Cidade mais populosa da Amazônia vive de onda em onda de fumaça, e cotidiano é de área degradada
MANAUS, AM (FOLHAPRESS) - A cidade mais populosa da Amazônia, Manaus, vive de onda em onda de fumaça, igualando rotinas de municípios que estão em regiões amazônicas mais degradadas e desmatadas e que já convivem há anos com névoas tóxicas nas janelas de casa.
Por cinco dias consecutivos, a capital do Amazonas, com mais de 2 milhões de habitantes, ficou encoberta por uma fumaça proveniente de queimadas e responsável por níveis de qualidade do ar muito ruins ou péssimos, conforme monitoramento do Selva (Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental), ligado à UEA (Universidade do Estado do Amazonas).
A onda de fumaça neste começo de novembro é semelhante a outras duas ocorridas em outubro. Ou a dias esporádicos inteiros com horizonte cinza, ar irrespirável, impregnação de cheiro de queimado nas roupas e nos objetos e efeitos nocivos no organismo, especialmente de quem tem problemas respiratórios.
Os dados do Selva mostram que, desde 1º de outubro, houve dez dias com nível muito ruim de poluição do ar no centro de Manaus. Em outros quatro dias, o nível foi péssimo, próximo dos piores lugares do mundo para se respirar.
O que ocorre na capital do Amazonas nesse período de seca -a estiagem foi histórica, com o pior nível do rio Negro em 121 anos- é semelhante ao vivido já há tempos em regiões que são fronteira do desmatamento, como Lábrea (AM) e Humaitá (AM), no sul do estado, e Porto Velho (RO). A degradação da floresta derrubou fronteiras para a fumaça, incorporada no cotidiano dessas cidades.
Os sucessivos meses de fumaça em Manaus, uma enorme mancha urbana na floresta amazônica, não foram interrompidos com as medidas divulgadas por governos federal, estadual e municipal.
O alívio para a qualidade do ar ocorre quando há chuvas esporádicas na cidade. A secura faz com que ocorram "tempestades de areia" a partir dos ventos úmidos que antecedem a chuva, como se deu neste domingo (5).
Chove menos na região, a estiagem se prolonga e estão previstas menos chuvas para o período de cheia dos rios, segundo institutos de pesquisa que atuam na Amazônia. Como consequência, os principais rios da região tiveram uma baixa histórica, e ondas de fumaça passaram a ser a realidade em Manaus, em cidades da região metropolitana e até em municípios mais distantes.
Na segunda semana de outubro, quando uma onda de fumaça inundou a capital por dias seguidos, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) afirmou que a responsabilidade pelas queimadas era de produtores agropecuários de cidades próximas.
Na atual onda, tanto Ibama quanto governo do Amazonas atribuem a responsabilidade a estados como o Pará, e também a queimadas na região metropolitana de Manaus.
Nos seis primeiros dias de novembro, o Pará registra 1.916 focos de calor na Amazônia, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). No Amazonas, no mesmo período, foram 116 focos.
Em outubro, os satélites usados pelo Inpe registraram 11.378 queimadas no Pará e 3.858 no Amazonas.
"Até o momento, temos duas fontes principais que causam a fumaça em Manaus", disse à reportagem o secretário do Meio Ambiente do Amazonas, Eduardo Taveira.
"Nos últimos cinco dias, a maior pressão, identificada por satélites e também pela rota da qualidade do ar nas cidades da calha do rio Amazonas, veio de focos de calor registrados no oeste do Pará. A outra fonte são os focos, ainda que em menor escala, da região metropolitana de Manaus", afirmou o secretário.
Essa "dinâmica" passou a ser verificada de 26 de outubro em diante, conforme Taveira. Antes, os focos estavam concentrados na região metropolitana, disse o secretário. "Nesse período reforçamos as ações nessa área, com apoio de brigadistas do PrevFogo [do Ibama], e conseguimos controlar significativamente esses focos, que influenciavam na fumaça sobre a capital."
O clima extremamente seco para o período, influenciado por um El Niño com consequências severas, é o principal fator para a fumaça não se dissipar, segundo o secretário do Meio Ambiente. "Éramos para estar na entrada da estação chuvosa. Com a baixíssima umidade, estamos sofrendo com um processo bem comum em grandes cidades em períodos secos, a inversão térmica."
A seca extrema na Amazônia tem conexão ainda com o aquecimento do Atlântico Tropical Norte, com a degradação e o desmatamento da floresta e com efeitos das mudanças climáticas.
Na semana passada, o superintendente do Ibama no Amazonas, Joel Araújo, disse que queimadas na região metropolitana colaboram com a fumaça, mas que muito do material é proveniente de Pará, Amapá, Mato Grosso e estados do Nordeste. "Toda essa fumaça está sendo carreada para a região de Manaus."
Segundo o superintendente, o Ibama atua na região metropolitana com 122 brigadistas. "A fumaça comprometeu a qualidade do ar e a saúde da população de Manaus e região."
Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará disse que o estado não tem "confirmação" de que a fumaça em Manaus é proveniente da região. "Com o El Niño, o Pará enfrenta período de poucas chuvas e seca. A secretaria reforçou o efetivo e ampliou ações de prevenção e combate aos incêndios florestais."
Mais de 230 militares atuam no combate às queimadas no estado, segundo a secretaria. "O estado reduziu o desmatamento. Em julho, agosto e setembro, registrou o melhor trimestre do ano, com queda de 56%."