Tempo de espera por equipes da Enel em SP dobrou em cinco anos
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Cada vez que uma equipe da concessionária Enel é mobilizada para ir até um endereço com problemas de energia, os moradores da região metropolitana de São Paulo esperam 12 horas e meia, em média, até que a questão seja resolvida.
É mais que o dobro do tempo médio desses atendimentos em relação a 2018, ano em que a companhia italiana comprou a Eletropaulo e passou a operar a distribuição energética na capital.
O tempo que domicílios ficam sem luz, por outro lado, diminuiu em cerca de 11% no mesmo período. Isso porque a demora das equipes é mitigada por equipamentos capazes de religar a energia a distância, de forma automática, em poucos minutos.
Esse índice ?a DEC, ou duração equivalente das interrupções? melhorou ao longo dos anos e piorou nos últimos meses. Ele é considerado, ao lado da frequência das quedas de energia, o fator mais importante na avaliação de qualidade da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e influi diretamente em multas pagas pela concessionária e no cálculo da tarifa energética.
Já o tempo médio de atendimento a emergências tem menos importância na avaliação das distribuidoras de energia, uma vez que é parte do tempo total de uma interrupção de energia. No entanto, especialistas ouvidos pela Folha dizem que a eficiência das equipes em campo deve se tornar cada vez mais importante, com o aumento da frequência de tempestades e ventanias, apesar de não influir na avaliação oficial.
De junho a setembro, o tempo que as residências ficaram no escuro aumentou a cada mês na área de concessão da Enel. As interrupções de energia também aumentaram nos meses de fevereiro e outubro, se comparadas ao ano passado.
Os dados de outubro de 2023 são os mais recentes, ou seja, houve uma piora anterior ao temporal que deixou mais de 2 milhões de endereços sem energia por mais de 24 horas, no início de novembro.
Nesta semana, moradores da capital e da Grande São Paulo voltam a sentir os transtornos dos temporais. Há relatos de imóveis no escuro por mais de 19 horas. A Enel afirmou na manhã desta terça-feira (9) que restabeleceu o fornecimento para cerca de 70% dos clientes atingidos.
Os fortes ventos, que chegaram a 76 km/h, diz a Enel, causaram queda de árvores e galhos danificando trechos da rede elétrica. Da noite de segunda (8) até as 10h desta terça, o Corpo de Bombeiros recebeu 290 chamados por queda de árvores.
Os dados da Aneel mostram que o pior atraso da concessionária ocorre no tempo de preparação das equipes. É o intervalo entre a companhia tomar conhecimento de uma ocorrência emergencial e autorizar a saída dos funcionários.
Hoje, essa etapa leva em média dez horas para ser concluída ?ou seja, é responsável pela maior parte da espera. Em 2018, o tempo médio para a preparação da equipe era pouco mais de quatro horas.
Nos últimos dez anos, o atendimento das equipes de manutenção a emergências nunca foi tão demorado. Isso se soma a uma redução de 35% no quadro de funcionários da concessionária, equivalente a 8.500 colaboradores próprios e terceirizados a menos, como mostrou a Folha.
A empresa diz que os cortes de funcionários concentraram-se em setores administrativos e não tiveram grande impacto no efetivo operacional, que sai às ruas caso seja necessário fazer reparos na rede de distribuição.
APAGÃO NA LAPA AFETOU EQUIPAMENTO MÉDICO
Moradores do bairro Bela Aliança, no Alto da Lapa, zona oeste da capital, contam que o bairro já enfrentava quedas de energia frequentes mesmo antes da tempestade com ventos de 100 km/h no início de novembro ?quando ficaram três dias sem luz. Entre os dias 28 e 30 do mesmo mês, novamente, ficaram mais de 30 horas no escuro.
A consequência mais grave deste apagão ocorreu na casa da empresária Cláudia: a mãe dela, de 89 anos, depende de equipamentos médicos para fazer todas as suas refeições. Um dos aparelhos, uma bomba infusora, ficou sem bateria durante 40 minutos.
É uma eternidade para o quadro de saúde em questão: com Alzheimer avançado, a mãe de Cláudia não consegue mastigar ou engolir sozinha e, quando engasga, é necessário agir imediatamente. Na segunda noite no escuro, Cláudia e um fisioterapeuta fizeram um procedimento de aspiração de saliva na paciente à luz de velas.
