Bolsonaristas miram Janones e fecham olhos para suspeitas de 'rachadinha' no clã Bolsonaro
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O PL pediu na quarta-feira (29) a cassação de André Janones (Avante-MG) pelas suspeitas de que o deputado federal tenha promovido um esquema de "rachadinha" em seu gabinete. O PL é o partido que tem como principal estrela Jair Bolsonaro, sobrenome ligado a escândalos de "rachadinha".
A reportagem ouviu nos últimos dias bolsonaristas para saber por que eles têm agido com dois pesos e duas medidas para situações que são essencialmente as mesmas, a suspeita de apropriação pelo parlamentar de parte dos salários de assessores.
A justificativa dada por todos eles é similar e envolve algumas inverdades e imprecisões. Ela pode ser resumida na fala da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra de Bolsonaro.
"A Bíblia tem alguns princípios cristãos que eu sigo. Por exemplo, tirar do dinheiro do órfão, da viúva, vai para o inferno! Tirar dinheiro de trabalhador, de pai de família? Esse cara, se ele não se arrepender do pecado, ele vai para o inferno. Mas eu queria ver ele preso. Pode colocar lá [na reportagem] que é pecado e que vai para o inferno. Quem está falando é a senadora-pastora", disse Damares.
E sobre os Bolsonaros?
"Eles foram investigados. A diferença é que esse tem gente provando, falando. No caso do Flávio Bolsonaro teve processo, teve investigação. Se tivesse indício, você não acha que o Ministério Público tinha dado um jeitinho de condenar o Flávio?"
Não há, até o momento, nenhuma decisão judicial contra Janones no caso das "rachadinhas", mas sim investigação. Os ex-assessores que o acusam não mostraram publicamente, pelo menos por ora, provas de que o parlamentar tenha colocado o esquema em prática, o que ele nega ter feito.
Sobre os Bolsonaros, mais especificamente sobre o hoje senador Flávio, também do PL, as provas relativas ao caso foram anuladas pela Justiça pouco após o parlamentar ter sido denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por quatro crimes relacionados a "rachadinha" --peculato, associação criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação indébita.
Essa anulação, porém, não se deu devido à análise do mérito, mas sim por uma questão processual: o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal decidiram que a primeira instância do Rio não tinha competência para apurar o caso.
Durante as investigações, porém, foram colhidas diversas provas que corroboram a suspeita de "rachadinha" no gabinete de Flávio.
Há também diversos relatos, investigações e documentos que levantam a suspeita de que Jair e Carlos Bolsonaro tenham mantido por anos funcionários fantasmas e esquema de "rachadinha" em em seus gabinetes.
Em março do ano passado, o Ministério Público do DF apresentou à Justiça uma ação pedindo a condenação do presidente por improbidade administrativa no caso Wal do Açaí, revelado em reportagem da Folha de S.Paulo de 2018.
Outras reportagens da Folha de S.Paulo e de outros órgãos de comunicação como as revistas Época e Veja e o jornal O Globo também mostraram fortes indicativos de funcionários fantasmas e "rachadinhas" nos gabinetes da família.
Já em 2023, por exemplo, o Ministério Público do Rio identificou repasses de R$ 2 milhões ao chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (hoje no Republicanos) feitos por funcionários do seu gabinete, de 2009 a 2018.
Os Bolsonaros sempre negaram irregularidades, mas quase nunca responderam de forma direta às evidências dos supostos esquemas e sempre trabalharam para barrar as investigações.
"Não teve nenhuma prova, qual foi a prova que teve? Onde há fumaça há fogo, a gente sabe, tudo bem. Porém a gente entende que o presidente [Bolsonaro] foi vítima de uma armação e um complô de uma parte da imprensa brasileira para colocar o descondenado no governo", diz o deputado federal Cabo Gilberto (PL-PB).
Bia Kicis (PL-DF), outra deputada bolsonarista de primeira hora, vai na mesma linha. Sobre Janones, afirma ver "batom na cueca". Sobre os Bolsonaros, o discurso muda: "A gente sempre foi favorável a investigar tudo, tudo, né? Naquele caso, houve uma demonização que foi feita por um Ministério Público que era totalmente incompetente para o caso".
