Como Erasmo Carlos, com Jovem Guarda, cruzou a TV e se aventurou no cinema
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Não há como pensar na Jovem Guarda sem a televisão. E, portanto, não há como pensar na carreira de Erasmo Carlos, morto nesta terça-feira (22) aos 81 anos, sem descolar seu rosto das telinhas, que o exibiram ostensivamente entre 1965 e 1968 no programa que carregava o nome do movimento.
Transmitido pela TV Record e a TV Rio, o Jovem Guarda era apresentado pelo inseparável trio formado por Erasmo, Roberto Carlos e Wanderléa, no lugar do domingo à tarde que, antes, era reservado ao futebol.
Juntos, eles causaram furor e tomaram a audiência de assalto, chegando aos televisores das principais cidades do país por meio do videotape, diretamente do estúdio da rua da Consolação, em São Paulo.
O sucesso televisivo não existiria sem a boa música, mas também é verdade que esta talvez não alcançasse tantos ouvidos não fosse o programa.
Sob influência do rock and roll dos anos 1950 e 1960, Erasmo, Roberto e Wanderléa foram os primeiros músicos brasileiros com carreiras impulsionadas pela TV, não mais pelo rádio, como era praxe até então. Foram nomes essenciais para fundar a relação íntima da qual, até hoje, música e televisão gozam.
O Jovem Guarda ajudou a abrir caminho para que programas de auditório tivessem como grandes chamarizes os convidados musicais e para que, mais tarde, o Fantástico se firmasse como plataforma de lançamento para canções, clipes e shows, por exemplo.
Com o trio, os televisores se tornaram indispensáveis para o sucesso. Mas, para além de provocar uma revolução na indústria, o Jovem Guarda e a Jovem Guarda, programa e movimento musical, redefiniram ainda a juventude no país.
"Beatlemania" brasileira, ela inspirou os hábitos de comportamento e de consumo da adolescência dos anos 1960, que via Erasmo, Roberto e Wanderléa nas telinhas e os copiava sem qualquer pudor -de forma semelhante ao que acontecia com sua inspiração estrangeira, o rock, lá fora.
Não foi só na tela de casa que a trupe teve jornada de sucesso -o cinema, também, foi terreno para uma carreira singular. Roberto e Erasmo já tinham feito uma ponta nas telonas na chanchada "Minha Sogra É da Polícia", de 1958, como parte de uma banda de rock fictícia liderada por Cauby Peixoto --ideia de ninguém menos que o produtor Carlos Imperial.
Dez anos depois, em outro patamar da carreira, Roberto estrelaria "Roberto Carlos em Ritmo de Aventura" --o primeiro de uma trilogia de grande sucesso dirigida e produzida por Roberto Farias, que renderam álbuns com suas trilhas sonoras, com faixas como "Eu Sou Terrível".
Erasmo não participou dessa primeira incursão, que copiava o ritmo frenético do filme "Socorro!", dos Beatles, de 1965. Mas ainda em 1968 seria feito "Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa", e Erasmo brilharia como braço direito do amigo-título.
Mesmo com menos tempo de tela, ele e Wanderléa aparecem correndo em perseguições, seja com roupas de cowboy ou de gutra árabe, viajando entre o Japão, Israel e sobrevoando o Rio de Janeiro de helicóptero em busca de um tesouro. O vilão das histórias, Pierre, era vivido por José Lewgoy, astro de grandes chanchados nos anos 1950.
A parceria se repetiria em "Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora", de 1971. Apesar de algumas rusgas nos bastidores entre Roberto e Erasmo --este era visto como mais espontâneo em relação ao Rei bem comportado, avesso a polêmicas apesar do rock and roll--, o astro principal acabou se aproveitando da presença de cena do amigo para se soltar e buscar um desempenho mais convincente.
"O Erasmo é um ator incrível, sempre me engolia nos nossos filmes", disse Roberto, após a estreia do terceiro filme, segundo registro da biografia "Por Isso Essa Voz Tamanha", de Jotabê Medeiros.
Já sem Roberto para roubar a cena, Erasmo teria destaque em "Os Machões", de 1972, ao lado de Flávio Migliaccio e Reginaldo Faria, que também assinava a direção. A comédia rendeu o troféu da Associação Paulista de Críticos de Arte, a APCA, como melhor coadjuvante masculino daquele ano.
Faria ainda uma ponta em "O Cavalinho Azul", de 1984, dirigido por Eduardo Escorel, e retornaria com destaque em "Paraíso Perdido", de 2018, sob o comando de Monique Gardenberg.
No melodrama, Tremendão interpreta José, dono da boate do título, que ficou parada no tempo. Mais uma reverência à música brega do que propriamente ao rock, o longa tinha ainda a participação de Odair José.
A última participação de Erasmo em produções de cinema foi em "Modo Avião", de 2020, protagonizado por Larissa Manoela. Nela, a atriz interpreta uma influenciadora que, como castigo, é obrigada a se isolar na casa do avô, vivido pelo músico.
Em 2019, apesar de não aparecer no filme, Erasmo teve sua biografia ficcionalizada em "Minha Fama de Mau", com Chay Suede no papel do Tremendão. Acompanhados pela banda de Erasmo, os atores destrincham a história de algumas músicas e cantam clássicos como "Prova de Fogo", "Festa de Arromba" e "Devolva-me".
"Foi muito divertido reinterpretar essas músicas, buscando pontos de conexão com os intérpretes originais e, ao mesmo tempo, podendo dar a nossa cara, dos dias de hoje", disse Suede a este jornal na época do lançamento do filme.