Governo Lula minimiza volta de Bolsonaro e busca ofuscar adversário com regra fiscal
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) minimizou os efeitos políticos do retorno de Jair Bolsonaro (PL) ao Brasil, nesta quinta-feira (30), e adotou a estratégia de transparecer normalidade na rotina do Palácio do Planalto e evitar embates diretos do petista com o ex-mandatário.
Além disso, interlocutores do governo e aliados fizeram a leitura de que a chegada de Bolsonaro, após 89 dias nos Estados Unidos, não teve o impacto planejado; e que o clima de apoteose que muitos bolsonaristas vinham vendendo não se concretizou. Isso acabou permitindo até zombarias nas redes sociais, embora tenha ficado acertado que Lula não seria envolvido nessas manifestações.
Bolsonaro aterrissou em Brasília pouco antes das 7h, encerrando assim a sua temporada na Flórida. Ele deixou o Brasil no dia 30 de dezembro, às vésperas do encerramento de seu mandato. Ignorou assim a tradição democrática de passar a faixa para o seu sucessor, um simbolismo de que houve transição pacífica de poder.
As datas de retorno ao país chegaram a ser divulgadas em diversos momentos pelo próprio Bolsonaro e por alguns de seus aliados mais próximos, embora tenha havido recuos, sempre indicando e convocando uma grande mobilização para receber o ex-mandatário.
Nesta quinta, dezenas de apoiadores o aguardaram no saguão do aeroporto de Brasília e em frente ao complexo de torres comerciais onde está localizada a sede do PL. A mobilização não impressionou interlocutores de Lula.
O esquema de segurança montado pelas autoridades do Distrito Federal impediu que Bolsonaro se juntasse a militantes no aeroporto ou mesmo desfilasse pelas ruas da capital.
Desde o início da manhã, Lula recebeu relatos de seus ministros sobre a recepção a Bolsonaro. Um deles chegou a informar, em tom jocoso, que havia dois policiais para cada apoiador em frente ao prédio onde fica o PL.
Aliados afirmaram que o petista evitou dar importância e recomendou que se imprimisse ar de naturalidade ao dia. Segundo aliados, Lula afirmou que a melhor resposta seria mostrar que o atual governo está em movimento e trabalhando.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que a volta do ex-presidente "não é fato relevante que mereça ser comentado".
Embora tenham minimizado a chegada de Bolsonaro, aliados admitiram que a divulgação da nova regra fiscal poucas horas depois acabou por ofuscar as ações dos bolsonaristas. Um interlocutor apontou que o trabalho apresentado pela equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda), de grande repercussão no mercado, acabou ocupando os principais espaços noticiosos.
Oficialmente, governistas negaram que a definição do momento da divulgação da regra tenha levado em conta o desembarque de Bolsonaro. No entanto, reconheceram que houve uma antecipação. Aliados apontaram nos bastidores que a apresentação oficial de Haddad estava prevista para sexta (31).
Um líder do governo no Congresso complementou que a decisão era fazer a divulgação após Haddad conversar com os presidentes do Senado e da Câmara, respectivamente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL). A apresentação a Pacheco e demais senadores aconteceu apenas por volta das 9h desta quinta --e horas depois a nova regra fiscal já vinha a público.
Além disso, há a avaliação de que Bolsonaro consumiu parte do dia em explicações sobre joias presenteadas pelo governo da Arábia Saudita.
Lula buscou dar um aspecto de normalidade e retomou os eventos públicos, que não vinham acontecendo desde a semana passada, quando ele recebeu diagnóstico de pneumonia e precisou suspender a sua viagem à China. O petista vinha apenas realizando reuniões internas com alguns ministros no Palácio da Alvorada.
Ainda na manhã desta quinta, o governo organizou um evento com a presença de Lula para a apresentação da taça da Copa do Mundo de futebol feminino e assinatura de um decreto que cria estratégia desenvolvimento da modalidade entre as mulheres. Inicialmente, apenas fotógrafos e cinegrafistas poderiam acompanhar. No entanto, de última hora, o evento acabou aberto para toda a imprensa.
Lula ficou incomodado com as reclamações de Bolsonaro sobre o carro a que tem direito na condição de ex-presidente. Bolsonaro reivindica um automóvel blindado. Mas, segundo seus interlocutores, ao saber dessa queixa, Lula lembrou que nenhum ex-presidente teve direito a veículo blindado.
Uma das únicas manifestação do governo sobre a volta de Bolsonaro foi justamente para rebater essa informação. A Casa Civil divulgou uma nota afirmando que o ex-presidente estaria usufruindo de dois veículos com motoristas, como previsto na legislação; e ainda acrescentou que nenhum ex-presidente teve direito a carro blindado.
Apenas um integrante do governo aproveitou a baixa adesão ao ato de chegada de Bolsonaro para ironizar o ex-presidente. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, aproveitou uma entrevista sobre a nova regra fiscal para chamar o ex-presidente de "líder pé de barro" e para afirmar que a sua recepção fracassou.
"Mais uma vez ele [Bolsonaro] se demonstrou um líder de pé de barro, quando fugiu do país. Agora, fez uma semana inteira de mobilização e [mesmo assim] flopou a recepção no aeroporto", disse o petista.
A equipe do Lula, no entanto, afirmou que se tratou de uma manifestação espontânea de Padilha e negou que o ministro palaciano tenha sido escalado para a missão de entrar em embate com os bolsonaristas.