Ministros do STF veem Bolsonaro focado em eleição e contido em ataques contra tribunal
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Integrantes de tribunais superiores avaliaram que Jair Bolsonaro (PL) se conteve nos ataques contra o Judiciário no 7 de Setembro em relação ao ano anterior e viram nos discursos do presidente um tom eleitoreiro.
A avaliação de magistrados no STF (Supremo Tribunal Federal) é que os ataques de apoiadores do chefe do Executivo e as provocações do próprio mandatário contra a corte ocorreram dentro do esperado e que não houve novidades na comparação com declarações anteriores que pudessem elevar a temperatura da crise entre os Poderes.
Ministros de tribunais superiores disseram ainda reservadamente que as manifestações foram grandes e que Bolsonaro se apropriou do Dia da Independência para fazer um ato de campanha. Magistrados também criticaram o que chamaram de inércia do MPE (Ministério Público Eleitoral) diante de possíveis delitos eleitorais cometidos pelo presidente.
Durante falas tanto em Brasília como no Rio de Janeiro, Bolsonaro adotou tom crítico ao STF, instigando apoiadores contra o tribunal e citou operação conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, que preside o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O presidente, no entanto, evitou atacar Moraes diretamente.
"O conhecimento também liberta. Hoje todos sabem quem é o Poder Executivo. Hoje todos sabem o que é Câmara dos Deputados. Todos sabem o que é Senado Federal. E todos sabem o que é o Supremo Tribunal Federal", disse Bolsonaro em Brasília.
No Rio, Bolsonaro repetiu a frase sobre o Supremo, provocando vaias contra o tribunal. Ele também lembrou que esteve nesta quarta-feira (7) com os empresários envolvidos em mensagens de cunho golpista, alvos de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal em agosto. Bolsonaro disse que esses empresários "tiveram sua privacidade violada".
Embora tenha feito críticas indiretas ao STF, o discurso contrasta com o que foi adotado pelo presidente no Dia da Independência do ano passado. Na ocasião, Bolsonaro chamou Moraes de "canalha", pregou desobediência ao Judiciário e defendeu o voto impresso.
Questionamentos de Bolsonaro às eleições, às urnas e ao TSE, que permearam o discurso do presidente nos últimos meses, tampouco apareceram nas declarações do mandatário nesta quarta.
No lugar, o presidente fez críticas mais incisivas contra seu principal adversário na corrida eleitoral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Bolsonaro chamou o petista de "quadrilheiro de nove dedos" e afirmou: "Não sou muito bem-educado, falo palavrões, mas não sou ladrão."
O presidente ainda pregou que "esse tipo de gente", numa referência a Lula, deveria ser "extirpada da vida pública."
Para ministros do STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Bolsonaro demonstrou mais preocupação com a eleição e tentou seguir a cartilha do que pregam seus aliados políticos que são, sobretudo, do centrão.
Segundo a avaliação da campanha de Bolsonaro, ele precisa atrair eleitores indecisos para sua campanha e pesquisas apontam que atacar as urnas e adotar tom golpista contra o Judiciário têm como consequência a perda de votos.
O STF usou o Twitter nesta quarta para argumentar que cidadãos participam de forma indireta da escolha de integrantes do tribunal.
Em uma locução de um minuto, o tribunal afirma que, de acordo com a Constituição, os ministros são indicados pelo presidente da República e passam por sabatina do Senado para serem aprovados. Só então tomam posse.
O ministro do STF Gilmar Mendes, por sua vez, minimizou a existência de riscos à democracia após as falas de Bolsonaro
"Não vejo essa possibilidade [de golpe]. A democracia tem um grande apoio no Brasil", disse o ministro, que está em Portugal. "Me parece que há aí um estresse no momento eleitoral e, por isso, esse tipo de versão eventualmente apelativa", acrescentou.
O presidente Bolsonaro fez os discursos em cima de carros de som tanto em Brasília como na praia de Copacabana. Nesses pronunciamentos, ele deixou de lado a comemoração o 7 de Setembro em si.
Ainda nesta quarta, Bolsonaro acusou adversários de jogar fora das quatro linhas da Constituição e ironizou o recente movimento de assinatura de cartas pela democracia. "Nosso governo respeita a Carta que é a Constituição. O outro lado que assina cartinha não respeita", declarou.
"Podem ter certeza, é obrigação de todos jogar dentro das quatro linhas da Constituição. Com uma reeleição, traremos para dentro das quatro linhas todos aqueles que ousam ficar fora dela", acrescentou, empregando uma comparação normalmente usada por ele para criticar o Supremo.
Pela manhã, antes do discurso do presidente no Rio, o ministro Alexandre de Moraes escreveu uma mensagem no Twitter na qual afirmou que o Bicentenário da Independência merece ser comemorado com "muito orgulho e honra por todos os brasileiros e brasileiras."
"Há 200 anos demos início à construção de um Brasil livre e à histórica marcha pela concretização de nosso Estado democrático de Direito", afirmou ele, em publicação no Twitter.
Embora as falas de Bolsonaro não tenham surpreendido ministros, a véspera do Dia da Independência gerou preocupação em gabinetes do STF.
Isso porque Bolsonaro havia determinado, na noite de terça (6), a liberação de caminhões na Esplanada dos Ministérios, surpreendendo a segurança do Supremo, que costurou um acordo com o Congresso e com o Governo do Distrito Federal para que os veículos se mantivessem a uma distância considerada segura da Praça dos Três Poderes.
Apesar da determinação de Bolsonaro, o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) vetou a entrada dos caminhões na Esplanada.
O episódio, porém, gerou tensão. A distância dos caminhões é considerada importante para o tribunal para que a ordem seja mantida para os dias seguintes ao feriado.
No ano passado, na noite anterior ao 7 de Setembro, caminhões e ônibus derrubaram duas barreiras montadas pela PM e invadiram a Esplanada.
Em 2021, mais de cem caminhões ocuparam a Esplanada dos Ministérios, sendo usados para pressionar pela derrubada dos bloqueios que davam acesso ao STF e ao Congresso.
Ausentes no desfile em Brasília, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), comentaram a data nacional nas redes sociais.
"As comemorações deste 7 de setembro, que marca 200 anos da Independência do Brasil, precisam ser pacíficas, respeitosas e celebrar o amor à pátria, à democracia e o Estado de Direito", escreveu Pacheco.
"Há 200 anos, começava a nascer o Brasil de hoje, com um futuro de desafios, decisões difíceis mas necessárias e grandes conquistas a alcançar. O 7 de Setembro de 200 anos atrás continua ecoando nas ações e nos compromissos de todos! O Brasil independente é sempre o que olha para frente", disse Lira, que é aliado de Bolsonaro.
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Colaborou Giuliana Miranda, do Porto