Cota racial e de gênero no Legislativo pode ser medida necessária, sugere estudo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A julgar pelas eleições de 2020, as regras que determinam o repasse de dinheiro para campanhas de mulheres e de pessoas negras são insuficientes para reduzir a desigualdade racial e de gênero na política.
De acordo com o recém-publicado estudo "Desigualdade Racial e de Gênero nas Eleições Municipais no Brasil", a solução pode passar pela imposição de cotas no Legislativo, com reserva de vagas para mulheres e para quem se declara negro (classificação que inclui pretos e pardos).
Conduzido pelos economistas Sergio Firpo, Michael França, Alysson Portella e Rafael Tavares, pesquisadores do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, o trabalho compara o desempenho de homens, mulheres, brancos e negros na disputa de 2016 e na de 2020.
Eles percebem que, assim como ocorre nos pleitos para deputado federal e estadual, também entre os candidatos a vereador há uma vantagem evidente a favor dos homens brancos.
Enquanto 1 a cada 5 ou 6 homens brancos consegue se eleger vereador, essa taxa despenca para 1 a cada 23 mulheres negras, por exemplo. Dito de outra forma, a chance de um candidato que é homem branco virar vereador é o quádruplo da chance de uma mulher negra.
Na comparação com mulheres brancas, o homem branco tem o triplo de chance de terminar eleito.
Segundo o estudo, o gênero do candidato é a variável que mais pesa nessa disparidade, porque as taxas de sucesso dos homens negros são 14,7% em 2016 e 13% em 2020, bem próximas das dos homens brancos, que são, respectivamente 19,2% e 17%.
O fato de o desequilíbrio entre esses quatro segmentos ter se mantido semelhante nos dois anos eleitorais analisados chama a atenção dos pesquisadores porque, em 2020, entraram em vigor novidades importantes no financiamento das campanhas.
Uma delas foi o aumento substancial do dinheiro público à disposição dos partidos, o que fez despencar a relevância de verbas oriundas de fontes privadas -estas tendiam a se concentrar em mãos brancas e masculinas.
Outra mudança foi a obrigatoriedade de o dinheiro do fundo eleitoral ser repartido de forma proporcional entre homens e mulheres, negros e brancos. Ou seja, ao menos em tese, os homens brancos não poderiam mais receber os maiores aportes da cúpula partidária.
E, de fato, houve um quase equilíbrio na verba média entregue às campanhas desses quatro segmentos. Ainda assim, a taxa de sucesso dos homens continuou superior à das mulheres, e a dos homens brancos mais do que todas.
Os economistas escrevem no estudo: "Isso revela o grau de persistência desses desequilíbrios, o que poderá exigir medidas mais diretas para sua redução, como, por exemplo, a imposição de cotas para mulheres e negros nas Câmaras".
De acordo com França, que é um dos autores do trabalho, há uma série de questões que ainda precisam ser estudadas para fugir a uma espécie de ciclo vicioso.
"A desigualdade social, racial e de gênero interfere no sistema político e traz inúmeras vantagens para os homens brancos de alta renda. Eles sempre serão os mais competitivos", diz França. "E, dado que um dos objetivos dos partidos é eleger o maior número de candidatos, a tendência é privilegiar os candidatos brancos."
Daí porque ele defende a reserva de vagas no Legislativo. "É a forma mais rápida e eficiente de melhorar a representatividade", diz ele. "Sem isso, os caciques e partidos sempre tentarão encontrar um meio de burlar as regras [em prol de homens brancos]."
Em 2020, por exemplo, quase todos os partidos descumpriram a regra que determinava a distribuição proporcional de recursos para mulheres e negros. Neste ano, a prestação de contas parcial indica que estão seguindo o mesmo caminho.
Não satisfeitos com isso, os parlamentares ainda aprovaram uma anistia para as legendas que descumpriram as normas.
Existem, além do mais, maneiras indiretas de perpetuar o desequilíbrio. Uma delas é concentrar os recursos em poucos negros e poucas mulheres, o que aumenta a chance desses poucos, mas reduz a dos demais.
Outra é utilizar candidaturas laranjas, de modo que elas recebam o dinheiro, mas, na prática, acabem repassando para campanhas de homens brancos.
E há, ainda, o drible na autodeclaração racial, seja por erro cadastral, seja por má-fé. Tome-se o caso de 2018, quando, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), foram eleitos 124 deputados federais negros. Reportagem da Folha de S.Paulo, porém, mostra que esse número é menor.
O problema ocorre também nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais. Em alguns casos, como o de Santa Catarina, o único deputado estadual registrado como negro é, na verdade, branco.
Por isso, os recordes de candidaturas de pessoas negras e de mulheres registrados em 2022 não garantem melhora na representatividade. Esta é a primeira eleição nacional na qual há mais negros (49,6% do total de concorrentes) do que brancos (48,8%) concorrendo.
O número de candidatas, representando 33,4% dos postulantes, também é o maior registrado em um pleito federal.
Para o cientista político Carlos Machado, que não participou do estudo feito pelos economistas, é preciso ver como o eleitor reagirá às opções apresentadas pelos partidos.
"Nesse ano, é possível observar um engajamento social mais amplo na visibilidade de candidaturas negras. Isso pode impactar na eleição de um Parlamento mais negro", diz Machado, que é professor da UnB (Universidade de Brasília).
"Se um eleitor julga importante votar em uma candidatura negra, é importante avaliar duas coisas. Primeiro, o partido do candidato tem chance de eleger alguém? Segundo, o candidato escolhido tem chance de ficar bem posicionado na lista do partido ou da federação para obter uma cadeira?", afirma.
"Ainda assim, é importante que o eleitor entenda a importância de seu envolvimento na campanha", diz ele. "Objetivamente isso aumenta a taxa de sucesso: ação estratégica."
O mesmo raciocínio se aplica, é claro, às candidaturas de mulheres.