Serviço de transplantes da Santa Casa Juiz de Fora completa 40 anos como 5º maior centro do Brasil

Em 40 anos, a equipe realizou 1.548 transplantes renais; hoje, cerca de 449 pessoas aguardam

Por Renan Ribeiro

O médico Sebastião Ferreira e a paciente Osmarina se encontram 40 anos depois do procedimento

Em outubro de 1983, o médico Sebastião Ferreira entrou no Centro Cirúrgico da Santa Casa de Misericórdia para realizar o primeiro procedimento de transplante da cidade. A paciente, Osmarina Riani, receberia da irmã, Olga Riani, um rim, no procedimento que marcou a vida das duas e a história da medicina na cidade. Quarenta anos depois, Sebastião, Osmarina e Olga se reencontraram no Salão Nobre da Santa Casa, para comemorar os 40 anos desse marco, em uma coletiva de imprensa realizada na manhã desta quarta-feira (30). Além de falar sobre o atual estado do programa de transplante renal, que segue em expansão, batendo o recorde de 163 procedimentos em 2022.


“Estávamos angustiados com a situação dos pacientes, não encontrávamos solução. O tratamento conservador, que era a hemodiálise, era muito rudimentar, na época. Os pacientes sofriam muito”, conta o médico Sebastião Ferreira. Ele explica que a equipe da Santa Casa buscou treinamentos para realizar o primeiro procedimento. O ato foi considerado heroico, por conta da falta de arsenal terapêutico, como medicamentos usados tanto para rejeição quanto para tratamento de infecções. “Nós só tínhamos o raio-X para diagnóstico. Não tinha tomografia, ressonância, ultrassom, então, estávamos no início. Eu nunca podia imaginar que chegaríamos ao momento em que estamos hoje, parece um sonho”, comenta Sebastião.

“Na época, foi um alívio”, contou Sebastião sobre o primeiro procedimento. “Quando conseguimos dar a alta à paciente, sentimos o alívio e a sensação de dever cumprido. Isso nos incentivou a continuar.” Hoje, o médico atua na clínica e o filho dele, o médico Gustavo Fernandes Ferreira, é presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).

A primeira paciente a passar pelo procedimento de transplante em Juiz de Fora, Osmarina Riani, disse que, na época, muitas pessoas tentaram amedrontá-la. “‘Você tem coragem de ser a primeira?’, me perguntavam. Mas eu nunca desanimei. Foi difícil. Passei por controle, tratamento, até que chegou o momento que o doutor Sebastião falou que eu tinha que fazer o transplante.”

Os irmãos de Osmarina se prontificaram a verificar a compatibilidade para se tornarem doadores. Mesmo tendo um irmão gêmeo, foi a irmã, Olga Riani, quem apresentou maior compatibilidade. “É um presente de Deus. Não podemos desistir nunca. Quarenta anos, passou tão rápido!”, compartilha Osmarina. Além da falta de recursos, havia também poucas informações disponíveis sobre o procedimento. “Saí de lá pensando, mas o doutor Sebastião me explicou tudo. Graças a Deus foi muito bom! Deu tudo certo, não tive rejeição.”

Para Olga, é importante que as pessoas não tenham medo de doar. “Se você pode, faça. Se tem esse privilégio, segura ele. Tive muito medo de perder a minha irmã. Na época era tudo difícil, os exames eram feitos todos no Rio de Janeiro. Tudo era muito sacrificado. Foi uma vitória em família”. 

Entraves para o transplante em 2023 

Embora o Brasil conte com um dos serviços de transplantes públicos mais modernos e transparentes do mundo, segundo o presidente da ABTO, Gustavo Fernandes Ferreira, especificamente a lista de espera para transplantes de rim, depende da compatibilidade sanguínea e genética. Quando maior elas forem, maior, proporcionalmente, é a chance de sucesso do procedimento. Desse modo, independe a posição em que a pessoa está na fila. Ela não é o critério mais importante. A lista testa cada doador, de acordo com a compatibilidade com o paciente. 

"É importante que a população saiba que temos um programa muito desenvolvido, que funciona. São mais de 60 mil brasileiros esperando a possibilidade para transplantar. Só na Santa casa, são 450 pessoas aguardando. Infelizmente, não existem órgãos suficientes para todos." Segundo Gustavo, hoje, há uma recusa familiar da ordem de 50%. "A cada duas possíveis doações, apenas uma está, efetivamente, realizando a doação. Precisamos reduzir esses números para menos de 20% a oferta de órgãos e, consequentemente, a possibilidade de transplantar, seria ainda maior. Esse é um dado muito relevante para discutirmos com a sociedade." 

Evolução

Juiz de Fora é o primeiro serviço em número de transplantes renais em Minas Gerais e é um dos mais ativos em relação aos grandes centros do país. Fica atrás apenas do Hospital do Rim (SP), da Santa Casa de Porto Alegre (RS) e do IMIP Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (PE) e do Hospital São Francisco (RJ). 

Em 2023, de janeiro a agosto são 128 cirurgias ao todo.  A expectativa é a de que o número de procedimentos ultrapasse o total de 2022, que é de 163 operações, atingindo um novo recorde. Há, no momento, 449 pacientes na fila de espera, 79 aptos a realizarem o procedimento e 891 pessoas transplantadas em acompanhamento.

O presidente da ABTO, Gustavo Fernandes Ferreira, explica que a importância social do serviço é de diminuição do custo elevado do tratamento de hemodiálise, diminui o desgaste dos pacientes e o mais relevante: aumenta a qualidade de vida das pessoas.

Gustavo detalha que, Juiz de Fora conta com três serviços de hemodiálise, que concentram cerca de 500 pacientes totais. Sem o serviço de transplantes, seria necessário ter, pelo menos, mais duas clínicas de hemodiálise na cidade para atender a demanda. O presidente da ABTO também pontua que 105 cidades da região encaminham pacientes para Juiz de Fora e o serviço da Santa Casa é referência também para o Rio de Janeiro.

Sobre a história, o médico dividiu a trajetória da equipe em três fases. A primeira, marcada pelo início da atividade, foi nomeada por ele como ‘heróica’, visto que não havia parâmetros bem estabelecidos para o procedimento. Somente eram realizados transplantes com doadores vivos. Nessa primeira fase, foram realizados apenas seis cirurgias.

O período denominado romântico veio com a década de 1990, em que os profissionais de saúde começaram a se especializar, mas ainda não havia diretrizes para os transplantes, nem fonte de remuneração. Os protocolos eram incipientes e os laboratórios de imunologia tinham recursos muito limitados para o diagnóstico.

O ano de 1997 foi definitivo porque trouxe a legislação e o estabelecimento de um protocolo para os transplantes no país, com procedimento definido pelo Ministério da Saúde, além de ser o ano em que a ABTO foi instituída como entidade de classe.

De 2012 em diante, a fase de evolução foi marcada pela organização dos procedimentos, definições a respeito da forma de financiamento público e de ampliação dos serviços.