Empresa atribuída a ministro de Lula não tem sede nem funcionários e acumula dívidas
SÃO PAULO, SP, BRASÍLIA, DF, E SÃO LUÍS, MA (FOLHAPRESS) - A falta de uma sede tradicional para uma empreiteira, a ausência de funcionários registrados, dívidas com bancos públicos e a concentração de obras em uma única cidade reforçam as suspeitas da Polícia Federal de que a empresa Arco Construções tenha sido usada em um esquema de corrupção com benefício a Juscelino Filho (União Brasil-MA), atual ministro das Comunicações do governo Lula.
A reportagem da Folha de S.Paulo percorreu endereços da Arco apontados em documentos oficiais e ações de cobrança e realizou levantamentos em registros públicos de cartórios e licitações disponíveis no site do Tribunal de Contas do Maranhão.
O quadro encontrado é de situações fora do comum a uma construtora em operação regular.
As suspeitas se referem à atuação de Juscelino como deputado federal. Procurada, a defesa do ministro repetiu afirmações já apresentadas à Folha de S.Paulo anteriormente dizendo que são "absurdas as ilações de que Juscelino tenha tido qualquer proveito pessoal com sua atividade parlamentar".
Os advogados também negam que a Arco tenha ligações com Juscelino.
"Trata-se de mais um ataque na tentativa de criminalizar as emendas parlamentares, um instrumento legítimo e democrático do Congresso Nacional, enquanto não há absolutamente nada que desabone a atuação de Juscelino Filho no Ministério das Comunicações", afirma a nota assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.
O advogado da Arco também negou irregularidades e disse que a empresa não pertence ao ministro.
A Arco entrou no radar da PF após investigações sobre outra empreiteira suspeita de favorecer Juscelino, a Construservice.
As apurações da PF sobre a atuação da Construservice em contratos da estatal Codevasf tiveram origem em reportagens da Folha de S.Paulo publicadas em maio de 2022. O jornal revelou que a empreiteira havia obtido a vice-liderança em licitações da estatal federal Codevasf apesar dos indícios de crimes de seu suposto dono de fato, o empresário Eduardo José Costa Barros, conhecido como Eduardo DP.
Antes disso, a PF já investigava suspeitas de outro esquema que o envolvia com verbas do Ministério da Educação. Ela deflagrou a primeira fase da operação Odoacro, com foco na Codevasf, em julho do ano passado.
Em São Luís (MA), como constatou a reportagem nesta semana, no local onde deveria estar a sede da Arco há uma placa de uma firma chamada Triunfo. Quando a reportagem esteve no local, à tarde, a porta estava fechada. Em outro endereço, em casa no bairro Parque dos Nobres, ninguém atendeu, e o imóvel estava fechado.
De acordo com a PF, antes da deflagração da operação policial não havia registro oficial de empregados no quadro da empreiteira.
Na Justiça do Maranhão, a Arco é ré em processos promovidos por bancos públicos e privados. A maior dívida é com o Banco do Nordeste, no valor de R$ 1,25 milhão. A Caixa Econômica também foi ao Judiciário contra a Arco para cobrar ao todo R$ 250 mil, em duas ações.
Na causa mais recente, protocolada em setembro, a União Federal pediu o bloqueio de bens da empreiteira para assegurar o pagamento de uma dívida de R$ 72 mil que está sendo cobrada em uma execução fiscal.
Quanto à operação da Arco no estado, os registros disponibilizados no site do Tribunal de Contas do Maranhão mostram apenas contratos da empreiteira na cidade de Vitorino Freire, que tem como prefeita Luanna Resende, irmã de Juscelino Filho.
São nove contratos para pavimentação, construção de praças, de uma escola e aluguel de maquinário pesado na cidade reduto da família de Juscelino. O ano de criação da empreiteira, 2015, coincide com o de seu primeiro mandato como deputado federal.
Nesse início, a firma teve como proprietária Lia Candida Parente Santana, que viria a ser assessora parlamentar de Juscelino de 2017 a 2018, e agora tem como dono o marido dela, Antonio Tito Salem Soares, que segundo a PF é testa de ferro do ministro.
Chama a atenção o fato de o capital da empresa ter sido formado no começo com imóveis na cidade de Codó, interior do Maranhão, apesar de a companhia ter sua sede registrada na capital, São Luís. Em Codó fica a empreiteira Construservice, apontada pela PF como integrante do suposto esquema de corrupção.
Mensagens de celular obtidas pela PF mostram que, em 26 de março de 2019, Juscelino Filho enviou ao sócio oculto da Construservice o contato de Antonio Tito. Na sequência, o então deputado mandou três mensagens a Eduardo DP citando pagamentos e valores.
Os textos afirmam: "1° PAGAMENTO R$ 194.962.20", "2° PAGAMENTO R$ 400.370,62" e "Somando o 1º e 2º Pagamentos dá um total de R$ 595.332,82 Falta pagar da *NF n° 060* R$149.483.92*".
Para a PF, as mensagens indicam pedidos de cobrança de serviço de terraplanagem.
O sócio da Arco também encaminhou dados da conta bancária da empresa. A PF afirma que encontrou comprovante de transferência de R$ 63 mil de Rodrigo Casanova, dono formal da Construservice, para a empresa que seria de Juscelino.
A PF afirma que as mensagens levantam duas hipóteses sobre os pagamentos para a Arco. Uma das linhas de apuração é a de que a empresa realizou serviços de terraplanagem em obras que deveriam ter sido executadas pela Construservice.
"Isto é, Juscelino Filho utiliza o dinheiro proveniente de emendas parlamentares para contratar uma empresa que de fato lhe pertence para executar as obras", diz a PF.
A outra suspeita é a de que "terraplanagem" é apenas um código utilizado pelos suspeitos para se referir a valores que deveriam ser pagos pela Construservice para a Arco como propina.
"Diante de todo o exposto, resta cristalina a relação criminosa pactuada entre Juscelino Filho e Eduardo DP, que conta com outros comparsas como intermediários e executores, imprescindíveis para a perpetração dos crimes", afirma a PF.
Advogado diz que empresa cumpre a lei e não tem ministro como dono
O advogado da Arco, Gustavo Belfort, afirmou que a empreiteira tem operação em conformidade com lei e não pertence ao ministro Juscelino Filho.
Quanto à falta de funcionários registrados, o advogado disse que a construtora costuma realizar suas obras com o emprego de terceirizações.
De acordo com Belfort, a empreiteira teve contratos com outros municípios do Maranhão além de Vitorino Freire, mas não soube indicar quais seriam eles.
O advogado acrescentou que, antes de assinar contratos com o poder público, a empresa teve um histórico de obras privadas, principalmente a construção de casas para revenda.
Em relação às cobranças na Justiça, o advogado afirmou que a Arco tem créditos de obras públicas que deixaram de ser repassados e acabou tendo que interromper pagamentos a seus credores.
A Folha de S.Paulo pediu ao advogado contato com o dono formal da Arco, Antonio Tito Salem Soares, mas o investigado pela PF não falou ao jornal.