Ebola: O v?rus sem preconceito

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Ebola: O v?rus sem preconceito
Juliana Machado 27/08/2014

Ebola: O vírus sem preconceito

Nos últimos meses acompanhamos nos noticiários informações assustadoras a respeito de um vírus letal que vem dizimando pessoas na África Ocidental. Aproximadamente 1.427 indivíduos infectados com o vírus Ebola faleceram e muitos outros estão contaminados e não contam com nenhuma possibilidade de cura ou tratamento efetivo. Não há vacina disponível e o que temos é uma droga experimental chamada ZMapp que demonstrou eficácia em AMERICANOS infectados com o vírus; até onde sabemos eles estão curados. Veja que o tal vírus do Ebola não poupou nem mesmo os americanos. Tivemos europeus infectados também, inclusive um missionário espanhol chegou a falecer. Os vírus têm dessas coisas... Ao contrário de nós humanos, não fazem a menor distinção de raça e cor. Se você tem células passíveis de serem parasitadas por estas entidades, você é um alvo.

Todavia, o preconceito que o vírus anula, nós mesmos reavivamos. Curioso que os dois indivíduos com Ebola que foram tratados com sucesso são médicos americanos brancos. Não foram nenhum dos milhares de africanos que sofrem com toda falta possível de qualquer item básico de sobrevivência. Há uma "esperançosa" notícia inclusive, de que vacinas experimentais em breve serão testadas (olha que maravilha!), mas não nos pacientes africanos... Embora muitas das vacinas estudadas já tenham demonstrado eficácia m laboratório, as agências reguladoras acreditam que não é ético usá-las nos africanos afetados pelo Ebola porque elas ainda não passaram por todas as fases de experimentação. Ah sim, interessante essa preocupação com um povo que já foi vítima de experimentos escandalosos com HIV e Sífilis. Os estudos destas doenças no continente nunca objetivaram o seu bem-estar, ao contrário com o que aconteceria no momento. O que é ético então? Deixá-los morrer? Esta ética absolutista não me convence. Se considerarmos os interesses dos envolvidos neste dilema (quem sabe ouvindo-os), certamente teríamos outro cenário.

O que resta então para os africanos contaminados são as quarentenas. Para estes apenas o apoio - indispensável, diga-se de passagem - dos Médicos Sem Fronteiras. Aos africanos resta saber que - segundo recente decisão do parlamento de Serra Leoa - agora é crime esconder em suas casas vítimas de Ebola. Fico pensando que se eles escondem seus familiares deve haver alguma razão. Provavelmente temem que desapareçam nas mãos do exército. Talvez eles sintam que não haverá retorno daquele amigo ou parente se ele for entregue às forças armadas. Afinal, não há tratamento nem cura para o Ebola... exceto se você for americano, claro. Talvez ninguém tenha de fato se esforçado em explicar a dimensão do problema de modo que os próprios envolvidos colaborem voluntariamente. Afinal, eles nunca iam entender, não é assim que muita gente pensa?

Mais uma informação escandalosa: Até agora, nenhuma companhia farmacêutica foi convencida a investir em uma vacina contra o Ebola, embora existam várias plataformas de vacinas prontas para testes clínicos. A verdade é que considerando os atores deste drama, não há realmente um mercado comercial. Por que será? Pensemos...

Fato é que eu com minha alma de bióloga admiro os vírus. Pode ficar com raiva de mim, não ligo. Admiro porque eles nos mostram que de superiores não temos nadinha. Quando eles resolvem ser o que são, vírus simplesmente, em sua dimensão biológica e evolutiva mais pura, conseguem aniquilar nossa vaidade. Esse topete de que "somos a espécie mais evoluída do planeta". Eles sim não têm preconceito. Não querem saber se sua célula é loira ou morena. Não querem mesmo. Talvez ao invés de somente maldizê-los devêssemos aprender alguma coisa com eles. Por exemplo, neste momento simpatizar com a situação dos nossos companheiros lá da África. Pelo menos pensar a respeito. Sem esses exercícios mínimos de humildade biológica e simpatia pelo outro, os vírus que são tão simples, vão continuar dando tapas e mais tapas na nossa cara para o resto da nossa existência.


Juliana Machado é Bióloga, mestre em Ciências Biológicas - Comportamento e Biologia Animal - UFJF/MG. Doutoranda em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva - UFRJ/UFF/UERJ e Fiocruz.