Tarcísio tem primeiro ano de crises com bolsonarismo e trunfo com privatização
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Alçado à política pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Tarcísio de Freitas (Republicanos) teve seu primeiro ano à frente do Governo de São Paulo marcado pelo morde e assopra com o bolsonarismo.
As tensões com a base de apoio causaram algumas derrotas e recuos de Tarcísio, mas, ao fim do ano, ele conseguiu seu principal objetivo para 2023, a aprovação de autorização da privatização da Sabesp na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
Tarcísio também viveu crise na área da educação com o lançamento de cartilhas com erros para os estudantes e denúncias de violações durante a Operação Escudo, no litoral paulista, deflagrada após o assassinato de um agente da Rota (tropa de elite da PM), em julho.
A política linha-dura na segurança que resultou em aumento da letalidade policial, as ameaças de prisão de sem-terra e o gesto de arminha com a mão não foram foram suficientes para satisfazer o bolsonarismo raiz.
O ápice da tensão aconteceu em novembro, quando Bolsonaro afirmou que "não está tudo certo" na sua relação com Tarcísio e que "jamais faria certas coisas que ele faz com a esquerda".
O estopim foi um elogio ao ministro Fernando Haddad (Fazenda) e a sanção de um projeto de lei do PT para instituir o feriado do Dia da Consciência Negra no estado.
Com isso, deputados bolsonaristas se sentiram autorizados a falar abertamente sobre as insatisfações.
Gil Diniz (PL) deu entrevista à Folha de S.Paulo na qual citou a falta de espaço do grupo no governo, a defesa de Tarcísio da reforma tributária contrariando Bolsonaro e até o recebimento de Graça Machel (ativista pela igualdade de gênero e viúva de Nelson Mandela).
O parlamentar e um grupo de colegas bolsonaristas formaram, inclusive, um bloco independente na Alesp.
Na Assembleia Legislativa, boa parte da base de apoio, e não só os bolsonaristas, passou o ano todo descontente com a desarticulação do governo, e o resultado apareceu na dificuldade para encaminhar projetos considerados fáceis.
Apesar dos percalços, ao fim do ano o governador conseguiu aprovar o principal projeto do ano, a autorização para venda da Sabesp. Ainda há um longo caminho para que a privatização seja colocada em prática, mas a votação favorável de 62 dos 94 deputados deu uma demonstração de força por parte do governo.
Na tentativa de aparar as arestas na relação com os deputados bolsonaristas para o próximo ano, o governador se comprometeu a não enviar projeto que aumentaria o ICMS (imposto estadual) e também disse que vai ampliar as escolas cívico-militares.
Em evento no último dia 19, ele contemporizou a existência do bloco independente e afirmou que a agenda do governo converge com a dos deputados bolsonaristas.
Em outro aceno a Bolsonaro, Tarcísio sinalizou que pode não apoiar a reeleição de Ricardo Nunes (MDB) para não se opor ao seu padrinho político, mudando o tom do que vinha dizendo.
Se não consegue satisfazer completamente os bolsonaristas, não faltaram políticas que acenam à base conservadora e liberal, palavras que Tarcísio costuma usar para definir sua administração.
O governador encampou, por exemplo, a bandeira do agro e ameaçou de prisão quem invadir terras no estado. Para acabar com os conflitos agrários, aposta tanto em programa de distribuição de terras com desconto a fazendeiros quanto na regularização de assentados sem passar pela interlocução de movimentos sem-terra.
A linha dura na segurança, no campo ou na cidade, está na conta de um dos poucos secretários bolsonaristas raiz da administração, Guilherme Derrite (PL), cuja gestão tem entre as marcas o aumento da letalidade policial.
A quantidade de pessoas mortas por policiais militares em serviço registrou alta de 86% no terceiro trimestre da gestão, por exemplo.
No período, estão tabulados os 28 mortos durante a Operação Escudo em Guarujá e Santos, deflagrada após a morte de um policial. Ação mais letal da polícia paulista desde o massacre do Carandiru, ela foi marcada por denúncias de execuções de pessoas inocentes ou desarmadas.
Ainda na segurança, o governo vem promovendo medidas que enfraquecem a fiscalização dos policiais, como as câmeras corporais nos uniformes. Ignorando os bons resultados, a administração descontinuou estudo sobre o tema, cortou verba para o programa e afirmou não ter planos para comprar novas câmeras.
