Um vizinho indesejado
Moradores convivem com o medo de uma nova explosão
Moradores convivem com o medo de uma nova explosão
A vida nunca mais será a mesma para quem vive próximo ao gasoduto em Gaspar. O rompimento da tubulação, no final de novembro, ainda traz lembranças e muito medo. Assim como os deslizamentos de terras e enchentes, a explosão do gasoduto assustou, traumatizou e mudou o rumo das vidas dos moradores do bairro Belchior e de outros bairros vizinhos.
Seis meses depois, eles ainda contabilizam as perdas financeiras. Já os prejuízos emocionais são maiores, porque o retomada da rotina é difícil e para alguns quase impossível.
A TBG - Transportadora Brasileira do Gasoduto tomou as providências no auxílio das famílias atingidas pela explosão logo após a tragédia. O casal Aquiles e Lúcia Zabel conta que foi levado ao Hotel Plaza, em Blumenau, local escolhido como abrigo provisório pela TBG. No entanto, eles admitem que não se sentiam à vontade no lugar.
Acostumados à simplicidade, eles pediram a TBG que alugassem uma casa para eles em Blumenau. Uma das cinco filhas foi em busca de um lugar para abrigar os pais. O espaço foi alugado, mas o casal diz que a TBG nao está mais pagando o aluguel e o condomínio do modesto apartamento.
Aquiles já moveu um processo que está em andamento na Justiça. Apesar da casa no Belchior não ter sido atingida pelas chamas, o medo de permanecer no local é grande. Aquiles revela que promessas foram feitas pela empresa, e que agora os moradores estão simplesmente abandonados.
Ele conta que a TBG tentou comprar suas terras por um preço muito baixo, a fim de solucionar problemas futuros. Aquiles morou nas terras a vida toda e se irrita só de lembrar da possibilidade de vendê-las por um preço injusto, como tentou impor a empresa do gás. É com lágrimas nos olhos que ele diz que em 68 anos de idade nunca imaginou passar por uma situação destas. “É muito triste para quem construiu isto aqui com muito trabalho”, desabafa Aquiles.
O medo faz com que o casal não retorne para a casa. Eles moravam a 60 metros da tubulação do gasoduto. Depois do acidente, eles retornam de vez em quando, passam algumas horas no lugar que durante tantos anos foi o lar do casal, alimentam os animais, juntam suas coisas e ao anoitecer tomam o rumo do apartamento alugado em Blumenau.
Aquiles pernoitou apenas uma noite na casa depois da tragédia de novembro. Lúcia nunca mais. As plantações de aipim, feijão, banana e as lagoas foram perdidas. Ficou o trauma e a tristeza de deixar para trás um lar e uma história. Hoje, o casal só pensa em recomeçar a vida, antes precisa de respostas.
“Depois da explosão, em novembro, só passei uma noite em casa. Quando viemo aqui para passar o dia dá um aperto no coração na hora de ir embora quando anoitece”
Aquiles Zabel
Momentos de medo e terror
Aquiles conta que a casa tremeu e que quando ouviu o barulho imediatamente soube que era o gasoduto. Com rapidez, orientou a família a sair da casa. “O céu parecia estar queimando”, lembra Aquiles. “Era claro como o dia, um clarão avermelhado”. A filha e a neta saíram na frente, logo atrás Aquiles e Lúcia foram pegos por um deslizamento. Ele conseguiu sentir o chão firme sob seus pés e com força se levantou, ao procurar a esposa logo viu ela própria saindo do meio do barro. De mãos dadas, o casal conseguiu se livrar da terra e escapar pela mata. Foram encontrar a filha e a neta só mais tarde na casa de um vizinho.
Terras perderam valor
“Nunca imaginei que fosse passar momentos assim”, conta Orlandina Tesch que vive no Belchior Alto com o marido Vilson Tesch. A carvoaria da família ficou parada por três semanas. O prejuízo foi enorme. Aos poucos, a família tenta superar o susto e se reerguer. A dona-de-casa conta com tristeza que a neta Vitória continua com medo. “O acidente traumatizou a menina”, conta. Assim como ela, outros moradores das redondezas têm dificuldades para superar o trauma da tragédia. Mesmo com o processo em andamento, a indenização demora a chegar. “Sem falar que as propriedades por onde passam a tubulação do gasoduto foram desvalorizadas. Quem vai querer uma casa aqui?”, questiona Orlandina. Essa situação tem tirado o sono dos moradores que não se conformam ter de vender suas propriedades por um preço abaixo do valor venal. A família Tesch permanece na casa e, aos poucos, vai tocando a vida. “Só espero que isso nunca mais aconteça”, desabafa Orlandina.
Técnico diz que trabalho de recuperação está encerrado
A TBG contratou uma empresa terceirizada para a manutenção do gasoduto. A Geometral foi designada para o trabalho. O encarregado Ivosnei Geffer diz que a recuperação parcial do gasoduto foi feita em 20 dias, mas o a restauração completa da área somente terminou em março. A empresa plantou árvores nativas no local, recuperou a vegetação e consertou o acesso.
“Nossa parte está feita”, garante Ivosnei. No entanto, a parte não acabada é de responsabilidade da TBG, que depois da tragédia ficou devendo auxílio para as famílias que tiveram suas vidas modificadas e que buscam com humildade um pouco de esperança.
O gasoduto
O Gasoduto Bolívia-Brasil, também conhecido como Gasbol, é uma via de transporte de gás natural entre a Bolívia e o Brasil com 3.150 quilômetros de extensão, sendo 2.593 em território brasileiro. O trecho é administrado pela TBG. O Gasoduto começou a ser construído em 1997, iniciando sua operação dois anos depois. Estima-se que estará plenamente em operação em 2010, com o objetivo de que o gás natural represente 15% de todo o consumo energético brasileiro. A tubulação do gasoduto inicia na cidade boliviana de Santa Cruz de la Sierra e termina na cidade gaúcha de Canoas, atravessando também os estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina. São cerca quatro mil propriedades em 135 municípios.
Moradores não se conformam e vão à Justiça contra a TBG
Outra casal que lamenta as inúmeras perdas é Brotázio e Polonia Junkes. Ele já acionou a TBG na Justiça para ver se consegue a indenização pelos estragos que ocorreram em sua propriedade. Depois de dois meses e meio fora de casa, ele e a esposa voltaram para casa no final de fevereiro. Até então estavam morando em uma casa alugada em Blumenau.
A cena que o casal presenciou no momento na explosão foi, no mínimo, assustadora. Brotázio conta que no exato momento, o morro da frente de sua casa veio abaixo. “Foi como se algo começasse a espalhar toda aquela terra para que ela não entrasse em nossa casa”, conta Polônia.
E de fato, a terra não invadiu a casa do casal, mas as plantações de banana, batata doce e aipim foram completamente destruídas. A terra também invadiu duas lagoas. Todos os postes de luz caíram e o terreno ficou praticamento interditada para qualquer atividade. Aos poucos, Brotázio vai limpando o terreno. Ele conta que precisou pagar máquinas particulares para tirar a terra. Ele lamenta o fato da TBG ter arrumado apenas os terrenos por onde a tubulação passou e esqueceu das conseqüências da explosão nas propriedades próximas. Ele mora há 45 anos no Belchior, com a esposa. Polônia ainda está assustada, não consegue esquecer aquela noite. “Prefiro morrer a ver uma cena desta outra vez”, desabafa.