PF usou depoimentos sobre golpe para desqualificar fake news criadas no bolsonarismo
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Questionamentos feitos pela Polícia Federal aos investigados pela tentativa de golpe de Estado em 2022 tiveram o objetivo de desmontar uma série de notícias fraudulentas alimentadas pelos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante o seu mandato.
Essas fake news, que foram intensificadas durante a tentativa de reeleição do então presidente, vão de informações infundadas sobre as urnas eletrônicas e a ligações do presidente Lula (PT) com o crime organizado.
Órgãos do próprio governo federal e o partido do ex-presidente inflamaram as redes bolsonaristas com esses tipo de dados sem comprovação, na tentativa de dar legitimidade a eles.
Nos depoimentos, a PF aponta o uso da própria corporação pelo governo Bolsonaro para validar informações falsas às vésperas da eleição de 2022.
Na ocasião, dizem os investigadores, a polícia abriu um procedimento investigativo para apurar se dinheiro do narcotráfico teria abastecido Lula e outros governantes de esquerda durante dez anos.
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres foi questionado a respeito do motivo da abertura desses procedimento e disse desconhecê-lo.
Essa apuração aberta pela PF sob Bolsonaro foi oriunda de publicações que circulavam nas redes bolsonaristas, a respeito de suposta delação de um ex-general de inteligência venezuelano acusado de participar de um cartel de drogas.
Em 2021, esse general estava preso na Espanha e disse, em carta a um juiz local, que partidos de esquerda na América Latina e na Europa receberam financiamento ilegal da Venezuela, mas não apresentou provas.
O general venezuelano acabou extraditado para os Estados Unidos e passou a se declarar inocente, e não há registro de que ele tenha fechado delação ou falado sobre a campanha de Lula de 2022, como apontam agências de checagem de fatos.
Ainda assim, o próprio Bolsonaro chegou a mencionar a suposta delação durante a reunião ministerial de julho de 2022. Torres estava na reunião com Bolsonaro e disse, ao se manifestar, que "todos vão se foder" caso Lula ganhasse a eleição.
A PF questiona o ex-ministro se foi ele quem repassou a informação a Lula sobre a suposta delação do general venezuelano preso na Espanha. Torres negou e disse que não foram cobradas providências do Ministério da Justiça sobre o tema por Bolsonaro.
O ex-ministro também nega ter comprovação de outra acusação que ele fez na reunião: de que o PT teria ligação com a facção criminosa PCC. Ele atribui a sua fala a notícias de que o publicitário Marcos Valério havia dito isso em acordo de delação premiada.
Outro assunto tratado com insistência pela Polícia Federal nos depoimentos foi a da segurança das urnas eletrônicas e das tentativas de desqualificação dos resultados das eleições de 2022.
Foram feitas questões sobre o tema para investigados como Torres, como o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e como o empresário que colaborou com auditoria do PL sobre as urnas eletrônicas.
Tércio Arnaud, apontado como o líder do chamado "gabinete do ódio" de Bolsonaro, também foi questionado sobre o assunto.
Por causa de uma reunião com embaixadores na qual repetiu ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral, Bolsonaro já foi condenado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), além de ser alvo de diferentes outras investigações no STF. Neste momento, ele está inelegível ao menos até 2030.
O PL endossou o discurso golpista de Bolsonaro após a derrota nas eleições de 2022 e pediu ao TSE, mesmo sem apresentar provas de fraude, a invalidação de votos depositados em urnas por "mau funcionamento".
O partido usou como base da representação relatório do Instituto Voto Legal, contratado pelo PL por R$ 1 milhão para fazer estudos sobre o funcionamento das urnas.
Ao depor à Polícia Federal, Valdemar Costa Neto afirmou que contratou o instituto e questionou as urnas na Justiça Eleitoral sob pressão de Bolsonaro e de seus aliados. Ele disse que o instituto jamais encontrou irregularidades --o que contraria suas declarações públicas anteriores.
Também ouvido pela PF, o empresário Eder Balbino, que colaborou com a auditoria do PL que pediu a anulação de parte dos votos de 2022, disse que não encontrou indícios de fraude nas urnas eletrônicas.
"Diante dos dados que recebeu, não viu absolutamente nada que vislumbrasse qualquer fraude nas eleições brasileiras de 2022, apesar de não conhecer a fundo urnas, eleições, esse tipo de coisa", afirmou o empresário à polícia em 22 de fevereiro.
O empresário disse que enviou email a Carlos Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, discordando das conclusões do relatório usado pelo PL para tentar mudar o resultado das eleições.
"Entende que a falha do sistema, que não identificou o número do log, não era suficiente para imputar uma fraude nas eleições", registra o depoimento à PF.
Nem sempre a Polícia Federal conseguiu extrair esse tipo de fala dos questionados. Para Tércio Arnaud, por exemplo, perguntou se ele acredita que houve fraudes nas eleições presidenciais de 2022 e se acha que o Judiciário atuou de forma parcial.
Ele disse aos investigadores que "deseja não responder a essa indagação".
Em seu depoimento, o ex-assessor da Presidência se limita a alegar que não chegou a assistir vídeos de difusão de notícias falsas sobre as eleições, como a de um influenciador argentino, ou que não participou diretamente da elaboração de informações enganosas.
Outros investigados se mantiveram em silêncio, a exemplo do próprio Bolsonaro e dos ex-ministros Walter Braga Netto e Augusto Heleno.