Mais de 500 cidades têm suspeita de erros que podem distorcer divisão de verba da educação
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) mapeou 520 municípios com possíveis erros nos dados do Censo Escolar, o que pode comprometer o cálculo da distribuição dos recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
O número representa 9,3% dos municípios brasileiros.
No mapa do Inep, Sergipe tem o maior percentual de municípios com suspeitas de erros nos registros, com 18,7% das suas cidades na lista. São 14 prefeituras do estado de um total de 75.
O segundo lugar é do Amazonas, com 16,1% (10 de 62 municípios); o terceiro é da Bahia, com 15,8% (66 de 417 cidades). Na outra ponta está o Paraná, com 4,5%.
A Folha revelou que mais de cem cidades são suspeitas de registro de alunos fantasmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos). Todas elas têm variações de um ano para outro fora da curva nacional, e mais de 10% da população matriculada. Juntas, receberam quase R$ 1,2 bilhão a mais do que teriam se a situação fosse similar à tendência nacional.
O Censo Escolar é o parâmetro utilizado para o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) definir quanto cada cidade receberá do Fundeb. A distribuição dos recursos leva em conta a quantidade e tipo de matrícula, entre outros critérios.
Os dados que alimentam o Censo são fornecidos por cada gestor municipal de educação. Isso abre margem para possíveis fraudes, como quando prefeituras informam um número maior de alunos do que têm na realidade --e, dessa forma, recebem mais dinheiro em detrimento de outras.
O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica. O fundo passou por uma revisão em 2020, que ampliou o volume de recursos. A estimativa total do Fundeb é de R$ 264 bilhões neste ano.
Em visitas a três cidades suspeitas de inflar registros, a Folha viu turmas esvaziadas e localizou pessoas matriculadas mas que disseram não frequentar as aulas. Uma professora contou à reportagem ter sido obrigada pela gestão a aprovar alunos que nunca estiveram na escola.
O Inep e a CGU (Controladoria-Geral da União) criaram em 2011 uma ferramenta chamada "Mapa de Risco" para tentar combater as possíveis fraudes. O trabalho do instituto tem um sistema de pontuação para ranquear as cidades.
O objetivo é "quantificar variações atípicas no número de matrículas de um município, de forma a identificar uma possível subestimação ou superestimação de matrículas, e advertir sobre a possibilidade de erro de declaração", explicou o Inep em resposta a um pedido de LAI (Lei de Acesso à Informação).
A atual coordenadora do Censo, Celia Araújo, participou do grupo de trabalho sobre as possíveis fraudes com a CGU. "Saiu [do GT] uma recomendação de que nós fizéssemos as verificações nos municípios em que a gente verificasse esse histórico [de problemas]", lembrou.
O Inep seleciona entre as cidades que estão no Mapa de Risco as que receberão visita.
Em 2023, 19 foram visitadas, mas os resultados ainda não foram divulgados porque o levantamento está em andamento.
No ano passado, os técnicos do Inep foram a campo em 14 municípios. Como resultado, 410 matrículas foram retiradas do Censo antes de entrarem no cômputo final. No total, foram verificadas 10,5 mil matrículas.
As matrículas são retificadas porque o papel do Inep não é o de fiscalizar as informações prestadas, mas sim garantir a consistência dos dados. Assim, as visitas do órgão não são punitivas. Elas visam corrigir informações e esclarecer os gestores locais sobre a forma de preencher o Censo.
Não é somente o número de alunos que é verificado nessas visitas. O Censo também inclui informações sobre a infraestrutura das escolas e sobre os docentes. Nas visitas, essas informações também são checadas.
No final, o gestor municipal assina um termo se comprometendo a corrigir os erros encontrados pelo Inep. Caso isso não seja feito, o próprio órgão faz a alteração. O documento é necessário porque o instituto não tem autoridade para fazer a correção de ofício.
A pontuação do Mapa de Risco é a soma de três subcomponentes que levam em conta a variação de matrículas, trajetória irregular e a disparidade entre o número de matrículas esperadas pelo Inep em relação ao declarado pela cidade no Censo Escolar.
O primeiro subcomponente leva em conta a variação no número de matrículas nos últimos quatro anos.
O segundo calcula inconsistências na trajetória escolar dos alunos, como estudantes que aparecem no Censo em anos que não são normais na trajetória educacional.
"A gente entende que temos a população praticamente toda nesse cadastro. Para vir um aluno de fora que não está no sistema e surgindo no quinto ano, ele deveria ser um filho de diplomata, por exemplo, que está fora do país e de repente voltou", exemplifica Araújo.
Já o terceiro verifica a diferença entre o número de estudantes esperado pelo Inep e o declarado pela prefeitura a partir do fluxo dos alunos (aprovação e reprovado) no ano anterior.
O coeficiente de variação é o que tem mais peso na nota final.