Regra de gênero para promoção de juízes causa rebuliço no Judiciário
SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A criação pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de uma política de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário tem enfrentado resistência de tribunais do país.
A discussão foi pautada para a manhã desta terça-feira (19) pela ministra Rosa Weber, presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), às vésperas da sua aposentadoria.
O ato normativo que será votado estabelece alternância entre mulheres e homens conforme a abertura de vagas para magistrados de carreira por critério de antiguidade e merecimento.
Alterações já foram feitas para superar a resistência de uma parcela dos magistrados. Se aprovado, o texto passa a valer em janeiro de 2024, e a primeira vaga aberta deverá ser preenchida pelo magistrado de gênero distinto do último promovido. A regra será mantida até que cada tribunal alcance a proporção entre 40% e 60% por gênero.
Conselheiros do CNJ consultados pela reportagem dizem que o assunto é sensível e há possibilidade de um pedido de vista (mais tempo para análise), o que suspenderia o julgamento.
Um deles aponta que a antiguidade é uma garantia constitucional dos magistrados e seria mais difícil modificá-la. No entanto, afirma ser possível fazer avanços em relação a promoções por merecimento.
O conselheiro diz, ainda, que um pedido de vista pode ajudar a amadurecer essa ideia e fazer os ajustes necessários no texto.
Outro conselheiro afirma que a votação pode acontecer até, no máximo, na outra terça-feira (26) porque Rosa Weber tem feito apelos para que o tema seja votado.
No dia 28, o ministro Luís Roberto Barroso assume as vagas de Rosa tanto como presidente do Supremo como do CNJ. Ela deve renunciar aos cargos antes desta data e se aposentar no início de outubro.
Medidas para tentar ampliar a representatividade no Judiciário vêm sendo discutidas desde a gestão da ministra Cármen Lúcia. Em 2018, quando presidia o CNJ, foi aprovada uma resolução instituindo a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.
Apesar disso, especialistas afirmam que as mulheres seguem enfrentando mais barreiras para serem promovidas na carreira.
Dados do relatório Justiça em Números, do CNJ, referentes a 2022 apontam que as mulheres são 38% dos mais de 18 mil magistrados do país. Enquanto no primeiro grau elas chegam a 40%, na segunda instância o percentual fica em 25%.
O levantamento mostrou que havia 13 tribunais no país sem desembargadoras e ministras mulheres.
Era o caso dos TJs de Rondônia e do Amapá, do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 24º Região, dos tribunais da Justiça Militar de São Paulo e Minas Gerais e dos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) de São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Ceará, Santa Catarina e Rondônia.
Neste ano, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que também integrava a lista, promoveu pela primeira vez uma magistrada.
A mudança da regra de antiguidade é o principal foco de resistência entre os magistrados. Defensores da alteração afirmam que, embora o critério pareça objetivo, ele desconsidera uma série de problemas, como vieses em bancas examinadoras.
Em 2021, o CNJ proibiu a realização de entrevistas reservadas em concursos da magistratura, etapa na qual mulheres com frequência eram questionadas sobre como cuidariam dos filhos, se tinham família ou se eram ou não casadas.
No final de agosto o tema voltou a ser debatido durante um seminário promovido pelo CNJ, com magistradas de todo o país. Para manter a mobilização e fomentar novas ações, elas criaram o Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário.
"Existe uma naturalização de qualquer colegiado formado exclusivamente por homens e nós precisamos problematizar isso. Já não é mais natural que as mulheres e que as pessoas negras e que as minorias não ocupem esses espaços de poder", afirma a juíza do Rio Grande do Sul Josiane Caleffi Estivalet, integrante do movimento.
Um parecer favorável à criação da regra foi apresentado pelo professor de direito constitucional da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Daniel Sarmento. Ele defendeu a constitucionalidade da medida e a competência do CNJ para decidir sobre o tema.
"Ter um tribunal com uma composição plural, inclusive na perspectiva de gênero, é importante porque você vai ter visões de mundo diferentes. A tendência é que as decisões sejam melhores", diz.
A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) afirmou ainda não ter posição porque a minuta não foi encaminhada oficialmente. A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) ainda não se posicionaram. Após o seminário do CNJ, as três entidades emitiram nota em defesa da diversidade nas cortes.
O Consepre, conselho que reúne os presidentes dos 27 tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal, é o principal opositor, como mostrou na Folha de S.Paulo o blog do jornalista Frederico Vasconcelos.
Em nota técnica, a entidade pediu para que o tema seja retirado de pauta e diz que a modificação deveria ser feita por meio de lei formal e está fora do âmbito normativo do CNJ.
"Apesar da importância da matéria, o CNJ não tem competência para inovar, dessa monta, o modelo de critério de promoção", diz o Consepre, que afirma que na Constituição há "silêncio eloquente acerca dos critérios de gênero para a análise da antiguidade e merecimento".
A nota da entidade monta a base para que o caso seja levado ao STF, caso o CNJ decida modificar as regras.
O TJ-SP também se posicionou contra e pediu o adiamento na votação. Dos desembargadores do tribunal, 90% são homens, segundo relatório do CNJ.
A advogada e subprocuradora-geral da República aposentada Deborah Duprah afirma que a questão da competência já foi superada pelo Supremo em 2008, no julgamento sobre a regra do CNJ contra nepotismo nos tribunais.
"O CNJ veio justamente dar uniformidade à organização judiciária. A grande inovação da Constituição de 88 é que ela não se conforma mais com a igualdade formal, tem que ser material. Não é possível que instituições como o Judiciário tenham uma composição que representa um único segmento populacional", diz ela, para quem a reação à regra é desproporcional.