Apesar do discurso policialesco, a administração segue longe de resolver problemas crônicos que geram insegurança, como o caos na cracolândia. A área, aliás, foi citada por Tarcísio em seu balanço como prioridade para o próximo ano e onde há o que melhorar.
O assunto é uma das bolas divididas com a gestão municipal de São Paulo. Apesar da boa relação com Nunes, ambos já discordaram sobre o tema quando o governo cogitou mudar a cracolândia para o Bom Retiro.
As visões das duas administrações voltaram a se chocar neste mês devido ao fato de Nunes ter adotado passe livre aos domingos e ter mantido as tarifas de ônibus congeladas.
A gestão Tarcísio, por outro lado, busca equilibrar o sistema de trens e metrôs, que sofre queda de arrecadação. Na contramão de Nunes, o estado já anunciou aumento da tarifa dos trens e metrôs de São Paulo para R$ 5 -hoje ela está em R$ 4,40. "Não dá para ficar eternamente sem reajuste, isso é inviável", justificou o governador.
Ambas as gestões, porém, negam qualquer atrito.
Outra medida que também fazia aceno aos conservadores era o abandono de livros do MEC, vistos por esse público como meio de "doutrinação" esquerdista. O assunto acabou virando um tiro no pé.
O material próprio adotado pelo governo continha erros como atribuir a assinatura da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel, a dom Pedro 2º.
Tarcísio, em agosto, acabou recuando nesse caso, o que, aliás, foi uma marca de sua gestão.
Diante de repercussão negativa, ele voltou atrás em diversas medidas, como extinguir a Secretaria da Pessoa com Deficiência e o veto a projeto de lei que propunha validade indeterminada para laudos médicos que atestem o transtorno do espectro autista.
Enquanto as oscilações são vistas como sinal de inexperiência pela oposição, entre aliados são tidas como sinal de que Tarcísio "não tem compromisso com o erro".
Em seu balanço, Tarcísio destacou como pontos positivos a entrega de 18 mil unidades habitacionais, mutirões de cirurgias e a concessão do Rodoanel Norte. Para o próximo ano, entre as prioridades estão a melhoria da segurança e a continuidade da agenda de privatizações.
MORDE...
A gestão Tarcísio autorizou o MST a realizar sua Feira Nacional da Reforma Agrária no parque da Água Branca, em São Paulo, após quatro anos
Sancionou um projeto de lei proposto pelo PT que instituiu o Dia Estadual da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, na esfera estadual
O governador afirmou apoiar em 95% a reforma tributária, que acabou aprovada, indo na contramão de Jair Bolsonaro. Também tirou foto ao lado de Fernando Haddad. Além disso, Tarcísio deu declaração afirmando que Haddad havia mudado para melhor e estava "fazendo a coisa certa dentro do governo"
Recebeu a viúva de Nelson Mandela, Graça Machel, que é ativista pela igualdade de gênero
Possível apoio a Ricardo Nunes é visto com ressalva por bolsonaristas, que preferem Ricardo Salles
Falta de espaço a bolsonaristas no governo e integrantes do PSDB ainda na máquina
...E ASSOPRA
Governador hospedou Bolsonaro no Palácio dos Bandeirantes em ocasiões em que o ex-presidente esteve em São Paulo
Tarcísio sancionou lei que nomeia um viaduto na cidade de Paraguaçu Paulista, no interior, como "Deputado Erasmo Dias", expoente da ditadura militar
Planejou deixar de usar cartilhas do MEC, acusadas de doutrinação por bolsonaristas, mas acabou voltando atrás
Na segurança, fez perder força programa de câmeras corporais nos uniformes de policiais e a gestão adotou um discurso linha-dura
Fez diversos acenos ao agro, que vão de distribuição de terras com desconto a fazendeiros a ameaças de prisão de sem-terra
Manteve agenda de privatizações e discurso duro em relação aos sindicatos durante greves
Nomeou o irmão de Michelle Bolsonaro como assessor e outros bolsonaristas, como Sonaira Fernandes (Políticas para Mulheres) e Guilherme Derrite (Segurança Pública)