de carbono baseados no consumo tendem a ser regressivos, pois os grupos mais pobres gastam muito de sua renda apenas para atender às suas necessidades básicas, enquanto os grupos ricos podem economizar muito de sua renda e comprar coisas como ações, que não são tributadas em um sistema de taxação focada no consumidor."

Por isso, o pesquisador propõe que sejam elaboradas políticas públicas que atinjam justamente aqueles que lucram com investimentos -e contribuem muito mais para as emissões que causam o aquecimento global. Uma opção seria criar um imposto sobre essas aplicações e as receitas geradas por elas.

"Se você for atrás de ativos, se pensar em tributar acionistas e ações, parte do valor dessas ações vem de emissões que ocorreram no passado. Então, eu acho que essa é também uma maneira mais equitativa de fazer isso e contabiliza emissões passadas de uma forma que um imposto só com base na renda, por exemplo, não faz", sugere ele.

O cientista aponta que o sistema econômico é desenhado de forma que as empresas não criam produtos e serviços para as pessoas, mas sim para gerar valor para os acionistas.

"[Produtos e serviços] são meramente o resultado disso", afirma. "Assim, na verdade, essas emissões estão ocorrendo para criar riqueza para os acionistas".

Ele aponta, ainda, que o estudo não individualiza o portfólio de investimentos de cada família, porque seria algo impraticável, mas se baseia na média da economia americana, que é fortemente baseada em carbono -o país é o maior emissor histórico do mundo e, atualmente, o segundo anual, perdendo apenas para a China.

A esses dados foi aplicado um algoritmo de randomização que permite adicionar o fator de variabilidade, considerando que algumas carteiras de investimentos são mais poluentes do que outras.

"[O estudo] reflete o fato de que a economia dos Estados Unidos ainda depende fortemente de combustíveis fósseis para criar riqueza para as pessoas", afirma Starr.

Na série histórica, o estudo mostra ainda que enquanto os 99% mais pobres tiveram aumento na renda, suas emissões absolutas caíram. Já para o 1% mais rico, o crescimento da renda resultou em emissões absolutas estáveis ou crescentes.

Segundo o artigo, essas tendências mostram que, apesar da queda nas emissões médias nacionais e do aumento da renda para todos os grupos, o crescimento desigual da renda criou uma significativa e crescente disparidade de emissões entre as famílias de renda extremamente alta e o restante da sociedade americana.