Histórico de apoios expõe vaivéns, proliferação de partidos e domínio de Lula
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ciro Gomes, em 2002, anunciou apoio "irrestrito" a Lula, após ficar em quarto lugar no primeiro turno, quando teve Paulinho da Força de vice, que ocupou a mesma função com Aécio Neves, em 2014, apoiado por Geraldo Alckmin, hoje vice de Lula, a quem Ciro jura que nunca mais estará ao lado no palanque.
Analisar alianças e apoios de hoje com olhar no retrovisor pode causar certa confusão diante do histórico da ciranda eleitoral dos políticos e siglas nas eleições.
A fragmentação partidária, segundo cientistas políticos, contribui para as movimentações --o Brasil é um dos países com o maior número de legendas do mundo.
Na eleição presidencial de 2022, o líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é quem concentra a maior parcela de apoios de ex-presidenciáveis. São oito políticos que disputaram o cargo e agora estão ao lado do petista, além da ex-presidente Dilma Rousseff.
A lista tem desde ex-adversários como Geraldo Alckmin (PSB), aliados de sempre como Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL) e políticos que já tinham estado com o petista como Henrique Meireles (União Brasil), Marina Silva (Rede), Luciana Genro (PSOL) e o ex-deputado João Goulart Filho.
A eleição atual tem na figura de Alckmin (PSB) o "vira-casaca" de maior expressão. Adversário histórico de Lula, o ex-tucano viu críticas ao petista feitas no passado se voltarem contra ele.
"Depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder. Ou seja, quer voltar à cena do crime", disse o agora vice de Lula em 2018, à época candidato à Presidência pelo PSDB.
A declaração foi usada pela campanha de Jair Bolsonaro (PL). No último dia 14, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) negou pedido de resposta para o PT contra inserções na televisão da chapa do atual presidente.
Em setembro Lula e Alckmin comemoraram o apoio de Henrique Meirelles. O ex-ministro não faz parte da Coligação Brasil da Esperança, liderada pela legenda petista, e deu de ombros à presidenciável Soraya Thronicke, da União Brasil, partido pelo qual ele é filiado.
Em São Paulo, Meirelles declarou apoio a Rodrigo Garcia (PSDB), principal adversário do Fernando Haddad (PT) e de Tarcísio de Freitas (Republicanos) na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.
O apoio ao PT na disputa pela presidência destoa do posicionamento de Meirelles há quatro anos. Candidato à Presidência em 2018, ele não apoiou Haddad nem Bolsonaro no segundo turno. "Prefiro a independência", disse na época.
De acordo com Rodrigo Gallo, cientista político e professor da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), mudanças de posicionamento e as migrações partidárias, comuns no Brasil, se dão por um pragmatismo político que se sobrepõe à ideologia.
No sistema eleitoral brasileiro, ainda disputado por muitos partidos, candidatos buscam coligações que garantam maior tempo de televisão e recurso do fundo partidário para conseguirem fazer campanhas com mais visibilidade.
"Mesmo em uma época de rede social e em que as campanhas são feitas pensando em aplicativos de mensagem, é inegável que a propaganda na televisão ainda tem muito peso. Por isso, muitos candidatos, atentos às fusões partidárias, mudam de legenda a cada eleição porque buscam melhores oportunidades", diz Gallo.
Meirelles, que foi ministro da Fazenda no governo Michel Temer e ex-presidente do Banco Central na gestão Lula, começou sua vida partidária em 2002 no PSDB. De lá para cá já passou por PMDB, PSD, MDB, PSD e, atualmente, está na União Brasil.
Um dos fundadores do PSDB, Alckmin deixou a legenda no ano passado após 33 anos para se juntar ao PSB e integrar a chapa de Lula.
Caminho semelhante ao tomado por Paulinho da Força (Solidariedade). Hoje apoiador de Lula, ele votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e foi vice do tucano Aécio Neves em 2014, que é do mesmo partido de Mara Gabrilli, vice da candidata à Presidência Simone Tebet (MDB) na eleição atual.
Tebet, por sua vez, recebeu apoio de Eduardo Jorge (PV), que, em 2018, foi vice de Marina Silva (Rede Sustentabilidade), que ficou em oitavo lugar na disputa e declarou "apoio crítico" a Haddad no segundo turno há quatro anos.
A fragmentação partidária no Brasil contribui com a movimentação dos candidatos. Segundo a União Interparlamentar (Inter-Parliamentary Union, em inglês), organização internacional de parlamentos da qual o Congresso brasileiro faz parte, 30 deputados de siglas diferentes foram eleitos em 2018. Em números absolutos, representa o Congresso com o maior número de legendas da América do Sul.
A multiplicação de siglas no Brasil se deu após o fim do bipartidarismo entre Arena e MDB imposto pela ditadura militar (1964-1985). Na eleição de 1982, cinco legendas chegaram à Câmara. Na eleição seguinte, em 1986, foram 12. Neste ano, 32 estão registradas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
"Muitas vezes a movimentação de candidatos confunde o eleitor que não acompanha o debate político e fica sem entender a mudança, ou a percebe tardiamente, próximo ao momento do voto, o que pode gerar alguma confusão", diz Gallo.
A instituição das federações partidárias nas eleições deste ano é vista por analistas como modelo positivo porque tende a diminuir a fragmentação partidária no Brasil ---a medida tem como objetivo incentivar a fusão entre siglas.
O mecanismo permite que os partidos se aliem na disputa eleitoral, de forma similar como ocorria com as coligações partidárias, somando tempo de TV e se unindo na hora do cálculo do quociente eleitoral.
Caso decidam pela parceria, os partidos ficarão juntos pelos próximos quatro anos, não apenas durante as eleições.