Bolsonaristas culpam Tarcísio por esvaziar secretaria reduto de ex-presidente
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Principal reduto bolsonarista no governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, a Secretaria de Políticas para a Mulher, comandada pela conservadora Sonaira Fernandes (Republicanos), vive um esvaziamento, segundo integrantes da pasta.
Aliados de Sonaira apontam que a secretaria, criada a partir de uma promessa de campanha de Tarcísio, sofre com falta de cargos, de orçamento e até de espaço físico. Na opinião deles, a secretaria existe no papel, mas não na prática, e serve para cumprir tabela.
A insatisfação com as condições de trabalho na pasta reforça a percepção de bolsonaristas de que são um grupo relegado na administração Tarcísio, eleito com o apoio do padrinho Jair Bolsonaro (PL) e tido como primeira opção da direita para 2026 com a inelegibilidade do ex-presidente.
O conflito com a Secretaria de Políticas para a Mulher existe também da parte do governo, mas por outras razões. O entorno de Tarcísio reclama da postura considerada ideológica e militante demais de Sonaira e afirma que a pasta tem poucas entregas.
Ligada ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), de quem foi assessora parlamentar, Sonaira é vereadora na capital paulista e se licenciou para assumiu a secretaria. Em suas redes sociais, costuma publicar conteúdo evangélico, antiaborto e críticas ao governo Lula (PT), além de fotos com Bolsonaro.
Apelidada de Damares paulista, em referência à ex-ministra e senadora Damares Alves (PL-DF), Sonaira é crítica do feminismo.
A desavença em relação à secretaria se soma a outros embates entre Tarcísio e apoiadores de Bolsonaro, que acabaram agravados após o desentendimento entre o governador e o ex-presidente em torno da Reforma Tributária. As rusgas atingem também a Assembleia Legislativa, onde o governador tem enfrentado crises em sua base de apoio.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, após o entrevero com Bolsonaro, deputados da direita conservadora reforçaram críticas a Tarcísio por não se alinhar totalmente com esse campo. O governador tem se reposicionado ao centro e investe na imagem de técnico, não de político.
Na pasta de Sonaira, uma das poucas concessões de Tarcísio aos bolsonaristas, a leitura é a de que a secretária não tem meios para realizar mais projetos e tem ficado escanteada.
Os aliados de Bolsonaro veem má vontade e dizem que o governo quer fazer parecer que atendeu a direita, mas não teve bons resultados.
Segundo bolsonaristas que falaram de forma reservada com a reportagem, os pedidos de mais cargos para a pasta acabam travados pelo governo, e outras secretarias não apoiaram iniciativas como atendimento móvel para saúde da mulher e um novo sistema de socorro a vítimas de violência via aplicativo.
Auxiliares de Tarcísio afirmam que os problemas enfrentados na pasta da Mulher são semelhantes aos de outras secretarias, que também demandam mais cargos, orçamento, estrutura e equipamentos. Para eles, é uma ilação dizer que se trata de uma questão política.
A reportagem apurou haver discordância entre Sonaira e a secretária de Comunicação, Lais Vita, para quem Tarcísio e seus secretários devem manter uma postura institucional em suas redes. Nesse sentido, Sonaira foi cobrada a maneirar nas publicações pró-vida e contra Lula.
Por não se enquadrar no perfil esperado pelo governo, Sonaira é vista como uma secretária problema no Palácio dos Bandeirantes.
Interlocutores da secretária apontam ser necessário manter a militância e o engajamento nas redes, já que ela deve disputar novamente uma cadeira na Câmara no ano que vem e não pode se anular politicamente.
Afirmam ainda que o governo Tarcísio está desconectado do momento de guerra entre esquerda e direita na disputa pela Prefeitura de São Paulo.
Quando prometeu criar a Secretaria da Mulher, Tarcísio falou que a pasta teria "diretorias estruturadas". O tema das mulheres ocupou uma de suas propagandas na TV.
A secretaria é encarregada de acompanhar denúncias de violência contra a mulher que chegam via ouvidorias, dar pareceres sobre projetos de lei sobre o tema e regulamentar as leis já sancionadas ?o que seria impossível com a equipe atual, de acordo com funcionários.
Segundo o portal da transparência, há apenas 24 pessoas lotadas na Secretaria de Políticas para a Mulher, com salários brutos que variam de R$ 1.939,94 a R$ 10.613,71. Uma das ponderações de servidores da pasta é que o governo precisaria disponibilizar cargos de salários maiores para atrair funcionários gabaritados.
A própria Sonaira, ainda de acordo com o portal, está formalmente abrigada na Secretaria de Direitos da Pessoa com Deficiência, assim como ao menos outros dois assessores da sua pasta ?Lucas Espindola (com salário bruto de R$ 8.840,05) e Teresinha Ramos Neves (R$ 16.201,99).
A secretaria chefiada por Marcos da Costa, que divide um prédio no Memorial da América Latina com a secretaria de Sonaira, tem 58 funcionários no total.
Auxiliares de Sonaira afirmam ainda que herdaram questões trabalhistas e contratuais da antiga Secretaria de Logística e Transportes do governo PSDB, já que o órgão da Mulher foi criado utilizando o CNPJ que já existia para aquela pasta. Eles apontam haver insegurança jurídica.
No portal da transparência, as despesas da pasta da Mulher se confundem com as da secretaria anterior. No Orçamento de 2023, os R$ 9,8 bilhões separados para Logística e Transportes foram reajustados para R$ 793,3 milhões disponíveis para a Secretaria de Políticas para a Mulher.
A assessoria de imprensa da secretaria argumenta que a manutenção do mesmo CNPJ deu agilidade à criação da pasta e que o órgão é transversal, atuando em parceria nas políticas públicas executadas por outras pastas e, por isso, teve a verba redimensionada.
Em nota enviada à reportagem, a assessoria lista duas ações da pasta ?a coordenação de um grupo de trabalho para regulamentar duas leis de combate à violência contra a mulher em bares e restaurantes e a divulgação em cidades do interior de duas linhas de crédito da Desenvolve SP para mulheres.
"A SP Mulher fechou acordo com a Universidade Virtual do Estado de São Paulo para capacitar os profissionais que trabalham nos bares e restaurantes", diz a assessoria.
As duas leis sancionadas por Tarcísio são de autoria de deputados, não do Executivo, e foram aprovadas na legislatura anterior. Já as linhas de crédito foram elaboradas às pressas, na véspera do Dia da Mulher.
A secretaria afirma que "as ações desenvolvidas e articuladas pela SP Mulher têm orçamento garantido pelo governo". "É a primeira vez que São Paulo tem uma secretaria exclusivamente voltada para as mulheres", completa.