Direita brasileira surfa na onda Milei, mas impacto deve ser limitado
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A direita brasileira foi dominada pela euforia com a eleição de Javier Milei, na Argentina, e vem surfando na onda do ultraliberal.
Após a prisão de golpistas e a inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL), a extrema direita enfrentou desmobilização e fragmentação no Brasil. Nesse cenário, a vitória de um defensor de ideias similares foi um respiro aos direitistas e comparado a uma Copa do Mundo pelos mais empolgados deles.
Especialistas ouvidos pela Folha e parcela dos políticos dessa esfera ideológica concordam que o fato político serve de combustível momentâneo para o ânimo da direita brasileira. O efeito no longo prazo, porém, pode ser limitado e tão incerto quanto o futuro do governo Milei, afirmam estudiosos do tema.
Enquanto podem, Bolsonaro e familiares vêm capitalizando a proximidade política com Milei. O ex-presidente participou, inclusive, de uma animada chamada de vídeo com o argentino após a vitória.
Cerca de duas dezenas de parlamentares da direita já preparam uma comitiva para prestigiar a posse de Milei, no dia 10 de dezembro -em evento que terá a presença de Bolsonaro e não deve contar com o presidente Lula (PT).
Bolsonaro também convidou cinco governadores para o evento: Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, e Ratinho Jr. (PSD), do Paraná. Tarcísio e Jorginho Mello já confirmaram presença
No grupo da viagem estará a deputada federal Bia Kicis (PL-DF), figura próxima ao ex-presidente.
Para ela, a eleição do argentino atuará como um freio no progressismo na América do Sul. "A vitória do Milei extrapola as fronteiras da Argentina", disse Kicis à Folha de S.Paulo.
A deputada espera que o mandatário do país vizinho se some à direita brasileira como uma voz na luta contra o identitarismo e contra o Foro de São Paulo, temas que ajudam a manter mobilizada a base bolsonarista.
A também deputada Carla Zambelli (PL-SP) postou entrevista em sua rede social com discurso parecido. No vídeo, ela também destaca a importância de ter um opositor de Lula no governo da Argentina.
Milei já chamou o petista de corrupto e comunista, além de acrescentar que não pretendia encontrá-lo, caso fosse eleito, durante entrevista a um jornalista peruano.
Nas redes, a esquerda espalhou lamentações, e a direita foi rápida nos memes: um dos mais compartilhados comparava os dois vizinhos, citando que a Argentina elegeu Milei, ganhou a Copa-2022 e terá aliados como Estados Unidos e Europa, enquanto o Brasil seria próximo de ditaduras.
Parte da direita não alinhada a Bolsonaro, políticos do MBL (Movimento Brasil Livre) também comemoraram a vitória de Milei. No entanto mantêm dose de cautela, já prevendo um possível fim da lua de mel.
Guto Zacharias (União Brasil), deputado estadual da base de Tarcísio e membro do movimento, ironizou em suas redes um meme espalhado pela esquerda que mostra a personagem Mafalda, do cartunista Quino, sendo consolada pela Mônica, criada por Mauricio de Sousa. "Se a UNE [União Nacional dos Estudantes] está triste, eu estou feliz", escreveu, ao comentar post da entidade.
À Folha de S.Paulo o tom foi menos otimista. "Comemoramos o fato de a Argentina mudar de rumo. Qualquer alternativa era melhor que a continuidade. Milei tem muitos desafios de governabilidade pela frente", afirmou.
Coordenador nacional do movimento e aposta do grupo para uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo, Renato Battista diz que o MBL vê a eleição de Milei com ceticismo e prudência, citando a alta inflação e um país "destruído por décadas de peronismo".
O cientista político Claudio Couto, da FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), admite que o assunto pode servir de trampolim para críticas a Lula e para manter bases agitadas temporariamente, mas diz que daí a influenciar a política e o processo eleitoral é uma distância imensa.
Ele justifica, para isso, a existências de dinâmicas próprias nas políticas brasileiras e argentina --as mesmas que resultaram na eleição de Milei após a de Lula.
"É muito mais uma euforia pela simpatia que esses bolsonaristas e eleitores à direita nutrem pelo Milei do que propriamente algum tipo de benefício direto", diz, pontuando que uma eventual eleição de Donald Trump nos Estados Unidos poderia ter impacto maior.
Bruno Silva, pesquisador do Laboratório de Política e Governo da Unesp Araraquara, vê a vitória de Milei impulsionada pela negação ao governo peronista derrotado, mas diz que a direita brasileira tenta se apropriar desse fato para expandir sua base.
"De alguma forma [a direita brasileira] tenta capitalizar isso para eles, tenta trazer essa vitória para expressar uma certa união dessa direita, surfar nessa onda e criar essa identidade mais internacional", diz.
A direita radical trabalha na lógica de ter inimigos em comum a combater e em construções culturais, afirma Silva. Mas a realidade difícil da Argentina pode acabar frustrando expectativas da direita brasileira e inviabilizar qualquer expectativa de capitalização do fenômeno no país vizinho.
Especialista em extrema direita e membro do grupo Monitor do Debate Político no Meio Digital (USP), a pesquisadora Michele Prado diz que no curto prazo a eleição de Milei pode ajudar na revitalização da ala radical no Brasil, baqueada após os ataques aos Poderes no 8 de janeiro.
Segundo ela, Milei traz aos holofotes bandeiras hoje restritas a grupos mais reduzidos da extrema direita, favoráveis, por exemplo, à abolição total do Estado, numa guinada neorreacionária e ultracapitalista.
"Essas correntes da far-right [extrema direita] defendidas por Milei atraem e têm grande apelo a um público muito jovem", diz, acrescentando que isso poderia ajudar a arrastar para a direita jovens brasileiros.
Embora afirme que o efeito Milei no Brasil no longo prazo dependerá de seu sucesso ou fracasso, ela prevê que a vitória do argentino será mais uma engrenagem na mobilização online transnacional a favor da eleição de Trump, nos Estados Unidos, em 2024.