Brasileiros se dividem sobre legalização de psicodélicos como remédios
SÃO PAULO E CAMPINAS, SP (FOLHAPRESS) - A primeira pesquisa nacional sobre uso terapêutico de substâncias psicodélicas, realizada pelo Datafolha em 12 e 13 de setembro, mostra brasileiros divididos sobre a legalização medicinal desses fármacos: 43% se declaram a favor e 46%, contra. Sem opinião se dizem 10% dos entrevistados, e 2%, indiferentes.
Há diferenças significativas entre grupos populacionais. Registra-se mais apoio a psicodélicos medicinais do lado dos homens (49%, contra 37% de mulheres) e de jovens de 16 a 24 anos (47%, perante 36% de 60 anos em diante).
Entre os 62% que ouviram falar em psicodélicos, um quinto afirmou considerar-se bem informado. Mais ou menos informados são 31%, e 12%, mal informados. Como seria de esperar, mostram-se mais favoráveis a esses tratamentos pessoas com conhecimento do tema (49% apoiam, versus 33% dos que desconhecem).
A pesquisa ouviu 2.016 pessoas em 139 municípios de todo o Brasil. A margem de erro máxima para o total da amostra é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Nota-se um descompasso entre católicos e evangélicos: os primeiros divididos, 44% contra e 44% a favor do uso medicinal, e os últimos majoritariamente contra (51% a 36%). Neste caso, a diferença fica próxima do limite entre margens de erro específicas para os dois contingentes, respectivamente de 3 e 4 pontos percentuais.
Psicodélicos, também conhecidos como alucinógenos, são compostos proibidos na maior parte dos países. No Brasil, LSD, psilocibina de cogumelos e MDMA (ecstasy, bala, molly) integram a lista F da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de substâncias de uso proscrito.
A exceção é a ayahuasca, ou daime. Mesmo contendo o composto proibido DMT (dimetiltriptamina), o chá pode ser tomado legalmente no país, desde que em contexto religioso.
A proibição dessas substâncias alteradoras da consciência se espalhou pelo mundo a partir de 1970, com a chamada guerra às drogas declarada nos EUA. Foi uma reação ao consumo de LSD e maconha por jovens pacifistas no movimento a contracultura. A proscrição, entretanto, está sob revisão em alguns países.
O principal impulso por trás do revisionismo vem da ciência biomédica. Estudos clínicos vêm mostrando, de uma década para cá, potencial terapêutico promissor de MDMA e psilocibina, principalmente, para tratar transtornos como estresse pós-traumático e depressão resistente aos medicamentos disponíveis.
É de supor que, à medida que esse potencial se confirme e psicodélicos sejam aprovados para uso psicoterapêutico nos EUA em 2024 ou 2025, como se espera, a divisão de opiniões no Brasil se resolva em favor da regulamentação. A pesquisa Datafolha traz indícios nessa direção.
Questionados sobre a hipótese de um médico de confiança receitar tratamento com psicodélicos como o mais indicado, uma ligeira maioria (52%) diz que concordaria; destes, aceitariam com certeza 36%, e outros 16%, talvez. Outros 43% disseram que não estariam de acordo com isso.
A legalização do uso religioso de psicodélicos, apesar de a ayahuasca ser legalizada no Brasil em cerimônias de igrejas como Santo Daime, União do Vegetal e Barquinha, é condenada por 62% e favorecida por 25%. A taxa dos contrários, aqui, é um pouco mais alta entre evangélicos (69%) na comparação com católicos (62%).
Marcante, por outro lado, revela-se a recusa da legalização completa do uso de psicodélicos, ou seja, para venda e recreação: 80% contra e meros 11% a favor. Os indiferentes são 2% e 7% não opinaram.
Os entrevistados, por outro lado, demonstram confiança limitada na capacidade de autoridades decidirem sobre o uso medicinal de substâncias psicoativas como psicodélicos e maconha. No Congresso confiam 43% e não confiam 55%; no governo federal, 50% e 48%, respectivamente.
Bem melhor se saem cientistas, nos quais a confiança vai a 77%, e profissionais de saúde, com 74%. No fundo do poço ficam líderes religiosos, apesar da influência eleitoral e parlamentar que exercem nessa discussão: 60% não confiam neles para decidir isso, e só 37% confiam (9% muito, 28% um pouco)