Que esp?cie de prazer ela sente com esta encena??o ao dirigir ouvindo sua
m?sica preferida a um volume que atinge um raio de varios quarteir?es,
atraindo para si olhares curiosos de uns e indigna??o de outros? Resposta: a necessidade extravagante, escandalosa e agressivamente
desafiadora de anunciar a sua presen?a no peda?o.
Esta foi a conclus?o simples, r?pida e sem maiores elocubra?es
psicanal?ticas a que chegou um grupo de amigos, reunidos em torno de uma
cervejada semanal, noite dessas, no Esta??o Grill, em frente ?
Churrasqueira, ambos na esquina onde se concentra o grande movimento noturno
nos Altos Passos. Fechado o par?nteses para registrar o deslumbramento que ? o desfile das
freq?entadoras do Esta??o, voltemos ? quest?o levantada pelo grupo, quando
foram interrompidos na troca de id?ias sobre futebol, por um som pesado,
ritmado, um tum-tum-tum tribal, que se aproximava crescente, emitido do
interior de um carro, em volume ensurdecedor, inc?modo, para quem estava de
fora - imagine-se para quem se encontrava no seu interior.
O jovem motorista chegou a parar por um momento o ve?culo, um Vectra branco
- presente do pai, por dedu??o natural diante da idade aparente -, pouco se
importando com o atravancamento do tr?nsito que provocava com sua lentid?o
em seguir em frente. Era a sua estrat?gia para que o tum-tum-tum se
espalhasse mais fortemente pela ?rea, e ficasse bem registrada a sua
passagem entre os freq?entadores do Esta??o e da Churrasqueira, antes de
prosseguir nas andan?as pela night, atr?s de mais ouvintes e espectadores de
seu exibicionismo idiota.
Um dos amigos chegou a propor uma contra-ofensiva aos motoristas barulhentos
que consistia em todos se espalharem ao longo da esquina, com d?zias de ovos
ao alcance das m?os, e quando o pr?ximo carro-de-som se aproximasse
receberia uma artilharia pesada na lataria. "Nosso argumento para
justificar a agress?o 'ovacional' seria a de leg?tima defesa" - o autor
da id?ia argumentou. E quando o motorista descesse do carro para tirar
satisfa??o, encontraria pelo menos uns doze sujeitos prontos a arremessar
mais ovos, a? contra a pessoa f?sica do infrator.
A id?ia chegou a ser considerada, naturalmente mais como piada do que
propriamente como uma estrat?gia de resist?ncia ao comportamento insano dos
donos de carros-de-som, e morreu ali. A constata??o da impot?ncia diante da agress?o cont?nua, repetitiva, os
deixou meio tristes e desanimados em prosseguir na an?lise mais profunda do
fato, e voltaram ao futebol. O C?digo Nacional de Tr?nsito prev? multa para quem dirige falando ao
celular. A restri??o tem raz?o de ser. O reflexo do motorista, a aten??o
voltada ao di?logo pelo telefone, estar? prejudicado, se lhe for solicitado
uma manobra s?bita, ao se deparar, de repente, com um transeunte
atabalhoado, que surgir ? frente, (a cidade est? cheia deles) ou diante de
um cachorro perdido no meio da rua. Por mais inconformado(a) que fique com a puni??o ("eu estava parado(a)
no sinal" - "foi apenas um minuto para avisar ? minha filha que eu
estava chegando" - "nem havia tr?nsito ?quela hora" etc), os que
utilizam o celular enquanto dirigem ter?o de arcar com as conseq??ncias: a
multa e os preciosos pontinhos acrescidos em seu prontu?rio de infrator.
Agora, duas perguntinhas ?s autoridades de tr?nsito: 1) Ser? que o mesmo argumento que pro?be o uso dos celulares n?o deveria
valer para os que adaptam seus carros com aparelhagens de sons alucinantes,
capazes de arrebentar os t?mpanos de quem viaja em seu interior - portanto,
impossibilitando-o de ter a aten??o necess?ria ao que ocorre ao seu
redor?
2) N?o d? para acrescentar na rela??o das infra?es um artigo que os
enquadre no m?nimo com o mesmo rigor dos usu?rios do celular? Se as autoridades continuarem a permitir o desfile desses carros-de-som - a
praga se alastra a cada dia -, ele se tornar? crescente e incontrol?vel.
Ainda que n?o haja no CNT artigo que limite a altura dos sons no interior
dos carros, um guarda de tr?nsito deveria ter a orienta??o de seus
superiores para fazer sinal para o carro parar, exigir que o sujeito
desligue o som, pedir a documenta??o e submeter o motorista ? uma revista
completa por atitude suspeita. Afinal, n?o pode ser considerado normal um
cidad?o que sente prazer em azucrinar o ouvido das pessoas.
Alguma coisa me diz, ou cheira, que se n?o h? como enquadr?-los por
desrespeito ? alguma lei de tr?nsito, no m?nimo haver? de se encontrar no
interior do carro ou de seus bolsos outra raz?o para puni-los...
O que motiva uma pessoa a gastar um dinheir?o para adaptar uma aparelhagem
de som no carro, dotada de tal pot?ncia que d? para animar uma festa num
gin?sio para centenas de pessoas?
Na cr?nica anterior ficou a promessa de prosseguir nas andan?as pelos bares
de JF. Mas passei esse tema ? frente por causa de um acidente que
testemunhei, recentemente: um motorista a bordo de uma camionete aparelhada
para espalhar a mil decib?is um funk que falava em bonde do mal, atropelou
um cachorro, pr?ximo ? esquina de Independ?ncia com Rio Branco. O choque
contra a lataria fez o motorista parar o carro, para verificar o acidente,
mas sem a preocupa??o de diminuir o som. E foi isso que fez com que o
acidente se tornasse mais desumano e deixasse nas pessoas que o presenciaram
o medo de aquele elemento (v? l? o jarg?o policial) ? um bandido, at? prova
em contr?rio - n?o propriamente por ter matado um c?o perdido no tr?nsito -
isso acontece -, mas pelas suas credenciais exibidas no desenrolar do fato:
a letra da m?sica que ele fazia quest?o que todos ouvissem, o nariz empinado
encarando as pessoas chocadas e a sua insensibilidade demonstrada na ?nica
palavra pronunciada, antes de seguir caminho. Tenho certeza que os leitores
saber?o qual, sem necessidade de repet?-la aqui para encerrar essas
considera?es sobre a idiotice sonora e o perigo que os motoristas que fazem
quest?o de divulg?-la representam para a sociedade.