PF e Abin sob Lula indicaram para cargos nomes associados a bolsonarismo
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A investigação sobre a existência de um órgão paralelo de arapongagem no governo Jair Bolsonaro (PL) derrubou de cargos de comando na Polícia Federal e na Abin (Agência Brasileira de Inteligência) dois delegados que também estavam em posições de relevo na gestão passada.
No último dia 26, Carlos Afonso Gonçalves Gomes Coelho foi afastado da coordenação de Aviação Operacional da PF por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Na terça-feira (30), foi a vez de Alessandro Moretti ser exonerado da diretoria-adjunta da Abin, por decisão de Lula.
A história da ascensão e queda desses dois delegados ilustra em parte a disputa de bastidor entre as cúpulas da PF e da Abin, que se desentendem desde o período da transição do governo.
Naquele período, um mesmo grupo acalentava a intenção de controlar PF e Abin, mas Lula tomou decisão diversa.
Na PF, colocou Andrei Rodrigues, delegado da PF que coordenou a sua equipe de segurança na campanha de 2022 e que estabeleceu relação de proximidade não só com Lula, mas também com a primeira-dama, Janja. A escolha do presidente não encontrou resistência de Flávio Dino (PSB), que assumiria a pasta da Justiça, à qual a PF está subordinada.
Já na Abin Lula escolheu um antigo auxiliar, Luiz Fernando Corrêa, que havia sido diretor-geral da PF em seu segundo mandato. O presidente também retirou a agência de inteligência das mãos dos militares (o Gabinete de Segurança Institucional) e a alocou sob o guarda-chuva da Casa Civil, do ministro Rui Costa.
Para sua equipe, Corrêa escolheu como números 2 e 3 Alessandro Moretti e Paulo Maurício Fortunato, respectivamente.
Essas indicações foram usadas pela PF para tentar desgastar a direção da Abin, nos bastidores, com o argumento de que Corrêa estaria levando para a gestão Lula pessoas que exerceram papel relevante sob as ordens de Bolsonaro.
Moretti foi o número dois de Anderson Torres na Secretaria de Segurança do Distrito Federal, entre 2018 e 2021, e comandou a diretoria de inteligência da PF em 2022 quando Torres era ministro da Justiça e Segurança Pública.
Foi justamente em 2022 que a relação de Moretti com Andrei começou a estremecer. O então chefe de inteligência da PF é apontado pela atual cúpula da corporação como responsável por dificultar o trabalho da equipe de segurança de Lula durante a campanha eleitoral.
Moretti acabaria sendo indicado para adido da PF na França, mas Andrei barrou a nomeação assim que assumiu o cargo.
Já Carlos Afonso Coelho chefiou o CIN (Centro de Inteligência Nacional) da Abin ?justamente o órgão suspeito de abrigar um núcleo de atividades paralelas em favor da família Bolsonaro?, além de ter sido o número 2 de Alexandre Ramagem na agência.
Coelho foi nomeado coordenador de Aviação Operacional da PF em 11 de outubro, em portaria assinada pelo então secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli.
A responsabilidade pela indicação, porém, foi de Andrei. Pessoas próximas afirmaram que Coelho era um nome de confiança do diretor-geral da PF, tendo trabalhado com ele na Sesge (Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos).
Essa nomeação é apontada por integrantes da Abin como prova de que as críticas contra o "passado bolsonarista" de Moretti eram apenas um pretexto na tentativa de ampliação de espaços de poder dentro do governo Lula.
Moretti foi exonerado após vir à tona operação no último dia 25 em que a PF afirma que ele agiu para obstruir as investigações.
De principal, os investigadores citam participação dele em uma reunião com servidores da agência de inteligência em março de 2023 ?logo após vir à tona a notícia de que a Abin havia usado o software FirstMile para espionar adversários políticos dos Bolsonaro?, ocasião em que ele teria dito que o caso "tinha fundo político" e iria passar.
A primeira operação da PF nessa investigação, realizada em outubro passado, já havia resultado no afastamento de Fortunato, o número 3 da Abin, na casa de quem foram encontrados US$ 171 mil.
Carlos Afonso Coelho foi afastado devido à operação do último dia 25, ocasião em que veio à tona a afirmação da PF de que ele agiu ao lado de Ramagem para evitar investigação interna na Abin sobre irregularidades no uso da FirstMile.
No pedido feito a Moraes para a realização dessa operação, o delegado da PF Daniel Carvalho Brasil Nascimento escreveu que a manutenção de Coelho no cargo teve por objetivo evitar que ele fosse alertado sobre as investigações.
"O Delegado Carlos Afonso, por exemplo, atualmente ocupa a função de Coordenador de Aviação Operacional, da Polícia Federal. Trata-se de unidade operacional de grande prestígio e respeitabilidade na instituição. A ascensão ao posto de relevo, contudo, se deu sem interveniência desta coordenação de contrainteligência para não atrapalhar as investigações em curso, posto que eventual negativa para assumir o cargo inevitavelmente alertaria o delegado."
A PF afirmou que a nomeação de Coelho para o cargo se deu por questões técnicas, já que ele é piloto de aeronave e já havia trabalhado na coordenação de Aviação Operacional anteriormente. Não há contato dessa função com a área de investigação ou de inteligência, diz o órgão.
O FirstMile é o software adquirido pela Abin no final da gestão Michel Temer (2016-2018) e que começou a ser usado no governo Bolsonaro, tendo ficado em operação de 2019 a 2021.
Ele é alvo de investigação da Polícia Federal sob a suspeita de ter sido usado pela gestão Bolsonaro para espionagem ilegal de adversários políticos. O software fornece a localização aproximada das pessoas por meio dos sinais enviados por aparelhos às antenas de telefonia celular.
A Polícia Federal já realizou três operações autorizadas pelo STF, a primeira em outubro de 2023 e as duas últimas, nos dias 25 e 29 de janeiro deste ano. Nas duas primeiras houve busca e apreensão na sede da Abin.
Entre outros pontos, os investigadores afirmam ter havido um "conluio" entre a atual gestão do órgão de inteligência e os investigados.
O alvo da última operação foi o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho de Jair Bolsoanro, apontado pela PF como integrante do núcleo político da organização que usava a Abin para fins alheios à sua função institucional.