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Idiotice sonora


O que motiva uma pessoa a gastar um dinheir?o para adaptar uma aparelhagem de som no carro, dotada de tal pot?ncia que d? para animar uma festa num gin?sio para centenas de pessoas?

Que esp?cie de prazer ela sente com esta encena??o ao dirigir ouvindo sua m?sica preferida a um volume que atinge um raio de varios quarteir?es, atraindo para si olhares curiosos de uns e indigna??o de outros?

Resposta: a necessidade extravagante, escandalosa e agressivamente desafiadora de anunciar a sua presen?a no peda?o.

Esta foi a conclus?o simples, r?pida e sem maiores elocubra?es psicanal?ticas a que chegou um grupo de amigos, reunidos em torno de uma cervejada semanal, noite dessas, no Esta??o Grill, em frente ? Churrasqueira, ambos na esquina onde se concentra o grande movimento noturno nos Altos Passos.

(Um par?nteses para dizer que no Bar do T?ia (assim conhecido pelos mais ?ntimos do dono do Esta??o) ocorre a maior concentra??o de mulheres jovens bonitas por metro quadrado da cidade, a partir de 21h, quando come?a a ser dif?cil encontrar lugar. N?o vale entrar nessa rela??o dos ambientes preferidos pela mo?ada esbelta e elegante o Privil?ge, que concorre em outra ?rea, que n?o a de bares e restaurantes: a das casas noturnas sofisticadas situadas no eixo Rio-S?o Paulo-Nova York-Londres-Paris).

Fechado o par?nteses para registrar o deslumbramento que ? o desfile das freq?entadoras do Esta??o, voltemos ? quest?o levantada pelo grupo, quando foram interrompidos na troca de id?ias sobre futebol, por um som pesado, ritmado, um tum-tum-tum tribal, que se aproximava crescente, emitido do interior de um carro, em volume ensurdecedor, inc?modo, para quem estava de fora - imagine-se para quem se encontrava no seu interior.

O jovem motorista chegou a parar por um momento o ve?culo, um Vectra branco - presente do pai, por dedu??o natural diante da idade aparente -, pouco se importando com o atravancamento do tr?nsito que provocava com sua lentid?o em seguir em frente. Era a sua estrat?gia para que o tum-tum-tum se espalhasse mais fortemente pela ?rea, e ficasse bem registrada a sua passagem entre os freq?entadores do Esta??o e da Churrasqueira, antes de prosseguir nas andan?as pela night, atr?s de mais ouvintes e espectadores de seu exibicionismo idiota.

Outra conclus?o entre os amigos, esta mais pesarosa do que o inc?modo provocado pelo tum-tum-tum: talvez ningu?m mais, nas imedia?es, tivesse se importado com a agress?o auditiva, tanto quanto eles, todos j? avan?ados na idade dos cinq?enta em diante. "Isso ? normal" - ? bem poss?vel que 90% das pessoas assim se manifestassem ? uma pesquisa r?pida ali no Esta??o e na Churrasqueira sobre o que elas achavam da habitual sonzeira idiota.

Um dos amigos chegou a propor uma contra-ofensiva aos motoristas barulhentos que consistia em todos se espalharem ao longo da esquina, com d?zias de ovos ao alcance das m?os, e quando o pr?ximo carro-de-som se aproximasse receberia uma artilharia pesada na lataria. "Nosso argumento para justificar a agress?o 'ovacional' seria a de leg?tima defesa" - o autor da id?ia argumentou. E quando o motorista descesse do carro para tirar satisfa??o, encontraria pelo menos uns doze sujeitos prontos a arremessar mais ovos, a? contra a pessoa f?sica do infrator.

A id?ia chegou a ser considerada, naturalmente mais como piada do que propriamente como uma estrat?gia de resist?ncia ao comportamento insano dos donos de carros-de-som, e morreu ali. A constata??o da impot?ncia diante da agress?o cont?nua, repetitiva, os deixou meio tristes e desanimados em prosseguir na an?lise mais profunda do fato, e voltaram ao futebol.

