Movimentos Negros de Juiz de Fora celebram sanção do 20 de Novembro como Dia da Consciência Negra

Em Juiz de Fora, mobilização reuniu mais de 15 mil assinaturas e encaminhou para Brasília para pressionar aprovação do feriado nacional

Por Renan Ribeiro

Movimentos Negros de Juiz de Fora se mobilizaram pelo Feriado do 20 de novembro

 

Os Movimentos Negros de Juiz de Fora comemoram a sanção da Lei que torna o dia 20 de novembro feriado Nacional do Dia de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, o que ocorreu nesta quinta-feira (21) com a assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A data já era feriado em seis estados e em diversos municípios brasileiros. Ao longo do mês de novembro, os Movimentos Negros de Juiz de Fora buscaram mobilizar e sensibilizar a população e a Câmara para a aprovação do projeto de Lei 207, que visava a tornar a data feriado Municipal, no entanto, a proposta foi rejeitada por dez votos a sete, conforme reportado pela Acessa.com no dia 27 de novembro.


A lei sancionada foi publicada (22) no Diário Oficial da União.  A luta nacional contou com a atuação de grupos locais, de acordo com o diretor da União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro), Wellington Alves, em agendas da construção da mobilização, foram entregues mais de 15 mil assinaturas de juiz-foranos pedindo a aprovação da data em Brasília na última semana. “Vamos comemorar essa vitória de todo o povo antirracista, não só do povo preto. É uma grande vitória para todos nós, engajados na luta antirracista.”


Membro do Movimento Negro Unificado há 30 anos, uma das idealizadoras do Feijão de Ogum, a pedagoga Marilda Simeão, ressalta a importância do fato de a sanção ter partido de um movimento nacional. “Todos os movimentos negros, sindical, de mulher, do Brasil inteiro se mobilizou para pressionar o presidente atual, que é o Luiz Nascimento da Silva, para que fosse feriado o 20 de novembro. Esse feriado, se pensarmos, é o mais representativo, porque quando a gente fala de Zumbi dos Palmares, a gente está falando de uma outra possibilidade de vida, de ser e estar aqui, para além de um Estado democrático e de direito, que é um Estado colonizador”. Ela ressalta que são 12 feriados nacionais e nenhum deles se dedica, diretamente ao povo negro, que construiu o país.


“A única questão que tem que comemora é o dia 19 de abril, mas é feriado que fala dos povos indígenas. Os outros feriados que temos, estão ligados diretamente ao cristianismo, diretamente ao movimento europeu que se construiu em cima do colonizador”, explica Marilda, que também é ekedy da Casa de Bagam e membro do Grupo de Contadoras de Histórias Nzingas Contos Africanos.


Para ela, cada pessoa tem consciência da contribuição que deu para o país e de que forma e como deu. Ela lembra que a luta pelo feriado na cidade teve dois momentos, em 2015, quando o projeto de lei foi apresentado pela primeira vez e rejeitado e, novamente, em 2023. “Foi derrubado pela questão do capitalismo, os vereadores dizendo que havia muitos feriados e ia atrapalhar a questão comercial, como se a questão comercial não se dá nos feriados. Nós sabemos que dá sim, porque muitos saem, mas outros chegam, e quem fica consome, e quem promove a questão do crescimento do país é a grande maioria que é preta, e parda que somos nós, negros. Então, esse feriado é de uma grandeza enorme, desde fora ela só vem a dizer o tamanho do seu racismo quando ela renega esse momento histórico, que é o 20 de novembro”, avalia.


Ainda que tardiamente, conforme Marilda, chegou pelas mãos de um presidente que, ela ressalta, foi eleito por mulheres e povos originários. “Ele fez o que nós esperávamos que ele fizesse em termos de uma consciência de um Brasil para todos. Se olharmos para uma pesquisa que saiu em 2021, dizendo que Juiz de Fora é uma das cidades mais racistas do Brasil em termos da renda per capita, dizendo que quem tem o maior salário que é uma questão altamente desigual, já era de se esperar. A partir de toda a luta que tivemos, houve uma mobilização da cidade inteira, de todos os movimentos sociais, de pessoas que pensam que seria necessário este momento para comemorar, para lutar, para discutir, que é isso que nós queremos”.


Apesar da sensibilização não ter encontrado uma resposta positiva na aprovação do projeto em Juiz de Fora, o resultado não foi uma derrota para o movimento. “Nós sabíamos o tamanho da nossa luta, mas nós não nos sentimos derrotados a partir do fato de que a quantidade de votos contra não foi tão grande. Mesmo assim, Juiz de Fora não consegue perceber que nós construímos essa cidade, que os nossos ancestrais estiveram aqui presentes construindo essa cidade”, pondera a mãe de Olívia.


