Apurações sobre desvios na Codevasf seguem, enquanto Lula cogita manter dirigente
SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - As suspeitas de corrupção, formação de cartel, superfaturamento, compra de voto e de outras ilegalidades envolvendo a estatal federal Codevasf no governo de Jair Bolsonaro (PL) levaram à abertura de várias frentes de investigação que prosseguem agora sob a nova gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Além das apurações de eventuais crimes, também continuará em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal) a constitucionalidade de alterações legais e formais que levaram à farta distribuição de veículos, máquinas e equipamentos pela Codevasf em pleno ano eleitoral.
Ainda não há data para o julgamento, mas o procurador-geral da República Augusto Aras já se manifestou pela inconstitucionalidade da manobra.
A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) foi entregue por Bolsonaro ao controle do centrão em troca de apoio.
A empresa mudou sua vocação histórica de fazer projetos de irrigação no semiárido para se tornar uma grande executora de obras de pavimentação e distribuidora de veículos, máquinas e produtos a redutos de padrinhos de emendas parlamentares.
Agora, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia manter o engenheiro Marcelo Moreira no comando da estatal. Ele foi indicado pelo deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) para presidir a empresa em 2019, no início do governo Bolsonaro.
A maior parte das investigações em curso sobre a Codevasf tiveram origem ou foram influenciadas por revelações da Folha. Desde abril, uma série de reportagens vêm mostrando dribles licitatórios e indícios de corrupção em meio a esquemas com empresa de fachada e direcionamentos.
Uma das publicações levou o TCU (Tribunal de Contas da União) a abrir uma investigação que apurou indícios de formação de um cartel para fraudar licitações que chegam a R$ 1 bilhão.
Em outubro, o TCU comunicou a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a CGU (Controladoria-Geral da União) sobre as evidências, "a fim de contribuir com apurações já em curso e/ou subsidiar novas linhas de investigação".
Procurada pela Folha, a PGR (Procuradoria Geral da República), cúpula do Ministério Público Federal, afirmou que o ofício do tribunal de contas foi anexado a procedimentos já abertos que apuram o caso, que são sigilosos.
Já a CGU relatou que "está acompanhando os desdobramentos do processo" e que as informações enviadas pelo TCU estão "sendo utilizadas nas auditorias de obras em curso na Codevasf".
Neste ano, a Controladoria já divulgou relatórios que mostraram problemas na companhia. Em um deles, constatou-se que doações feitas pela estatal a entidades vão parar em imóveis particulares, são usados mediante cobranças de taxas e destinados até a entidades chefiadas por políticos.
Além disso, as auditorias revelaram um combo de irregularidades em três estados, incluindo asfalto que esfarela como farofa e forma crateras e indícios de superfaturamento.
Apurações da Folha sobre a Codevasf também foram utilizadas pela Polícia Federal nas investigações que culminaram na Operação Odoacro, que levou à prisão do empresário Eduardo José Barros Costa sob a acusação de comandar um esquema de fraudes na estatal e ao afastamento de um gerente da empresa pública sob a suspeita de aceitar propina no valor de R$ 250 mil.
Em outubro, a Folha ainda mostrou que a Construservice, uma das empresas suspeitas de corrupção na estatal, fez pagamentos ao chefe de gabinete do deputado federal Josimar Maranhãozinho (PL-MA), investigado no STF sob a suspeita de desvio de emendas parlamentares.
Segundo a PF, as investigações indicam que as licitações da Codevasf são apenas meios de formalizar o direcionamento de verba às empresas.
Já no STF está em trâmite uma ação proposta pelo partido Rede Sustentabilidade contra uma operação casada da gestão Bolsonaro para executar manobras na lei e em doações oficiais para distribuir veículos, máquinas e equipamentos em pleno período eleitoral, driblando a legislação que impedia a prática do toma lá dá cá com fins políticos.
O malabarismo buscou tirar, pelo menos no papel, a gratuidade das distribuições, a fim de supostamente ficarem conforme a lei.
Para esse fim, a documentação das doações passou a estabelecer que associações ou entidades beneficiadas devem pagar ou fazer algo em troca, como entregar polpas de frutas a instituições ou 5 kg de carne a uma escola. Há casos em que é exigido o pagamento de 1% do valor do veículo, máquina ou equipamento.
No campo legal, a manobra do governo anterior começou com um projeto de lei de iniciativa do Planalto, na Câmara dos Deputados, que tinha como tema o Orçamento de 2022.
Em sua tramitação, a proposta legislativa acabou ganhando um artigo que não tinha relação com seu assunto original, artifício que é chamado de jabuti no meio político.
Aprovado, o texto emplacou a orientação de que a doação oficial de bens em ano eleitoral é permitida desde que acompanhada de encargos impostos aos beneficiados.
Após a sanção de Bolsonaro, a Rede Sustentabilidade apresentou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ao STF para pedir que o artigo seja considerado inconstitucional.
"Trata-se, a rigor, de um benefício indevido dado a quem está de plantão no poder, que poderá se utilizar da máquina pública para fazer doações com caráter puramente eleitoreiro", segundo a petição.
O processo foi distribuído por sorteio para o ministro Kassio Nunes Marques, que foi indicado à corte suprema pelo presidente Bolsonaro em 2020. O procurador-geral da República Augusto Aras opinou em novembro pela procedência da ação de inconstitucionalidade.
"A doação de bens, valores ou benefícios, seja ela com ou sem encargo, é negócio jurídico gratuito e amolda-se à regra proibitiva", escreveu Aras.
Há ainda apurações eleitorais que deverão seguir na atual gestão. O alvo é o senador eleito Rogério Marinho, por suspeita de abuso de poder político e econômico. Há relatos de que prefeitos passaram a apoiá-lo após repasses da Codevasf e do Ministério do Desenvolvimento Regional, que ele comandava.
Também há áudios de políticos que revelam pressão sobre funcionários públicos para favorecer o ex-ministro e Bolsonaro.
O autor dos pedidos de investigação foi Carlos Eduardo (PDT), o segundo colocado na disputa ao Senado contra Marinho pelo Rio Grande do Norte. Segundo o levantamento dele, 110 prefeitos que apoiaram o ex-ministro receberam repasses do governo federal que totalizaram R$ 482 milhões. Marinho nega.
Codevasf diz que apura quando há indícios de ilegalidades Procurada pela Folha, a Codevasf afirmou que " indícios de conduta interna ilegal ou antiética são apurados, em quaisquer casos. A empresa mantém sólida e ativa estrutura de governança, composta por Conselhos e Comitês e por unidades de Auditoria, Corregedoria, Gestão de Riscos e Ouvidoria, além de auditoria independente".
A estatal relatou que "é interessada na elucidação das apurações judiciais" mencionadas pela reportagem.