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O C?digo Nacional de Tr?nsito prev? multa para quem dirige falando ao celular. A restri??o tem raz?o de ser. O reflexo do motorista, a aten??o voltada ao di?logo pelo telefone, estar? prejudicado, se lhe for solicitado uma manobra s?bita, ao se deparar, de repente, com um transeunte atabalhoado, que surgir ? frente, (a cidade est? cheia deles) ou diante de um cachorro perdido no meio da rua.

Por mais inconformado(a) que fique com a puni??o ("eu estava parado(a) no sinal" - "foi apenas um minuto para avisar ? minha filha que eu estava chegando" - "nem havia tr?nsito ?quela hora" etc), os que utilizam o celular enquanto dirigem ter?o de arcar com as conseq??ncias: a multa e os preciosos pontinhos acrescidos em seu prontu?rio de infrator.

Agora, duas perguntinhas ?s autoridades de tr?nsito:

1) Ser? que o mesmo argumento que pro?be o uso dos celulares n?o deveria valer para os que adaptam seus carros com aparelhagens de sons alucinantes, capazes de arrebentar os t?mpanos de quem viaja em seu interior - portanto, impossibilitando-o de ter a aten??o necess?ria ao que ocorre ao seu redor?

2) N?o d? para acrescentar na rela??o das infra?es um artigo que os enquadre no m?nimo com o mesmo rigor dos usu?rios do celular?

O sujeito atr?s de um volante, submetido a mil decib?is de uma m?sica (eles chamam de m?sica aquilo que ouvem...), n?o tem a m?nima chance de reagir, reflexivamente, diante de um imprevisto. Al?m do mais, pode se incluir na puni??o, como agravante, que a demonstra??o al?m de extravagante, boboca e imprudente, ? um comportamento anti-social.

Se as autoridades continuarem a permitir o desfile desses carros-de-som - a praga se alastra a cada dia -, ele se tornar? crescente e incontrol?vel. Ainda que n?o haja no CNT artigo que limite a altura dos sons no interior dos carros, um guarda de tr?nsito deveria ter a orienta??o de seus superiores para fazer sinal para o carro parar, exigir que o sujeito desligue o som, pedir a documenta??o e submeter o motorista ? uma revista completa por atitude suspeita. Afinal, n?o pode ser considerado normal um cidad?o que sente prazer em azucrinar o ouvido das pessoas.

Alguma coisa me diz, ou cheira, que se n?o h? como enquadr?-los por desrespeito ? alguma lei de tr?nsito, no m?nimo haver? de se encontrar no interior do carro ou de seus bolsos outra raz?o para puni-los...

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Na cr?nica anterior ficou a promessa de prosseguir nas andan?as pelos bares de JF. Mas passei esse tema ? frente por causa de um acidente que testemunhei, recentemente: um motorista a bordo de uma camionete aparelhada para espalhar a mil decib?is um funk que falava em bonde do mal, atropelou um cachorro, pr?ximo ? esquina de Independ?ncia com Rio Branco. O choque contra a lataria fez o motorista parar o carro, para verificar o acidente, mas sem a preocupa??o de diminuir o som. E foi isso que fez com que o acidente se tornasse mais desumano e deixasse nas pessoas que o presenciaram o medo de aquele elemento (v? l? o jarg?o policial) ? um bandido, at? prova em contr?rio - n?o propriamente por ter matado um c?o perdido no tr?nsito - isso acontece -, mas pelas suas credenciais exibidas no desenrolar do fato: a letra da m?sica que ele fazia quest?o que todos ouvissem, o nariz empinado encarando as pessoas chocadas e a sua insensibilidade demonstrada na ?nica palavra pronunciada, antes de seguir caminho. Tenho certeza que os leitores saber?o qual, sem necessidade de repet?-la aqui para encerrar essas considera?es sobre a idiotice sonora e o perigo que os motoristas que fazem quest?o de divulg?-la representam para a sociedade.