Tarcísio inicia transição em SP com desafio de alocar bolsonaristas, tucanos e técnicos

Por ARTUR RODRIGUES E CAROLINA LINHARES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), deu início nesta quarta-feira (16), após um período de férias, a reuniões internas com sua equipe e o coordenador que indicou para tratar da transição do Governo de São Paulo, Guilherme Afif Domingos (PSD).

O processo de transição, raro no estado de São Paulo devido à sequência de gestões do PSDB, só deve tomar corpo após uma primeira reunião entre Tarcísio e o atual governador Rodrigo Garcia (PSDB) --que está em Nova York para reuniões com investidores e evento do Lide, mas retorna nesta quinta-feira (17).

A expectativa é de que a transição seja amigável, já que Rodrigo apoiou Tarcísio no segundo turno da eleição contra Fernando Haddad (PT), mas sob pressão para alocar aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) e tucanos ligados à atual gestão, além de técnicos que trabalharam na campanha do ex-ministro.

O governador eleito retornou após viajar com a família para Miami (EUA) e tratar de questões pessoais em Brasília, onde vivia até mudar seu domicílio para São José dos Campos (SP) por causa da eleição.

Tarcísio e Rodrigo devem se reunir na tarde desta quinta no Palácio dos Bandeirantes. Devem estar presentes também os coordenadores da transição: Afif, pelo lado de Tarcísio, e do secretário Marcos Penido, representando o atual governo.

Nas primeiras reuniões, o time de Tarcísio, composto basicamente pelos aliados que o ajudaram no plano de governo, deve buscar com o governo Rodrigo informações sobre o funcionamento de órgãos estaduais e Orçamento para viabilizar mudanças a partir de 1º de janeiro de 2023.

No âmbito da discussão sobre as contas públicas, a equipe deve tratar de um projeto que tramita na Assembleia Legislativa, com o apoio da base de Rodrigo e de Tarcísio, para aumentar o salário do governador, o que tem efeito cascata em outras carreiras do funcionalismo, com impacto estimado pelo estado em R$ 1,5 bilhão.

Um decreto estadual de 2006, publicado pelo então governador Cláudio Lembo (PFL), estabelece diretrizes para o processo de transição, mas não limita a quantidade de pessoas da equipe.

Além de Afif e do vice-governador eleito Felicio Ramuth (PSD), Tarcísio tem em seu entorno o ex-deputado federal Eleuses Paiva (PSD); Marcelo Branco, ex-secretário municipal de Transportes; o economista Samuel Kinoshita, ex-assessor de Paulo Guedes no Ministério da Economia; e Jorge Luiz de Lima, que também era assessor de Guedes. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, é outro que assessora Tarcísio.

O governador eleito prometeu um secretariado técnico, e a expectativa é a de que nomes desse núcleo duro comandem algumas pastas.

O entorno de Tarcísio afirma que, embora Bolsonaro não tenha por enquanto cobrado que seu afilhado político abrigue aliados ideológicos na estrutura do governo, nomes ligados ao bolsonarismo, como o deputado federal Capitão Derrite (PL-SP), são cotados. Ricardo Salles (PL) e Mário Frias (PL), por outro lado, têm chances baixas, segundo aliados do governador eleito.

Rodrigo, por sua vez, está familiarizado com a transição, uma vez que foi o coordenador do processo em 2018, na condição de vice-governador eleito de João Doria (PSDB à época), após a vitória no segundo turno sobre o então governador Márcio França (PSB).

Em 21 de novembro de 2018, França nomeou 12 pessoas indicadas por Doria para formar a equipe de transição, incluindo Rodrigo.

O decreto 51.145 de 2006 estabelece que o governador eleito deve indicar um coordenador da equipe de transição, o que Tarcísio já fez ao incumbir Afif da tarefa. Cabe a Rodrigo, agora, publicar no Diário Oficial a lista dos demais membros da equipe indicada por Afif.

A norma diz que a equipe deve ser integrada por "profissionais e auxiliares" indicados pelo coordenador e também por servidores designados pela Casa Civil.

O decreto ordena que as secretarias e órgãos forneçam informações precisas e em tempo hábil. A Casa Civil fica encarregada de fornecer infraestrutura e local de trabalho para a equipe --o decreto sugere o gabinete do governador no edifício Cidade 1, na rua Boa Vista, no centro da capital.