Coronel Chrisóstomo (PL-RO) afirma que a atitude de Janones mancha a imagem dos parlamentares. "É gravíssimo. Cobrando 'rachadinha'. Escrachadamente. Nós precisamos de bons exemplos. Chega do povo chamar nós de ladrões", diz.
As suspeitas contra o clã Bolsonaro, porém, são diferentes, afirma. "Qualquer 'rachadinha', ela não é bem vista, mas esses casos aí não têm comprovação nenhuma, ninguém provou, ninguém apresentou nada. Apresentar denúncia, o Ministério Público apresenta contra qualquer cidadão, agora provar é outra coisa."
O líder da bancada do PL, Altineu Côrtes (RJ), resume o discurso do partido: "Não são suspeitas, são fatos. Não só a questão da corrupção, mas assim como os maus tratos que ele pratica com os seus assessores, ameaças, trata os assessores como nada [Janones é acusado por ex-assessores de assédio moral]. Acho que é uma vergonha para a Câmara dos Deputados se o Janones não for cassado."
Sobre Bolsonaro, Altineu afirma que ele é a pessoa mais atacada no Brasil e que não existe comparação. "Quem compara é a imprensa, que age com parcialidade."
As suspeitas contra Janones --que integrou a linha de frente da campanha de Lula (PT) nas redes sociais, em 2022-- vieram a público após o site Metrópoles revelar na última semana áudio de 2019 em que o deputado mineiro, em seu primeiro mandato na Câmara, informou a assessores que eles teriam que devolver parte dos salários para que ele pudesse reconstruir seu patrimônio.
Dois ex-assessores afirmaram à Folha de S.Paulo que o esquema foi implantado.
Janones diz não considerar o pedido que fez na reunião como ilícito e, além disso, afirma que nada se concretizou posteriormente.
Suspeitas de 'rachadinha' e funcionários fantasmas no clã Bolsonaro
2018
Wal do Açaí
Em janeiro de 2018, a Folha de S.Paulo revelou a existência de uma funcionária fantasma por 15 anos no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara. Walderice Santos da Conceição morava na Vila Histórica de Mambucaba (RJ) e era mulher do caseiro do deputado, que tinha uma residência de praia na localidade. Não havia nenhum indicativo de que ela tivesse qualquer atividade legislativa. O Ministério Público Federal apresentou à Justiça em 2022 uma ação pedindo a condenação de Bolsonaro e Walderice por improbidade.
Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz
A Operação Furna da Onça, que apurava o pagamento de propina pelo ex-governador Sérgio Cabral a deputados estaduais, encontrou movimentações financeiras atípicas feitas por assessores de deputados estaduais do Rio, entre eles Fabrício Queiroz, do gabinete de Flávio Bolsonaro. Em dezembro de 2018, com Jair Bolsonaro já eleito presidente, o jornal O Estado de S. Paulo revelou relatório do Coaf mostrando movimentação atípica nas contas de Queiroz no valor de R$ 1,2 milhão, o que incluía repasses de funcionários do gabinete e saques em espécie. Foi detectado ainda o depósito de um cheque de R$ 24 mil na conta de Michelle Bolsonaro.
2019
As explicações
Flávio sempre negou ter promovido "rachadinha". Jair Bolsonaro disse que o cheque na conta da mulher era parte do pagamento de uma dívida que Queiroz tinha com ele. Em um primeiro momento Queiroz disse que a movimentação tinha a ver com a venda e compra de carros e outras mercadorias. Em fevereiro de 2019, porém, Queiroz afirmou por escrito ao Ministério P úblico que recolheu parte dos salários de funcionários do chefe para contratar informalmente mais assessores para trabalhar para Flávio.
Adriano da Nóbrega
Contas bancárias controladas pelo ex-capitão da PM --morto em 9 de fevereiro de 2020 após mais de um ano foragido sob acusação de comandar a maior milícia do Rio-- foram usadas para abastecer Fabrício Queiroz no suposto esquema de "rachadinha" do antigo gabinete de Flávio Bolsonaro, concluiu o Ministério Público após uma série de quebras de sigilo.
Chocolate
Com base em quebras de sigilo bancário, o Ministério Público afirmou que Flávio Bolsonaro lavou até R$ 2,3 milhões com transações imobiliárias e por meio de uma loja de chocolates em um shopping da Barra da Tijuca.
