Convidados estrangeiros do TSE dizem que militares não servem para 'validar' eleições

Por MATEUS VARGAS

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Convidadas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para acompanhar o segundo turno neste domingo (30), autoridades latino-americanas dizem que o sistema de votação brasileiro é seguro e sólido, mas consideram erro e mau exemplo que as Forças Armadas atuem como "validador" do resultado do pleito.

Dizem ainda que a votação no Brasil é peça-chave para fortalecer a democracia em países vizinhos, e cobram apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL) às urnas.

A reportagem conversou com parte da delegação do Idea (International Institute for Democracy and Electoral Assistance).

Entre os integrantes do grupo está o ex-presidente boliviano Carlos Mesa. Ele levantou a tese de fraude nas eleições que disputou contra Evo Morales em 2019. No ano seguinte, após meses de crise política e violência nas ruas, Mesa reconheceu a derrota para o adversário Luis Arce em novo pleito.

"Com todo o respeito para as Forças Armadas do Brasil, não parece ter consistência que um país democrático requeira uma opinião dos militares sobre a validade, o equilíbrio ou a credibilidade do processo eleitoral", disse Mesa.

Para o argentino Daniel Zovatto, diretor do Idea para a América Latina e Caribe, o TSE fez um convite de "boa-fé" para os militares acompanharem a fiscalização das eleições, o que não permite agir como um "validador" do processo.

"Não pode ser considerada uma porta de entrada para dizer que deram competência às Forças Armadas para opinar sobre aspectos que a legislação não permite", disse ele.

"Sob nenhum ponto de vista consideramos conveniente colocá-las no papel de validador das eleições", declarou ainda Zovatto.

O TSE inseriu os militares no rol de fiscais do pleito e na CTE (Comissão de Transparência das Eleições), movimento hoje considerado um erro por parte dos integrantes da corte. Isso porque as Forças Armadas romperam com um silêncio de 25 anos sobre as urnas e passaram a fazer questionamentos que alimentam o discurso golpista de Bolsonaro.

"Para um país que viveu ditaduras militares, todo o processo deve levar a uma consolidação da institucionalidade civil, com funções específicas aos militares. Queremos ver o Brasil como referência nessa direção", declarou Sergio Bitar, ex-senador do Chile e membro da delegação do Idea.

Bitar ocupou ministérios no governo de Salvador Allende, deposto pelo golpe militar de 1973, e de Michelle Bachelet.

Os observadores ainda listaram como desafios para o Brasil e a países da região recuperar a confiança no sistema eleitoral e montar coalizões políticas em cenários de polarização.

Eles também demonstraram preocupação com as alegações de Bolsonaro e de seus apoiadores, sem provas, de que o sistema eleitoral não é seguro.

"Não há um antecedente [na eleição com o voto eletrônico] que permita dizer 'essa é a razão pela qual eu duvido'", disse Mesa.

"Esse é um conceito muito complicado, pois se estabelece um vínculo perigoso entre a denúncia e os seguidores, que se convertem em um eco da posição do candidato. Não é uma posição racionada, é uma afirmação categórica que se torna uma questão de fé", afirmou ainda o ex-presidente da Bolívia.

Para o ex-presidente boliviano, esse tipo de questionamento se converte em "força motora muito forte, que pode mobilizar, irracionalmente, setores da sociedade".

Daniel Zovatto diz que o processo brasileiro é o mais importante de um "superciclo" de eleições da região e ressalta o impacto das fake news no pleito.

"O Brasil tem um sistema eleitoral que apresenta todos os níveis de transparência e credibilidade. O que nos preocupa? Algo que não é exclusivo do Brasil, mas talvez seja onde houve e está havendo maior impacto: o mau uso das redes sociais através de campanhas de desinformação."

O diretor do Idea afirmou que as respostas do TSE às fake news são relevantes e ocorrem em escala inédita. "É um tema bastante importante, pois faz fronteira com o debate sobre liberdade de expressão".

Ex-presidente do Tribunal Supremo Eleitoral da Bolívia e membro da delegação do Idea, Salvador Romero declarou que mesmo países com instituições fortes, como ele considera o Brasil, devem trabalhar para recuperar a confiança da população no sistema eleitoral.

"Há um grupo, nos EUA, significativo de pessoas que está convencido de que a eleição de 2020 foi fraudada. Isso gera cenários complicados para as próximas eleições. As acusações deixam feridas, por isso essas denúncias infundadas são tão graves", disse ele.

Já o ex-senador chileno afirmou que um sistema eleitoral forte exige apoio do chefe do Executivo. "Um presidente que promove alegações de fraude não está fazendo a sua função", declarou Bitar.

"Queremos ver no Brasil que todos reconheçam o resultado das eleições, isso para os países da América Latina é muito importante. Se a eleição ocorrer bem no Brasil, fortalece as democracias da região", afirmou ainda.

Além dos convidados para acompanhar as eleições, há observadores eleitorais e missões de observação nacionais e internacionais no Brasil, com equipes maiores e que têm acordos para apresentar relatórios sobre o pleito.

A crise política na Bolívia de 2019 ganhou impulso com a acusação de fraude no pleito feita pela OEA (Organização dos Estados Americanos), um dos órgãos que está em missão de observadores no Brasil. Essa auditoria já foi contestada por outros órgãos.

Mesa afirma que são distintos os cenários das eleições boliviana e brasileira, e que as missões também têm papéis diferentes para cada realidade.

"As missões têm grande importância quando se gera uma dúvida maior, há antecedentes de irregularidades ou quando se coloca evidência, por determinadas razões, que o processo eleitoral corre riscos. Não apenas do ponto de vista técnico, como do político", disse ele.

"Eu diria que não é o caso do Brasil. Mas a natureza da missão segue fundamental. O Brasil é um dos países fundamentais da América Latina, creio que um relatório será útil ao Brasil e para os outros países", completou Mesa.

Para Zovatto, as experiências eleitorais recentes mostram que as alegações de fraude só devem ser feitas em casos extremos.

"Injetar na sociedade denúncias antecipadas e infundadas é perigoso, não apenas ao processo em curso, como ao futuro. Começa a corroer o capital mais importante do processo eleitoral, que é a confiança no sistema", disse ele.