Tão ruim quanto a falta de energia, segundo a empresária, foi o atendimento e a sensação de que o problema deve se repetir. Ela teve de ligar três vezes para a empresa, viu uma previsão de atendimento ser descumprida, e ouviu de uma telefonista da Enel a sugestão para chamar uma ambulância e levar sua mãe a um hospital.
Cláudia pediu que seu sobrenome não fosse divulgado, para evitar a exposição da mãe e por receio de que possa haver algum tipo de retaliação da companhia.
Os vizinhos dizem que o problema ocorre sempre no mesmo transformador. A reportagem conversou com moradores que se mobilizaram em um grupo de mensagens para não perder comida, recarregar celulares e compartilhar as respostas da distribuidora de energia.
"As interrupções ocorrem com frequência o suficiente para nunca faltar velas, fósforos e luzes de emergência [movidas a bateria] em casa", conta a dentista Deborah Rigonatto, 63, que mora na mesma rua.
A Enel afirmou que o apagão na Bela Aliança ocorreu por causa da queda de árvores, inclusive algumas de grande porte, após uma chuva no fim de novembro. A companhia disse, ainda, que no local não há cadastro de domicílio "eletrodependente", ou seja, onde há tratamento de saúde ou procedimento médico que requeira uso continuado de energia elétrica.
BAIRRO DE COTIA TEM AS PIORES QUEDAS DE ENERGIA
O território atendido pela Enel na Grande São Paulo é dividido em 143 áreas, chamadas de conjuntos elétricos. De novembro de 2022 a outubro deste ano, a duração das interrupções de energia ultrapassou o limite exigido pela agência reguladora em 50 dessas áreas ?a Bela Aliança está entre elas. São 2 milhões de domicílios afetados pelo excesso de apagões.
A pior situação ocorre em Caucaia, um bairro de Cotia, na região metropolitana. Ali, a interrupções estão quase 170% acima do que é tolerado pela Aneel.
Por contrato, o limite das quedas de energia em Caucaia deve ficar abaixo de nove horas por ano, em média, para cada domicílio da região. O bairro teve o equivalente a 22 horas de apagão ?algumas residências ficaram no escuro mais tempo do que isso, uma vez que a média leva em conta aqueles que não tiveram interrupções.
Para a economista Joisa Dutra, diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura da FGV e ex-diretora da Aneel, a explicação para o aumento da demora pode estar em vários procedimentos internos da companhia. "Três coisas aconteceram nesse período: a empresa mudou [de AES Eletropaulo para Enel], é possível que as condições de operação tenham mudado, e os procedimentos mudaram", disse Dutra.
Dutra disse que, com eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, a resposta das distribuidoras depende tanto do investimento nas equipes e quanto na automação. "É uma combinação dos dois, de capital e trabalho", afirmou.
Já a engenheira Iara Sobrosa, que trabalha como consultora de serviços de regulação tarifária, diz que o tempo médio de atendimento das equipes deve se tornar mais relevante. "Essa questão de eventos climáticos, isso claro que complica o acesso [ao local onde é necessária a manutenção], assim como o trânsito", diz.
ENEL DIZ QUE INVESTIU BILHÕES EM RELIGAMENTO AUTOMÁTICO
A Enel SP informou, em nota, que os indicadores oficiais de qualidade do fornecimento de energia estabelecidos nos contrato de concessão são a duração média das interrupções e a quantidade média de vezes em que o cliente fica sem energia (FEC). A diz que tem registrado melhoria nos últimos anos nesses indicadores.
"Entre 2017 e 2022, a duração das interrupções reduziu 47%, enquanto o número de vezes em que o cliente fica sem energia caiu 46%", afirmou.
Sobre a piora na duração das quedas de energia, que ocorreu de junho a setembro, a Enel afirma que é uma "consequência dos efeitos do El Niño [o aquecimento acima da média das águas do oceano Pacífico] na área de concessão", ou seja, a frequência maior de grandes tempestades e ventanias.
Segundo a companhia, 87% de todas as interrupções são solucionadas em até seis horas. A companhia afirma que os dados sobre atendimento de emergências mostram apenas casos em que equipes precisam se deslocar, sem considerar situações que são resolvidas automaticamente.
A empresa também disse que fez investimentos de R$ 1,35 bilhão por ano, em média, destinados " à digitalização e automação da rede elétrica, à expansão da capacidade do sistema de distribuição e à execução de obras estruturais como construção de novas subestações".