Carlos Bolsonaro
Também em 2019, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro exonerou vários assessores de seu gabinete, alguns deles com indícios de serem fantasmas. No segundo semestre daquele ano o Ministério Público abriu dois procedimentos para investigar Carlos pela suspeita do uso de funcionários fantasmas e da prática de "rachadinha"
2020
Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz
Fabrício Queiroz foi preso em junho em Atibaia (SP), em um imóvel do advogado Frederick Wassef. O Ministério Público afirmou que Flávio Bolsonaro teve 70% das contas de plano de saúde e mensalidade escolar de suas filhas pagas com dinheiro vivo, de 2013 e 2018. Em junho, Flávio Bolsonaro conseguiu a primeira vitória expressiva na sua ofensiva para tentar barrar as investigações sobre a "rachadinha". A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça concedeu a ele foro especial, retirando o caso das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, e transferindo-o para o Órgão Especial do TJ. A quebra dos sigilos da investigação do Ministério Público mostrou que Queiroz depositou R$ 25 mil em dinheiro na conta da mulher de Flávio Bolsonaro uma semana antes de o casal quitar a primeira parcela na compra de uma cobertura em construção na zona sul do Rio de Janeiro. Em entrevista ao jornal O Globo, Flávio admitiu que Queiroz pagava contas pessoais suas, mas disse que a origem do dinheiro era lícita. O Ministério Público denunciou Flávio Bolsonaro em outubro por peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa no caso das "rachadinhas". A denúncia inclui depoimento de uma ex-assessora de Flávio de que devolvia a maior parte do seu salário a Queiroz. A peça ainda afirma que a "rachadinha" aumentou o patrimônio de Flávio Bolsonaro em R$ 1 milhão.
Movimentação incomum
Em julho, a Folha de S.Paulo mostra que nos 28 anos em que Jair Bolsonaro foi deputado federal houve uma intensa e incomum rotatividade salarial de seus assessores, atingindo cerca de um terço das mais de cem pessoas que passaram por seu gabinete nesse período. A personal trainer Nathália Queiroz continuou repassando a maior parte de seu salário ao pai, Fabrício Queiroz, mesmo quando estava empregada no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, mostraram dados da quebra de sigilo.
2021
Flávio Bolsonaro
Em fevereiro, a maioria dos ministros da Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou a quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio, sob o argumento de problemas de fundamentação na decisão judicial. A divulgação pelo UOL de gravações de uma ex-cunhada de Jair Bolsonaro trouxe novos indícios da atuação do ex-presidente em "rachadinha" enquanto era deputado federal. Em agosto, João Otávio de Noronha, do STJ, suspendeu a investigação da "rachadinha" contra Flávio. Outro ex-assessor de Flávio, Marcelo Nogueira, afirmou que era obrigado a entregar mensalmente 80% de seu salário. Em novembro, a Quinta Turma do STJ anulou todas as decisões tomadas pela primeira instância da Justiça do Rio de Janeiro no caso das "rachadinhas". O argumento foi o de que o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, não tinha poderes para investigar Flávio Bolsonaro. Dias depois, o ministro João Otávio de Noronha, do STJ, decidiu que o Ministério Público do Rio de Janeiro deveria apresentar nova denúncia contra Flávio para que as investigações do caso da "rachadinha" tivessem prosseguimento. Em 30 de novembro, a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter o foro especial concedido a Flávio pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
2022
Flávio Bolsonaro
Júlia Lotufo, viúva do ex-policial militar Adriano da Nóbrega, afirmou numa conversa telefônica gravada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro que Flávio manteve em seu gabinete como funcionária fantasma a ex-mulher de seu marido. Em maio, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu arquivar a denúncia contra Flávio em razão da anulação das provas.
Jair Bolsonaro
Em entrevista, o então presidente da República disse que a prática de "rachadinha" é "bem comum", que poucos escapam dela, mas não quis responder se ela já foi adotada em seu gabinete.
2023
Carlos Bolsonaro
Laudo do Ministério Público do Rio de Janeiro identificou repasses de R$ 2 milhões ao chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro feitos por funcionários do seu gabinete, de 2009 a 2018, indicando prática de "rachadinha".