Bienal de São Paulo traz dança como ponto de partida para imaginações radicais

Por DIANE LIMA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Como corpos em movimento são capazes de coreografar o possível, dentro do impossível? A proposta para a 35ª Bienal de São Paulo surge como um projeto comum, ao redor de múltiplas possibilidades que há de coreografar o impossível. Como o título sugere, trata-se de um convite às imaginações radicais a respeito do desconhecido, ou mesmo do que se figura no marco das (im)possibilidades.

Tomamos o termo coreografia para realçar a prática de desenhar sequências de movimentos que atravessam o tempo e o espaço, criando várias e novas frações, formas, imagens e possibilidades, apesar de toda inviabilidade, de toda negação.

Neste caso, nos interessam os ritmos, as ferramentas, as estratégias, tecnologias e procedimentos simbólicos, econômicos e jurídicos que saberes extradisciplinares são capazes de fomentar, e assim produzir a fuga, a recusa e seus exercícios poéticos.

E aqui apresentamos o impossível de modo indefinido, pois compreendemos que suas violências generativas estão também além do que a gente pode imaginar. São muitas vezes imensuráveis, muitas vezes indescritíveis e inimagináveis. Nos preocupa, portanto, descrever, sem reencenar.

E é assim que já começa o ensaio à coreografia. Enquanto proposta curatorial, coreografias do impossível se articula como um espaço de experimentação, aberto às danças do inimaginável, que se encarna em movimentos capazes de transformar o aparentemente não existente em existente.

Essa ideia de coreografia se baseia na natureza enigmática do fato artístico e, portanto, em tudo aquilo que não está esgotado nem evidente. No que podemos nomear como segredo, mistério ou o próprio infinito. Esses são elementos resilientes, portanto de ruptura, e consequentemente de uma tentativa de liberdade.

A equipe curatorial da Bienal é composta pelas pessoas (aqui em sequência alfabética) Diane Lima, Grada

Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel, que se apresentam como um coletivo e atuam de maneira horizontal, numa contradança.

Para nós, as coreografias começam com a nossa prática, que tem como princípio a tentativa de romper hierarquias, procedimentos éticos e normativos que encenam estruturas verticais de poder, valor e violência dos dispositivos institucionais --as quais, todas sabemos, a verdade é que o mundo já não sustenta mais.

E como coreografar as coreografias do impossível? Onde estão situadas essas coreografias? Como olhar para elas? E como elas colapsam as categorias estéticas do pensamento moderno, criando uma imagem fractal onde o político, o histórico, o orgânico, o físico, o emocional e o espiritual se unem?

Quando e como o trabalho, a frequência, o calor, a capacidade sônica e a matéria passam a ser parte dessa coreografia? E como criar novos movimentos, alterando as velocidades e as dimensões do tempo? Como saber quando se deve atrasar, acelerar ou até mesmo parar?

Este primeiro momento começa de fato como um ensaio, um ensaio de movimentos dedicados a escrever e apagar palavras, termos e conceitos, que criam uma constelação de pensamentos e ações para encontrá-los.

Este ensaio se refere aos gestos de aprofundar, compactuar, colapsar e aproximar os arcabouços teóricos, as referências simbólicas e repertórios estéticos que conformam a própria coletividade que somos. E, mais do que isso, ecoam as ressonâncias de um coletivo que nos ultrapassa e se expande com

os diálogos que viemos realizando com outras pensadoras, artistas, pesquisadoras, ativistas, curadoras e poetas.

Entendemos este momento então como a primeira coreografia do nosso projeto curatorial. É a singularidade deste ensaio, que se desgarra entre fronteiras, que nos permitirá desdobrar as redes da 35ª Bienal de São Paulo de modo extradisciplinar e extrainstitucional.

E que neste momento se centra na questão --seria possível criar redes que extrapolam um movimento expansivo e espacial, mas que, na contramão, tenham como ponto de partida a escuta, as políticas de redistribuição e o cuidado com pessoas, espaços e territórios que são, em si, as próprias coreografias do (im)possível que habitam os limites institucionais?

Inspirando-se em percepções não lineares nem progressivas sobre o tempo, a 35ª Bienal de São Paulo propõe ainda uma reflexão sobre como diferentes registros de temporalidade podem gerar outros modos de produzir, sentir, expor e nos relacionarmos com práticas artísticas. Tempos espiralares, fractais, curvos; cadências que movimentam corpos, dilatam e contraem espaços, e que não cabem, portanto, em cronologias ou sequenciamentos. Esse conjunto imensurável de possibilidades de viver o tempo está no centro de nosso interesse curatorial.

É este movimento espiralar que propomos, o desenvolvimento do caráter performativo e processual dos processos curatoriais e artísticos. Digamos que esta é uma Bienal sobre a criação do possível, num mundo governado de impossibilidades. Este é o nosso desenho coreográfico.