O presidente do TCE (Tribunal de Contas do Estado), Dimas Ramalho, determinou a criação de uma comissão para acompanhar os trabalhos da equipe de transição. O grupo, chefiado por Ramalho, terá seis profissionais da corte de contas paulista.

Diferentemente de transições anteriores, o processo neste ano deve ser mais complexo, uma vez que pela primeira vez o grupo político do PSDB deixará totalmente o comando da máquina paulista. O partido, que venceu eleições seguidas no estado desde 1994, sofreu uma derrota histórica com Rodrigo.

Atualmente, há mais de 19 mil cargos de confiança ativos. Os principais partidos de sustentação de Tarcísio (Republicanos, PSD e PL) brigam por espaço, além dos nomes ligados a Bolsonaro.

Por outro lado, partidos que já fazem parte da máquina e integraram a coligação de Rodrigo, como PSDB, União Brasil, MDB, PP e Podemos, apoiaram Tarcísio no segundo turno e querem manter seus feudos.

A gestão Rodrigo tem 28 pastas (incluindo secretarias extraordinárias e a Procuradoria-Geral do Estado). Tarcísio pretende manter o número de secretarias próximo a isso, mas terá que mexer no desenho institucional, já que se comprometeu a criar uma pasta para Mulheres, por exemplo, para a qual a deputada federal Rosana Valle (PL-SP) é cotada.

O desafio de Tarcísio será compor um secretariado próximo dele, com nomes técnicos e de confiança, além de abrigar aliados. Algumas siglas podem ser contempladas a partir de acertos que não envolvam só cargos --como um apoio ao PL no comando da Assembleia Legislativa e ao prefeito da capital, Ricardo Nunes, do MDB, em sua reeleição.

Influente no governo estadual, o presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União Brasil), aliado de primeira hora de Rodrigo, quer manter a pasta de Logística e Transportes sob seu domínio, mas deve ser desalojado por Tarcísio.

A orientação é dar uma nova cara ao governo, indicando uma ruptura com a gestão PSDB, mas tentando minimizar conflitos e sem desprezar os aliados de Rodrigo --que sairão do cerne da estrutura governamental para serem alocados a uma distância segura.

Além de Rodrigo e Tarcísio, São Paulo teve poucas experiências de transição para grupos políticos distintos. Houve França e Doria, que, apesar de rivais, eram ambos ligados à estrutura do PSDB, já que França assumiu por ser vice de Geraldo Alckmin, na época tucano. E houve Luiz Antônio Fleury (MDB) e Mário Covas (PSDB) em 1994.

Desde que as eleições diretas para o governo do estado foram retomadas, em 1982, três emedebistas se elegeram, em governos de continuidade: Franco Montoro, Orestes Quércia e Fleury. Depois uma sequência de tucanos: Covas, Alckmin e José Serra.

Em 2006, Lembo, que era vice de Alckmin, editou o decreto da transição quando passou o poder para Serra, mantendo o Bandeirantes com o mesmo grupo, o que também ocorreu em 2010, quando o tucano Alberto Goldman fez a transição para Alckmin. Nas duas ocasiões, um almoço entre os governadores e os eleitos deu início à transição e houve coordenadores nomeados em ambos os lados.

TRANSIÇÃO RODRIGO - TARCÍSIO

COORDENADORES

Tarcísio - Guilherme Afif Domingos (PSD), ex-vice governador

Rodrigo - Marcos Penido, secretário de governo

DECRETO 51.145 DE 2006

Estabelece as diretrizes da transição em SP

Equipe deve ser formada por membros que representem o atual governador e o eleito, sem limite de vagas

Governador eleito indica o coordenador do time (que será Afif)

Equipe terá profissionais e auxiliares, além de servidores

Equipe deve buscar informações sobre órgãos, programas e contas públicas

Governo deve prestar informações precisas e em tempo hábil

Reuniões devem ser registradas em atas e podem ter a participação de especialistas nos temas em discussão

Casa Civil deve fornecer estrutura e local de trabalho para a equipe de transição

TRANSIÇÕES ANTERIORES ENTRE PARTIDOS DIFERENTES

Márcio França (PSB) e João Doria (PSDB) - 2018

Cláudio Lembo (PFL) e José Serra (PSDB) - 2006

Luiz Antônio Fleury (MDB) e Mário Covas (PSDB) - 1994