O Museu da Loucura traz a redenção do sofrimento e da exclusão
do sofrimento e da exclus?o
* Por Ana Cristina Audebert
Temos na nossa regi?o, na cidade de Barbacena, um museu muito especial onde
podemos exercitar nosso olhar e relacionar alguns aspectos comuns tanto aos
museus quanto ? luta antimanicomial: o Museu da Loucura. Quem ainda acha que museu ? um lugar onde se guarda coisas velhas, lugar
onde o tempo est? congelado, precisa conhecer o Museu da Loucura. Pois ?
certo que o museu ? um lugar de mem?ria mas a mem?ria - ao contr?rio do que
poder?amos sup?r num primeiro momento ? se est? ligada ao passado, s?
encontra sentido quando relacionada ao presente. ? atrav?s dela que as
nossas experi?ncias adquirem sentido. ? tamb?m atrav?s dela que podemos
fazer projetos para o futuro. O museu ? principal guardi?o da mem?ria social no mundo contempor?neo ?
constitui-se em espa?o privilegiado para refletirmos sobre o passado, o
presente e o futuro. Mas se o museu celebra a mem?ria, ele tamb?m celebra o esquecimento pois a
mem?ria, sabemos, n?o ? algo totalizante. A mem?ria ? seletiva e por isso ?
t?o importante que numa visita a um museu, o visitante fique atento para
perceber o que ? comemorado, lembrado, mas tamb?m o que ? silenciado,
esquecido. Essa rela??o complexa entre mem?ria e esquecimento ? algo que est? presente
em todos os museus. Numa visita ao museu, o visitante pode e deve sair com
d?vidas que ele n?o tinha. O Movimento Nacional da Luta Antimanicomial existe no Brasil desde 1987
reunindo profissionais de diversas ?reas interessados em pesquisar e tratar
transtornos de s?ude mental. As primeiras manifesta?es se fizeram sentir
ainda na d?cada de 70 como uma cr?tica ao modelo assistencial centrado no
hospital psqui?trico e trouxeram ? tona as quest?es relativas ? exclus?o da
loucura em nossa sociedade. Inspirado na experi?ncia italiana de
desinstitucionaliza??o psqui?trica a partir do trabalho de Franco Basaglia e
tendo como interlocutor Michel Foucault (1926-1984), o movimento, de car?ter
social, buscou no in?cio uma humaniza??o do hospital psqui?trico atrav?s da
complementa??o deste modelo com ambulat?rios, hospitais-dia, etc; Entretanto reflex?es e pr?ticas acabaram por mostrar que a exist?ncia mesma
do hospital psqui?trico encontrava-se indissociavelmente atrelada a uma
concep??o excludente da loucura: o mito da periculosidade dos loucos assim
como o da sua incapacidade. Uma grande vit?ria nesta luta aconteceu em 2001 quando o Senado aprovou o
Projeto de Lei n? 10.216 de autoria do deputado Paulo Delgado (PT/MG) que
prev? a extin??o progressiva dos manic?mios. O Movimento Nacional Da Luta Antimanicomial trabalha por uma dimens?o social
mais aberta e coletiva de se conceber e tratar a doen?a mental buscando
assegurar os direitos civis, pol?ticos e sociais dos que sofrem com
transtorno mental. O movimento, amparado por esta dimens?o social, entende
que a produ??o da loucura que aparece em alguns n?o pode ser observada por
um processo interno apenas, como se fosse algo que o indiv?duo, e s? ele,
carrega nos ombros, isolado do contexto em que foi produzido. ? justamente esta dimens?o social da loucura, trazida ? tona pelo Movimento
Nacional da Luta Antimanicomial, que nos permite sua aproxima??o com os
museus de modo geral pois ambos buscam ressaltar a import?ncia de uma
consci?ncia social onde a troca de experi?ncias e a valoriza??o das
diferen?as s?o ressaltadas como aspectos fundamentais para a constitui??o
das identidades, sejam elas coletivas ou individuais. Neste sentido o Museu da Loucura cumpre uma fun??o social que merece ser
destacada pois reaviva um cap?tulo da hist?ria da psiquiatria brasileira que
esbarra na dimens?o desumana, algo que o conhecimento especializado pode
traduzir quando n?o orientado por uma pr?tica de inclus?o social e de
constru??o da cidadania. Inaugurado em agosto de 1996, o Museu da Loucura ? parte integrante de um
plano de resgate da mem?ria hist?rica de Barbacena, atrav?s do projeto
Mem?ria Viva desenvolvido pela Funda??o Municipal de Cultura de Barbacena ?
FUNDAC e financiado com recursos da Prefeitura Municipal de Barbacena. Circulando pelas cinco salas do Museu o visitante poder? observar objetos,
documentos, fotografias, sons e imagens percorrendo uma trajet?ria dif?cil,
dolorosa, sem atalhos onde poder? compreender melhor os caminhos e os
descaminhos do tratamento psqui?trico estabelecido em Minas Gerais desde
1900 quando foi criada, pelo Governo Francisco Sales, a Assist?ncia aos
Alienados em nosso Estado. Alguns talvez, ao final da visita, saiam com falta de f?lego. Mas quem sabe
n?o saiam, tamb?m, felizes ao perceberem que aquele passado t?o doloroso
ser? sempre lembrado como parte de uma estrat?gia, um esfor?o para que nunca
mais se repita. E que ele, o visitante, agora sabe que faz parte desta
hist?ria e da sua responsabilidade no tempo presente e futuro. Servi?o: Museu da Loucura. Rodovia MG 265 Km 5. Barbacena. (32) 3332 1477.
Hor?rio: Segunda a sexta de 8h ?s 12h e das 13h ?s 18h.
* Muse?loga. Mestranda em Hist?ria da Cultura, PUC/RJ.
Agrade?o ao
ex-professor e amigo M?rio Chagas pela sugest?o deste artigo.