Entretanto, nacionalmente, para a pedagoga, trata-se de um marco histórico. “Nós temos que ir para as ruas, nós temos que comemorar, nós temos que festejar, porque é o primeiro feriado que é construído a partir de uma questão histórica da Travessia do Atlântico. É, talvez, o feriado que a gente tem que olhar para ele como o maior feriado que o Brasil vai ter a partir de 2024. Ele se reconhece enquanto racista, ele se reconhece na construção desse povo que atravessou o Atlântico e ele se reconhece que é necessário olharmos para trás, construir, fazer a questão do Adinkra, olhar para trás para construir um futuro melhor para todos nós”.


Como destaca Marilda Simeão, a data relembra o significado do quilombo. Uma construção histórica, política, social, para que se possa viver nesse país. “A gente não tem que ficar no domínio do colonizador o tempo inteiro. Então, quando a gente vem com o 20 de novembro, que é o dia da morte dos Inimigos Palmares, é dizendo que as mortes dos nossos não foram em vão e que todos resistiram até a morte para poder estar aqui. Dizer da importância de estar aqui. É dizer da travessia do Atlântico, é dizer da questão dos quilombos, da importância dos quilombos e dizer o que é um quilombo e qual a importância que ele tem para nós.”

Apesar de a notícia ser tão recente a ponto de não ter dado tempo de os Movimentos se reunirem para refletirem de maneira aprofundada sobre o ocorrido, o integrante do Comitê 20 de Novembro, Cristhiano Silva, a sanção pode ser vista como uma realização dos Movimentos. Para ele, é importante dividir a análise em três etapas: produção, realização e distribuição.


No Município, os grupos e organizações buscaram produzir o feriado. “Nós lutamos, nós suamos, nós mobilizamos, panfletamos, conversamos, debatemos, discutimos, fomos para a Câmara várias vezes. Essa foi a primeira etapa. A etapa que concretizou ontem com a sanção do Presidente Lula, que já era esperado. Mas mesmo assim a gente sabe como é que a institucionalidade funciona, então a gente tinha que esperar. A etapa que se concretizou ontem foi a da realização”.

Cristhiano lembra que, ainda que em nível municipal ela tenha sido derrotada, é preciso lembrar que são essas mobilizações municipais, municipais ou regionais, que deram força para que os deputados senadores e senadoras aprovassem a matéria nas respectivas casas legislativas. Então essa produção que localmente fracassou, nacionalmente foi muito vitoriosa. “A sanção para a gente é a realização da nossa produção do feriado. A distribuição a gente vai ver pelos próximos meses, em que nós vamos organizar celebrações, movimentações, manifestações, culminando no próximo dia 20 de novembro.”

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Sobre os muitos significados dessa conquistas, Cristhiano, explica que o primeiro é a vitória. “Do povo negro trabalhador de Juiz de Fora, do povo negro trabalhador de Minas, do povo negro trabalhador do Brasil. Então, é uma vitória pra população negra, trabalhadora do Brasil inteiro. Significa uma hora em que o trabalhador e a trabalhadora negra podem parar, virar as costas pro seu local de trabalho opressivo, ir pra casa, por exemplo, ficar com a família, ir pra casa descansar, ou ir pra rua manifestar, se isso for o caso, é um dia que o trabalhador e a trabalhadora negra ganhou pra si próprio”.


Outra dimensão, é a do aprendizado.” A gente aprendeu como fazer uma manifestação que fala diretamente com a população negra, a gente aprendeu como mobilizar dentro da institucionalidade local pra enfrentar certos tipos de racismo estrutural, a gente aprendeu, mais do que nunca, vendo na prática, a separação entre o econômico e o político, onde as forças econômicas acabaram falando mais alto, localmente, mais alto do que o político.”

Por fim, para o membro do Comitê 20 de Novembro, é essencial destacar que, localmente, uma série de questões locais. “Certas pressões aconteceram pra que o feriado fosse derrubado, e isso mostrou pra gente como certos vereadores, votaram contra a sua própria base, as custas do poder econômico, ou dado o poder econômico, talvez de quem financiou a campanha, ou talvez de quem convenceu de que era melhor votar contra a sua própria base, negra, periférica, jovem, e atender aos interesses econômicos. Isso também significou para a gente um escancaramento de como, por vezes, o poder econômico fala mais alto do que as bases.”