Bolsonaro mantém silêncio sob pressão de aliados para reconhecer derrota para Lula

Por MARIANNA HOLANDA

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro (PL) manteve silêncio nesta segunda-feira (31) sobre o resultado das eleições, enquanto aliados redigiram um discurso para que o mandatário reconheça a derrota para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou Lula eleito, com 50,9% de votos, contra 49,1% de Bolsonaro. Ele é o primeiro presidente a não conquistar a reeleição.

Interlocutores do chefe do Executivo sugeriram um texto ao mandatário para o reconhecimento da vitória do adversário. Segundo relatos, o documento não deve trazer contestação ao resultado, mas deve citar "injustiças" que o mandatário alega ter sofrido em seu governo e na campanha.

A expectativa inicial do entorno de Bolsonaro era a de que ele falasse ainda na segunda (31). Ao final do dia, a possibilidade foi descartada e aliados afirmam que o discurso deve ocorrer nesta terça (1º).

Para auxiliares, quanto mais tempo o reconhecimento da derrota demorar, mais negativo será para Bolsonaro.

O chefe do Executivo despachou do Palácio do Planalto pela manhã de segunda, mas partiu para o Palácio da Alvorada pouco antes das 16h justamente para preparar sua declaração.

O documento sugerido ao presidente tem o objetivo de manifestar respeito ao regime democrático, mas foi elaborado com cuidado para não deixar os militantes bolsonaristas órfãos. Há o receio de que uma postura totalmente legalista resulte em perda dos apoiadores mais radicais, que estiveram ao lado do presidente e ajudaram a propagar os questionamentos contra o sistema eleitoral.

Aliados lembram que, apesar de derrotado, Bolsonaro teve 58 milhões de votos e elegeu diversos aliados, inclusive o governador de São Paulo, maior estado do país. A ideia é que o chefe do Executivo mantenha acesa essa militância.

A avaliação de correligionários do presidente é que não há espaço para contestação do resultado eleitoral e que uma eventual aventura golpista não terá adesão de grande parte de sua base, principalmente no Congresso.

O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que fez campanha para o chefe do Executivo e foi crucial em diversas pautas de Bolsonaro no ano da eleição, foi um dos primeiros a reconhecer a vitória de Lula.

Além disso, o reconhecimento da eleição do petista por parte dos principais líderes mundiais reforçou o isolamento de Bolsonaro.

Diante desse cenário, Bolsonaro não tem cogitado em conversas com pessoas próximas a possibilidade de não admitir que perdeu o pleito. Apesar disso, ele não deve dar parabéns ao seu sucessor.

A primeira pessoa do clã Bolsonaro a se manifestar foi a primeira-dama, Michelle, que compartilhou uma mensagem bíblica nas redes sociais.

"Salmos 117: Louvai ao senhor todas as nações, louvai-o todos os povos. Porque a sua benignidade é grande para conosco, e a verdade do Senhor dura para sempre. Louvai ao Senhor", escreveu ela no Instagram.

Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do presidente e seu coordenador de campanha, publicou nas redes sociais uma mensagem agradecendo os eleitores do pai.

"Obrigado a cada um que nos ajudou a resgatar o patriotismo, que orou, rezou, foi para as ruas, deu seu suor pelo país que está dando certo e deu a Bolsonaro a maior votação de sua vida! Vamos erguer a cabeça e não vamos desistir do nosso Brasil! Deus no comando!", afirmou, sem citar Lula.

Cerca de uma hora depois, publicou uma mensagem mais enigmática. "Pai, estou contigo pro que der e vier!"

O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), eleito senador pelo Rio Grande do Sul, se descolou do comportamento de Bolsonaro e mandou mensagem parabenizando o vice de Lula, Geraldo Alckmin (PSB).

O ex-governador ligou para Mourão e a conversa entre os dois foi cordial, segundo interlocutores.

No fim da tarde de segunda, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), telefonou para o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP).

Na conversa, descrita como respeitosa, ele se colocou à disposição para ajudar na transição e afirmou estar esperando orientação de Bolsonaro para indicar a equipe. Cabe ao presidente eleito indicar o coordenador, para que a Casa Civil o nomeie.

Se nas horas seguintes à derrota Bolsonaro optou pelo isolamento, evitando até ligações e visitas de ministros, na segunda-feira ele recebeu aliados que foram prestar solidariedade.

Bolsonaro esteve com integrantes da campanha, como Valdemar Costa Neto, presidente do PL; ministros, como Anderson Torres (Justiça), Ciro Nogueira, e Célio Faria (Secretaria de Governo); e o presidente da Câmara, com quem esteve por cerca de meia hora.

O silêncio do chefe do Executivo tem como consequência o de seus ministros do governo, entre eles Paulo Guedes (Economia)

Sem agenda pública, Guedes chegou ao Ministério da Economia pouco antes das 16h. O ministro Adolfo Sachsida (Minas e Energia) também desembarcou na sede da pasta na sequência. Ambos não quiseram falar com a imprensa. Técnicos avaliam que o ministro da Economia deve se pronunciar apenas após a palavra do presidente.

A postura reservada de Guedes no dia seguinte ao pleito contrasta com o seu comportamento "falastrão" na reta final da campanha, quando atuou como cabo eleitoral de Bolsonaro em diversos eventos com empresários.

Apesar de o primeiro escalão do governo sustentar o silêncio do mandatário e não mencionar nada sobre vitória do adversário, aliados dizem que haverá uma transição civilizada. Auxiliares palacianos já estão organizando como ela será feita.

Jair Bolsonaro repetiu várias vezes ao longo de seu mandato que apenas reconheceria o resultado de eleições se elas fossem "limpas". O mandatário levantou frequentemente dúvidas sobre as urnas eletrônicas e, sem provas, apontou que o sistema era vulnerável e que houve fraudes nas eleições de 2018.

Um de seus principais aliados internacionalmente, o ex-presidente americano Donald Trump, também levou dias para reconhecer o resultado após ser derrotado por Joe Biden.

Steve Bannon, estrategista de Trump e que mantém relação próxima com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente, afirmou à Folha que a eleição do Brasil foi "roubada" e que o mandatário não deveria aceitar a derrota.

"Não há possibilidade de o resultado das urnas eletrônicas estar correto. É preciso uma auditoria urna a urna, nem que demore seis meses. Nesse meio tempo, o presidente não deve aceitar sair", disse ao Painel.