Conflitos por terra na Amazônia caem 26% no 1º semestre
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A violência no campo diminuiu na Amazônia Legal no primeiro semestre de 2023. De janeiro a junho deste ano, foram registrados 329 conflitos por terra na região, queda de 25,7% na comparação com o mesmo período de 2022. A região engloba Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Já no país, como um todo, o movimento foi na direção contrária, com aumento de 9,1%: foram 791 ocorrências nos primeiros seis meses de 2023 e 725 no mesmo período no ano anterior. O número foi o segundo mais alto da década, atrás apenas de 2020, que teve 876 casos.
Os dados são coletados pelo Cedoc (Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno) e foram divulgados nesta terça-feira (10) pela CPT (Comissão Pastoral da Terra). O levantamento é feito pela organização desde 1985.
Em 2023, os principais atingidos pela violência por terra foram povos indígenas, com 38,2% dos casos, seguidos de trabalhadores rurais sem terra (19,2%), posseiros (14,1%) e quilombolas (12,2%).
A CPT também documenta outras situações, como ocorrências de trabalho escravo e conflitos pela água. No total, foram registrados 973 conflitos no campo no período, alta de 8,1% em relação a 2022, com envolvimento de cerca de 527 mil pessoas.
Em relação aos casos de trabalho escravo, cresceram tanto o número de registros (20%), chegando a 102 ocorrências, quanto de pessoas resgatadas (43,9%), totalizando 1.408 trabalhadores. A quantidade de resgates é a maior desde 2014, o que, segundo a pastoral, demonstra a maior visibilidade dada a estas violências.
O agronegócio foi a atividade com mais pessoas socorridas, sendo 532 no cultivo da cana-de-açúcar, 331 em lavouras permanentes e 46 na pecuária. Também foram resgatadas vítimas em atividades de mineração (104), desmatamento (63) e produção de carvão vegetal (51).
A redução dos conflitos na região amazônica nos primeiros meses do governo do presidente Lula (PT) acontece ao mesmo tempo em que há queda nos números de desmatamento e crescimento nas ações de fiscalização de crimes ambientais.
De janeiro a junho, os alertas de desmate na amazônia caíram 33,6%, taxa mais baixa desde 2020.
No mesmo intervalo, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) aumentou em 166% as multas aplicadas por crimes contra a flora em relação à média para o período nos últimos quatro anos, enquanto embargos cresceram 111% e termos de destruição de equipamentos usados em crimes ambientais aumentaram 260%. As informações são do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática.
Apesar disso, Ronilson Costa, um dos coordenadores nacionais da CPT, ressalta que o número de conflitos na Amazônia ainda é muito elevado.
"Eu acredito que [com o novo governo] possa ter iniciado uma nova fase de fiscalização, de atenção. O mundo inteiro está com os olhos voltados para a amazônia, o que é uma pressão importante. Mas, no dia a dia dos povos ribeirinhos e indígenas, ainda há muitas situações de pressão e violência", afirma.
"Por exemplo, os mundurukus, no Pará, que têm sofrido muitas situações de ameaças e violência", diz, destacando a presença de garimpeiros ilegais na terra indígena. "No Amazonas, há ações constantes contra ribeirinhos, que têm seus territórios pesqueiros invadidos por empresas."
Costa também aponta que, apesar de o número de conflitos ter caído na região, cresceu a quantidade de pessoas atingidas. "O número é o maior dos últimos dez anos."
Ele ressalta ainda que o índice nacional segue aumentando. "O que ocorreu é que houve outras regiões, como Mato Grosso do Sul e Goiás, que apresentaram números bem mais elevados do que antes", pontua.
Em Mato Grosso do Sul, os conflitos por terra foram de 44, no primeiro semestre de 2022, para 76 no mesmo período de 2023, aumento de 72%. Em Goiás, o número de ocorrências foi de 24 para 86, alta de 258%.
Para Costa, o aumento nos conflitos por terra que vem sendo registrado nos últimos anos se dá principalmente por dois motivos.
"Primeiramente, a economia brasileira vem se tornando cada vez mais primária, com base na exploração minerária e na expansão do agronegócio. Quando essas duas frentes se expandem, elas vão para territórios já ocupados, como áreas de agricultura familiar e territórios indígenas e quilombolas", explica.
Além disso, ele aponta a lentidão no andamento de processos judiciais a respeito de áreas em disputa.
"Há casos que já têm mais de 20 anos. Essa demora acaba sendo também uma forma de acentuar os conflitos, porque as famílias se tornam cada vez mais vulneráveis. Há uma situação de instabilidade e parte dos fazendeiros passa a pressionar as pessoas para que abandonem aquelas terras."
Ele aponta, ainda, que houve um desmonte dos mecanismos de mediação de conflitos na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
"O governo anterior desmontou as políticas públicas voltadas a estabilizar e garantir segurança a essas famílias. Foram anos de muita invasão de terras indígenas e quilombolas por parte de fazendeiros e de grileiros", diz.
Outro relatório da CPT mostra que, de 2019 a 2022, houve alta de 29,8% nos confrontos por terra na Amazônia na comparação com os quatro anos anteriores.
"O governo Lula 3 inicia com uma perspectiva de abertura de diálogo e mediação de conflitos. Mas há uma carga elevadíssima de demandas das comunidades", afirma, acrescentando que, apesar disso, o governo federal alega falta de dinheiro para implementar políticas na área.
"O governo diz que não há recursos para 2023, mas as situações estão ocorrendo. Terras continuam sendo invadidas por madeireiros, mineradoras e garimpeiros."
Em agosto, Lula assinou decretos para retomar o Programa Nacional de Reforma Agrária. Entre as medidas anunciadas estão o assentamento de 5.700 famílias até o final deste ano, a regularização de 40 mil famílias assentadas e a aplicação de R$ 300 milhões em Crédito Instalação, do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).