Marina blinda Ibama na Amazônia e trava indicações políticas nos estados
BRASÍLIA, DF, E SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - Em meio a negociações do presidente Lula (PT) para atrair novos aliados e a uma disputa entre deputados por cargos federais, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, atua para blindar das indicações políticas os postos estaduais estratégicos na área.
O principal foco de disputa são as superintendências locais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis), órgão que tem como função o monitoramento e a fiscalização de infrações ambientais.
Das 26 superintendências estaduais do Ibama, 17 tiveram os seus chefes nomeados desde o início do governo, dentre os quais a maioria (9) é de servidores.
Marina conseguiu colocar funcionários de carreira do órgão em sete dos nove estados da Amazônia Legal e também nos locais que compõem o Pantanal.
Nos outros estados, as indicações continuam pendentes e os cargos seguem chefiados de forma interina. A demora nas negociações e o veto a nomes indicados irritou parlamentares aliados, que criticam o que chamam de postura intransigente da ministra.
"O que nós queremos, enquanto servidores, é que sejam nomeados servidores e, quando isso não for possível, porque sabemos das disputas políticas, que sejam pessoas qualificadas. Independente de partido A ou B, não é esse o mérito, queremos que siga o perfil de qualificação exigido para o cargo", afirmou o presidente da Ascema (Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente), Binho Zavaski.
"Nós estamos, enquanto servidores, desde janeiro cobrando a nomeação dos cargos. A demora nesse processo levou a uma escalada da pressão pelas indicações políticas, ao processo de disputa do toma lá, dá cá. Entendemos que o cargo desocupado gera pressão para que outra pessoa de fora ocupe", completou.
O ministério foi procurado pela reportagem, mas o Ibama se encarregou de enviar a resposta. O instituto disse, em nota, que está trabalhando na recomposição de seus quadros.
"As diretorias do Ibama que ainda não tiveram definição de titulares estão sendo lideradas por servidores concursados, com alta capacidade técnica para atuar nos cargos", afirmou.
O instituto acrescentou que trabalha para que uma parte significativa das superintendências seja ocupada por servidores de carreira, principalmente nos estados que apresentam altas taxas de desmatamento, como Amazonas, Mato Grosso e Pará.
Nomes indicados por deputados seguem em banho-maria em uma série de estados. Em dois deles, os nomes para o Ibama indicados pelos deputados causaram desconforto no entorno de Marina.
No Paraná, o deputado Zeca Dirceu, líder do PT na Câmara, indicou para chefiar o Ibama a dentista e advogada Andrea Godoy. A escolha mobilizou o Ministério Público Federal, que argumenta que a indicada não tem experiência na área ambiental e que nomeá-la seria uma afronta os princípios da legalidade, impessoalidade e eficiência.
Ainda conforme a Procuradoria, Andrea Godoy é mãe de um advogado que já representou Rodrigo Cataratas, empresário suspeito de participar de um esquema milionário de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.
Na Bahia, o deputado federal Leo Prates (PDT) indicou para o cargo o advogado Diego Freitas Ribeiro. Ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, Ribeiro foi denunciado pelo MPF na operação Faroeste, que investiga venda de decisões da Justiça.
O comando do Ibama na Bahia foi oferecido ao deputado em meio a um acordo da bancada federal. Prates é aliado próximo do ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil), adversário do PT no estado, mas tem votado com o governo Lula. A nomeação está travada há dois meses.
Em documentos a que a reportagem teve acesso, a defesa do ex-juiz destaca que o inquérito não lhe imputa crime de corrupção, que ele não possui condenação criminal e que não houve apreciação da denúncia pelo Superior Tribunal de Justiça.
Em Goiás, o deputado federal Adriano de Baldy (PP), que é do centrão, chegou a indicar para o Ibama o nome de Fábio Brasil de Castro. A escolha foi contestada por um grupo de servidores do instituto, que realizou um protesto em junho contra a indicação.
Adriano de Baldy e seu padrinho político Alexandre Baldy, ex-ministro no governo Michel Temer (MDB), foram os responsáveis pela indicação ao Ibama de Goiás na gestão Jair Bolsonaro (PL)
A deputada federal Adriana Accorsi, do PT, no momento lidera a disputa pelo cargo, após ter indicado Nelson Gonçalves.
Até mesmo o único deputado de federal da Rede Sustentabilidade, partido de Marina Silva, enfrentou dificuldade para emplacar um aliado.
O deputado Túlio Gadêlha indicou o ex-deputado Wanderson Florêncio para o Ibama em Pernambuco, mas houve resistência de servidores. Com o veto, o parlamentar passou a defender o nome de Daniel Galvão, que tem experiência na área. Ele foi nomeado oficialmente na última sexta-feira (18).
Também na sexta teve fim a disputa em outro estado: o Amapá, única superintendência da Amazônia Legal em que ainda não havia definição. O nome escolhido foi o de Bernardo Nogueira, indicado pelo líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Petistas também têm encontrado dificuldades para emplacar aliados no Ibama. Em Alagoas, o engenheiro ambiental e ex-deputado estadual Judson Cabral foi indicado pelo diretório local do PT, mas a sua ascensão ao cargo segue pendente.
O cenário é o mesmo na Paraíba, onde o indicado foi o antropólogo Márcio de Matos Caniello, professor da Universidade Federal de Campina Grande. Seu nome foi rejeitado por servidores do Ibama, que realizaram um protesto e defenderam a nomeação de um funcionário de carreira.
Em Mato Grosso do Sul, foi barrada a indicação do PT da advogada Giselle Marques, candidata ao governo do estado derrotada em 2022.
Dentre os nove estados que compõem a Amazônia Legal, Pará, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Acre, Tocantins e Amazonas têm servidores de carreira como titulares das superintendências.
Exceções são o Amapá e o Maranhão, que só tem metade de seu território no bioma.
Neste último, a nomeada para o cargo foi advogada Flávia Alves Maciel, suplente de deputada federal e irmã do deputado estadual Othelino Neto (PC do B). A indicação foi do ex-governador do Maranhão e atual ministro da Justiça, Flávio Dino.
Dentre os demais estados, foram nomeados dirigentes do Ibama em Minas Gerais, Ceará e Piauí, sendo os dois últimos indicações de deputados federais do PT.
Em Minas, a indicação chegou a ser disputada pela deputada Duda Salabert (PDT) e o deputado Fred Costa (Patriota). Acabou prevalecendo o biólogo Sérgio Augusto Domingues, ligado à Rede.
O estado é considerado estratégico por ter economia ancorada na mineração, que resultou em tragédias recentes em Brumadinho e Mariana, e por ser governado por Romeu Zema (Novo), gestor favorável a flexibilizações na área ambiental.
No Ceará, o advogado Deodato Ramalho chegou ao cargo com as bênçãos da deputada federal Luizianne Lins (PT). Já a advogada Thays Paiva assumiu a superintendência do Piauí com o aval do deputado Flávio Nogueira (PT).
Conforme apontado pela Folha, o avanço das negociações por cargos nos estados enfrenta obstáculos que passam por rivalidades locais entre os partidos que formam o arco de apoios do presidente no Congresso Nacional.
As disputas têm contornos mais graves nos estados do Nordeste, onde deputados de legendas como União Brasil, PP, Republicanos e até mesmo do PL de Jair Bolsonaro acenam com apoio ao governo e cobram o seu quinhão na máquina federal.
Líder do governo na Câmara, o deputado federal José Guimarães (PT-CE) diz que cerca de 80% dos pleitos estão resolvidos e que trabalha com transparência para atender demandas dos deputados e ter solidez na base aliada.