Lula completa um mês de governo mais à esquerda do que no primeiro mandato

Por MATHEUS TEIXEIRA

Os ministros da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, da Casa Civil, Rui Costa, da Educação, Camilo Santana, da Secretaria-Geral, Márcio Macêdo, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião com reitores das universidades federais e institutos federais de ensino, no Palácio do Planalto.

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completa um mês de seu terceiro mandato com um perfil mais à esquerda e voltado para a sua base do que o adotado quando assumiu o Executivo pela primeira vez, em 2003.

O mandatário tem feito sinalizações a esse campo político na economia e nos costumes em um ritmo mais intenso do que em sua estreia no Palácio do Planalto.

Uso de linguagem neutra, nomeações de economistas com convicção intervencionista, intensificação de pautas voltadas às minorias e enfrentamento com militares marcaram o primeiro mês do novo governo.

Em 2003, por sua vez, o presidente iniciou o mandato com mais gestos em direção ao mercado financeiro, evitou o embate com as Forças Armadas e deu menos protagonismo a temas ligados à esquerda, como a questão indígena.

Na ocasião, para o Ministério da Fazenda, escolheu uma equipe com perfil mais liberal em relação a 2023. Para a pasta, indicou um petista de confiança, assim como neste ano. Mas Antonio Palocci escolheu para o segundo escalão economistas que agradavam mais ao mercado financeiro do que os atuais secretários do órgão.

Além disso, nomeou para o Banco Central Henrique Meirelles, um banqueiro à época eleito deputado pelo PSDB.

A equipe atual de Lula tem um forte componente desenvolvimentista, com a escolha de Fernando Haddad para a Fazenda e a presença no time de economistas mais à esquerda, como Guilherme Mello. Por outro lado, agradam ao mercado a atuação de Simone Tebet no Planejamento e há economistas mais ortodoxos, como Bernard Appy, encarregado de negociar a reforma tributária.

Em outra sinalização para o mercado em 2003, o governo Lula 1 efetuou logo em seu início um corte orçamentário de R$ 14 bilhões --R$ 44 bilhões em valores atualizados --e elevou a meta de superávit primário para 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto).

Um exemplo de contraste de discurso entre as gestões Lula 1 e 3 veio à tona com a participação na cerimônia de reabertura dos trabalhos legislativos. Na última semana, por exemplo, na mensagem encaminhada ao Congresso Nacional, Lula afirmou que o teto dos gastos "teve efeitos destrutivos sobre as políticas sociais". No mesmo evento em 2003, o petista usou a sua fala para justificar os cortes orçamentários e afirmou de modo taxativo que as medidas durariam "o tempo necessário".

Atualmente, o petista tem feito críticas ao mercado ao cobrar "responsabilidade social" desse segmento, acenando para sua base política.

No último dia 18, por exemplo, em evento com representantes das centrais sindicais no Palácio do Planalto, Lula afirmou que briga com os economistas do partido dizendo ser preciso "mudar a lógica" do Imposto de Renda para garantir isenção a quem ganha até R$ 5.000, além de fazer os mais ricos pagarem mais.

Parlamentares avaliam que é preciso aguardar as primeiras medidas da área econômica para saber se a retórica mais à esquerda será colocada em prática.

Na área dos costumes, Lula deu maior protagonismo neste ano a temas como a diversidade, algo que não foi tão central no início de seu primeiro mandato. O petista levou ao primeiro escalão, por exemplo, um ministério para tratar dos povos indígenas, o que não ocorreu há 20 anos.

Além disso, o presidente costuma mencionar a participação de mulheres e negros no seu governo. Lula 3 tem recorde no número de ministras, mas a maioria do primeiro escalão ainda é formada por homens brancos.

O petista foi eleito com o discurso de fazer um governo que contemplasse a diversidade de cor e raça do país. Dos 37 ministérios anunciados, 11 são comandados por mulheres (29%).

Antes da nova Esplanada de Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) era a que mais havia colocado mulheres no seu primeiro escalão. Simultâneas, foram 10 em 37 pastas (27%).

O número de Lula 3 representa um aumento expressivo em comparação com o seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL).

No primeiro escalão da gestão passada, só havia uma ministra, Cristiane Britto, à frente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Bolsonaro não deu prioridade em sua administração para compor uma equipe diversa. Ele é adepto do discurso de que esse tipo de preocupação com representatividade "é mimimi".

A pauta identitária, que visa ampliar a participação de diferentes setores da sociedade, é uma agenda mais presente na esquerda.

Quando tornou pública a sua primeira leva de ministros, durante a transição, Lula se antecipou às críticas e tentou justificar o fato de que os cinco titulares anunciados naquela ocasião eram homens.

"Vai ter outros ministérios. E vocês vão ver que a gente vai colocar muita gente para participar. Vai ter mulher, homem, negros, índios, vamos tentar montar um governo que seja a cara da sociedade brasileira, em sua total plenitude. Não se preocupe com isso", disse no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), sede do governo de transição.

Além disso, em eventos oficiais, integrantes do governo têm usado com frequência a linguagem neutra, que é defendida por parte da esquerda como ferramenta para combater a discriminação contra minorias --o que não se via na primeira vitória do PT ao governo federal. A discussão também ainda não estava tão difundida na sociedade.

Líderes governistas, no entanto, já descartam avançar com o que chamam de "pauta de costumes da esquerda" no Congresso. A expressão "pauta de costumes" era usada para se referir à agenda conservadora de Bolsonaro.

Por ora, deverão ser deixados de lado assuntos que possam provocar ruído e prejudicar a agenda econômica, a exemplo da ampliação das regras do aborto legal.

O retorno de Marina Silva (Rede) como ministra do Meio Ambiente é outra forte sinalização do mandatário à esquerda. Ela deixou a pasta em 2008 sob o argumento de que estava perdendo a queda de braço dentro do governo Lula da época para os então governadores de Mato Grosso, Blairo Maggi, e de Rondônia, Ivo Cassol, em relação a medidas de combate ao desmatamento.

A avaliação de integrantes do partido é que a conjuntura atual reforçou a necessidade de o chefe do Executivo estabelecer um viés progressista ao governo.

Por outro lado, interlocutores de Lula também destacam que o mote de "frente ampla" adotado pelo petista durante a campanha presidencial deve ser ser mantido. O petista conseguiu apoio de dez legendas ainda no primeiro turno.

Na montagem de seu ministério, em busca da governabilidade, ele abriu espaço para políticos de siglas como MDB, PSD e União Brasil.

Enquanto em seu primeiro mandato o principal adversário era o PSDB, partido de centro-direita, desta vez o rival de Lula é o ex-presidente Bolsonaro, da extrema direita.

Além disso, as invasões e depredações às sedes dos três Poderes colocaram o petista em choque com os militares, o que não ocorreu no primeiro mandato de Lula.

Nos bastidores, petistas creditam parte dos acenos de Lula à esquerda à influência de Rosângela da Silva, mais conhecida como Janja. A primeira-dama é atuante no dia a dia do governo e costuma ajudar o mandatário na tomada de decisões.

Militante petista desde 1983, ela faz a ponte de Lula com a classe artística e costuma reverberar, nos bastidores, as pautas progressistas.

Interlocutores do Planalto também dizem que o presidente deu ainda mais centralidade à atuação dos movimentos sociais dentro do governo. O presidente criou em todos os ministérios uma assessoria específica voltada à participação popular e assinou, na última semana, o decreto que cria o Conselho de Participação Social.

Além disso, um dos primeiros eventos dos quais participou no Planalto após eleito foi um encontro com sindicatos, sua base eleitoral desde que entrou na política nos anos 1970.