Pó preto da Companhia Siderúrgica Nacional invade casas em Volta Redonda (RJ)
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O aposentado José Maria da Silva, 64, varre todos os dias a casa onde vive, em Volta Redonda (a 100 km do Rio de Janeiro), porque um pó preto fino insistentemente aparece sobre os móveis e o chão. O material sai da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e invade as residências dos bairros ao redor da usina.
José Maria trabalhou durante 24 anos na CSN e se aposentou como técnico químico. Hoje participa de movimentos contra a poluição do ar no município onde mora há 60 anos.
"Quando eu cheguei em Volta Redonda, vindo de Minas Gerais, olhei para as chaminés e pensei que este seria o lugar em que viraria gente. Ao longo da vida, naturalizei toda a fumaça que estava no ar."
O pó preto sai da siderúrgica no processo da produção de aço. Estudos apontam que a poluição atmosférica da cidade pode estar ligada a internações por doenças respiratórias.
Siderúrgica mais antiga do Brasil, a CSN, inaugurada em 1941 como estatal, começou a produzir aço em 1946, em Volta Redonda. A companhia ficou marcada por conflitos de funcionários com o Exército durante uma greve em novembro de 1988. Três trabalhadores foram mortos quando as tropas tentam entrar na usina. Em 1993, a CSN foi leiloada.
A emissão do pó é admitida pela companhia e está no radar do Ministério do Meio Ambiente, que estuda abrir diálogo com a CSN e o governo estadual do Rio de Janeiro para cobrar uma solução.
Vereadores do sul fluminense se reuniram com a ministra Marina Silva no início de agosto, em Brasília. Os políticos esperam que ela faça uma visita à cidade até o final do ano, para que veja de perto a circulação do material.
A CSN, em nota, afirma que a circulação do pó é "mais comum nesta época do ano nas cidades industriais, em razão do tempo seco", e que está investindo R$ 700 milhões em equipamentos e filtros, para diminuir a poeira, e também no incremento da limpeza nas vias da usina.
O Inea (Instituto Estadual do Ambiente), responsável pela fiscalização da poluição, afirma em nota que "avalia sistematicamente a qualidade do ar no município de Volta Redonda" e que multou a CSN em R$ 1 milhão por conta do pó preto. A siderúrgica assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) segundo o qual se compromete a reduzir a poluição até setembro de 2024.
Ainda de acordo com o Inea, uma estação de medição de concentração de gases e materiais particulares foi instalada no município.
Patrícia Alves Carneiro, do departamento de química da UFF (Universidade Federal Fluminense), afirma que o pó que circula em Volta Redonda contém óxido de ferro, misturado a outros componentes. Moradores já fizeram testes: reuniram o pó sobre um papel e conseguiram mover o material aproximando um ímã.
"O efeito do campo magnético traz a evidência do ferro. Chama atenção porque, se está saindo material particulado de dimensões maiores, pode estar saindo o de dimensões menores, invisível aos olhos", avalia Carneiro.
Existem diferentes tipos de partículas em suspensão no ar: as chamadas MP10, que têm um tamanho de 10 micrômetros (um micrômetro equivale à milésima parte de um milímetro), e as MP2,5, com um tamanho menor de 2,5 micrômetros. As mais finas, ressalta a pesquisadora, podem ser mais perigosas por serem mais respiráveis.
"Artigos da década de 1980 já mostravam que o material particulado carrega com ele outras substâncias químicas e orgânicas, como hidrocarbonetos policíclicos", diz. Os HPAs (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos) são definidos pelo governo federal como contaminantes.
"Há HPAs cancerígenos, outros mutagênicos", explica a pesquisadora.
O psicólogo Alexandre Fonseca, 32, é um dos coordenadores do Movimento Sul Fluminense Contra a Poluição, que fez um ato em julho pela situação de Volta Redonda.
"A poluição gera desde os pequenos inconvenientes, como o material particulado que fica nas casas, nos carros, nas ruas, até os maiores, como a saúde. Em Volta Redonda, está normalizado o fato de não conseguirmos respirar. Todo mundo tem algum problema respiratório em alguma medida, seja alergia, bronquite, ou asma", diz.
Um estudo publicado em 2020 na Revista Brasileira de Ciências Ambientais associa a poluição atmosférica em Volta Redonda com internações por doenças respiratórias. A pesquisa cruzou dados dos sistemas de saúde com informações sobre emissão de partículas no ambiente.
"Os poluentes tinham relação com a internação. Quando aumentava o nível de poluição, observava-se quantidade maior de pessoas que davam entrada em hospitais com problemas respiratórios", afirma Marcelo Moreno, tecnologista em saúde pública da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
"Dos 5.235 casos de internação por problemas respiratórios, 6% tinham relação com a poluição do ar. É uma associação significativa", conta.
Helena Guerra, diretora de sustentabilidade da CSN, admite problemas de poluição na usina, mas nega a associação com doenças respiratórias.
"O pó, ao contrário do que se alardeia, não é possível de ser respirado pela granularidade dele. Ele é uma partícula que cai, suja as casas, mas não há correlação real com problema respiratório. A qualidade do ar de Volta Redonda é boa, o incômodo do pó será resolvido", afirma.
Moradores também reclamam das informações sobre a qualidade do ar disponibilizadas nos equipamentos instalados nas ruas da cidade. A empresa que presta o serviço é contratada da CSN. Os dados, segundo a siderúrgica, são enviados ao Inea.
O vereador Raone Ferreira (PSB), que foi à Brasília discutir o tema no início do mês, pede fiscalização independente.
"Defendemos que haja um monitoramento independente, feito pelo poder público municipal e em diálogo com o governo federal. O Inea, historicamente, tem sido leniente com a poluição da ar", afirma Ferreira.
Também procurada pela reportagem, a Prefeitura de Volta Redonda detalhou as medidas anunciadas pela CSN e disse que mantém vistorias constantes ao interior da usina. A administração disse ainda que a secretaria de Saúde está em "vigilância constante em todos os aspectos".