Retirada de agência no PL das Fake News gera incerteza sobre supervisão de plataformas
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A decisão do deputado Orlando Silva (PC do B-SP) de retirar do relatório do PL das Fake News a criação de uma entidade autônoma para supervisionar as plataformas reabriu negociações entre deputados sobre qual órgão deveria assumir essas atribuições.
O relatório de Orlando foi publicado na noite de quinta-feira (27).
Em versão anterior, o deputado dava ao Executivo a prerrogativa de criar uma entidade autônoma de supervisão para regulamentar dispositivos do projeto, fiscalizar o cumprimento das regras, instaurar processos administrativos e aplicar sanções em caso de descumprimento das obrigações.
O ponto era criticado pela oposição, que apelidou o órgão de "Ministério da Verdade". Segundo oposicionistas, poderia haver risco de interferência ideológica na agência, com a retirada de conteúdos de opositores.
Diante da resistência, Orlando decidiu retirar a agência reguladora de seu novo parecer. Mas, segundo o parlamentar, o debate sobre a quem cabe regulamentar as plataformas seguirá em aberto até o dia da votação --prevista para terça (2).
"A entidade autônoma de supervisão foi muito mal recebida na Câmara. Houve muita crítica de diversas bancadas. A minha impressão é que, se mantivéssemos essa ideia, poderia interditar o debate e inviabilizar o avanço da proposta. A minha perspectiva foi retirar de cena essa entidade autônoma de supervisão, permitir que o debate fluísse na Câmara dos Deputados e nós construirmos, de hoje até a votação, qual vai ser o caminho", disse Orlando, após protocolar seu relatório.
Segundo ele, nas discussões da proposta há um grupo que quer que essa tarefa caiba à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) -hipótese que conta com pouco apoio na Câmara.
"Há quem defenda que seja a Anatel, uma agência que regula telecomunicações e radiodifusão, [que] já tem uma estrutura montada, financiamento, equipe técnica etc. Há quem defenda que não tenha nenhuma instituição dessa, e que seja a Justiça arbitrando quando houver conflitos; e, antes de a Justiça entrar, uma autorregulação. É um segundo modelo, então teremos que aprofundar o debate."
A votação do PL das Fake News ganhou força no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após os ataques golpistas de 8 de janeiro e depois dos ataques a escolas em São Paulo e em Blumenau (SC).
O texto em discussão traz, entre outros pontos, uma série de obrigações às plataformas de redes sociais e aplicativos de mensagem, como a moderação de conteúdo.
Orlando Silva também incluiu em seu relatório dispositivo dizendo que a lei deverá observar "o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, e a exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados".
O item busca atender ao pleito da bancada evangélica, que ameaçava votar contra a proposta se a "liberdade religiosa" não fosse explicitada.
O relatório estipula ainda que a imunidade parlamentar material prevista na Constituição se estende às redes sociais. Além disso, determina que contas de presidentes, governadores, prefeitos, ministros, secretários e outros cargos são consideradas de interesse público. A partir disso, proíbe que os detentores restrinjam a visualização de suas publicações por outros usuários.
Para as redes sociais há obrigações, por exemplo, de produção de relatórios de transparência e de identificação de todos os conteúdos impulsionados e publicitários.
Segundo o texto, as decisões judiciais que determinarem a remoção imediata de conteúdo ilícito relacionado à prática de crimes referidos na lei deverão ser cumpridas pelas empresas em até 24 horas, sob pena de multa entre R$ 50 mil e R$ 1 milhão por hora de descumprimento.
A oposição criticava trecho de relatório anterior de Orlando com determinação para que as redes atuem "hábil e diligentemente" quando notificados sobre conteúdos potencialmente ilegais gerados por terceiros no âmbito de seus serviços, que configurem ou incitem crimes contra o Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, atos de terrorismo e crimes contra crianças e adolescentes.
O deputado amenizou o dispositivo e indicou apenas que os "provedores devem atuar diligentemente para prevenir e mitigar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços, envidando esforços para aprimorar o combate à disseminação de conteúdos ilegais gerados por terceiros".
Entre os principais pontos do projeto estão o dever das plataformas de vetar contas inautênticas, a obrigatoriedade de divulgação de relatórios de transparência sobre moderação de conteúdos e a criação de conselho de transparência e responsabilidade, além da realização de estudos, pareceres e recomendações sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet.
O projeto também estabelece multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil em caso de descumprimento da lei.
O texto de Orlando Silva prevê ainda o pagamento por parte das plataformas pelo conteúdo jornalístico utilizado, sem que esse custo seja repassado ao usuário final. Sobre a forma do pagamento, o texto aponta que a pactuação deve ser feita entre as plataformas e as empresas jornalísticas.
As plataformas se opõem à ideia de remuneração, e entre os veículos há dissenso. Entidades como Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e ANJ (Associação Nacional de Jornais), que reúne os principais veículos de mídia, entre eles a Folha de S.Paulo, defendem o PL; veículos menores temem perder financiamento por terem menor poder de barganha.
O projeto de lei chegou a ser aprovado no Senado em 2020. No ano seguinte, a Câmara criou um grupo de trabalho para analisar o texto. O andamento, no entanto, não ocorreu e, em 2022, os deputados rejeitaram dar urgência à análise.
Após a eleição de Lula e com os ataques golpistas em 8 de janeiro, o deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, passou a defender a urgência -aprovada na terça (25).
A celeridade na votação do projeto é criticada pelas big techs como Meta, Google, Twitter e Tik Tok.