Zé Celso rebate Michelle Bolsonaro em 'Fausto'

Por BRUNO CAVALCANTI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Um milagre." É como "Fausto na Travessia Brasileira", novo espetáculo do Oficina, é celebrado nos bastidores da montagem que chega agora ao teatro do Sesc Pinheiros. São dez atores, sete músicos e mais de 30 pessoas na produção da versão de José Celso Martinez Corrêa e Fernando de Carvalho para o mito do médico alemão que faz um pacto com o Diabo.

Ancestral, o mito foi passado entre as gerações por meio da oralidade até ganhar um primeiro registro no final do século 16, pelo dramaturgo britânico Christopher Marlowe. Foi então reinterpretado por autores como os alemães Thomas Mann e Goethe, que transformaram a história em uma das peças mais celebradas da dramaturgia ocidental.

Mas é a versão completamente reinventada de Marlowe que entra em cena em São Paulo. "É diferente, uma adaptação muito corajosa no aqui e agora", afirma o veterano Zé Celso, que, aos 85 anos, estabeleceu uma parceria com o jovem dramaturgo e diretor brasiliense Fernando de Carvalho, egresso do coletivo Liquidificador.

"Ele é todo em rima, virou uma espécie de opereta, é um musical sem ser musical, todo mundo canta", diz Zé Celso.

Em plena produção, o artista encenou nos últimos anos obras como "Paranoia", um tratado do período pandêmico, e recuperou títulos clássicos, como "Esperando Godot" e "Roda Viva". "Fausto", contudo, não estava em seus planos. "Zé caiu de paraquedas nessa produção", diz Ricardo Bittencourt, idealizador e estrela da montagem, acrescentando que o texto foi apresentado a ele há dez anos pela atriz Bete Coelho e o psicanalista Contardo Calligaris, morto no ano passado.

Embora baseado numa obra medieval, "Fausto na Travessia Brasileira" atualiza o mito, no que Bittencourt acredita ser a melhor versão da história. "O Zé resolve questões da Idade Média que hoje já não cabiam, como a briga entre bem e mal, a relação com Deus. No original, ele morre porque fez um pacto. Aqui ele encontra um jeito de se salvar, porque Deus e Diabo estão dentro dele. Essa é a genialidade da adaptação."

Não são apenas as questões existenciais que atualizam a montagem. Zé Celso buscou lembranças das origens do Teatro Oficina, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, para concentrar os 24 anos que Fausto ainda tem de vida após o pacto com Mefistófeles.

O autor faz conexões entre a morte de Getúlio Vargas, em 1954, atrasando o golpe de Estado que estouraria dez anos depois, e a Carta pela Democracia, que ganhou leitura na manhã desta quinta-feira.

"Os atores vêm da manifestação, trazendo a informação do que está acontecendo para o 'Fausto', fazendo relação com o golpe que Getúlio, com o tiro no peito, segurou, e foi importante para a minha geração, porque sem isso não haveria bossa nova, Teatro Oficina, cinema novo", afirma o diretor, que traça ainda uma relação do espetáculo com o metaverso e com a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

"Ela vive dizendo que a esquerda é o Diabo. Nós devolvemos a bola, porque o Diabo é muito contemporâneo. O mito do inferno mostra um lugar de sofrimento, onde falta tudo. Isso é o próprio Brasil, é esse inferno que vivemos nesses últimos quatro anos."

"Tudo se conecta porque Fausto busca esse pacto, porque deseja um conhecimento exagerado. O Brasil é isso hoje. As pessoas querem saber menos, mas há excesso de informação, e nós somos bombardeados o tempo todo", afirma Carvalho.

Traduzida e adaptada em 20 dias, a montagem promove ainda o reencontro de Zé Celso com Leona Cavalli, que estreou nos palcos na pele da jovem Ofélia, na visão do diretor para "Hamlet", em 1993. Ela dá vida a Mefistófeles, que media os acordos que resultam na venda das almas humanas.

"Se você perguntar o que as pessoas querem para o mundo, todos dirão coisas maravilhosas, paz, amor. Então por que o mundo está do jeito que está? É o que o Zé traz", diz ela.

*

Fausto

Direção: José Celso Martinez Corrêa.

Com: Ricardo Bittencourt, Leona Cavalli e Marcelo Drumond.

Onde: Sesc Pinheiros - r. Paes Leme, 195, São Paulo.

Classificação indicativa: 16 anos.

Quando: Sex. e sáb., às 20h; e dom., às 18h. Até 11 de setembro.

Quanto: De R$ 12 a R$ 40, em sesc.org.br