Paraty quer que Flip volte a ser em julho, mas mudança depende de lei Rouanet
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - Nas ruas de Paraty, a alegria é perceptível com a volta da Flip, após uma pandemia que levou a festa literária presencial a dois anos de hiato. Mas a maioria das pessoas prefere o evento em julho, como costumava ser, do que nos dias quentes e abafados de novembro.
Se dependesse só da vontade da própria direção da feira literária, dos lojistas e hoteleiros de Paraty, a Flip se realizaria em julho ou agosto em 2023. Quando realizada nessa época, o evento acaba criando mais uma "alta temporada" -em novembro, esse movimento já existe.
Mas tudo depende de mudanças na lei de incentivo à cultura, estrangulada durante o governo Bolsonaro, e da rapidez com que a feira vai conseguir captar recursos. A estimativa mais realista é que a Flip seja realizada em setembro do ano que vem.
A feira literária de Paraty tradicionalmente era realizada no final de junho ou em julho. Em 2020 e 2021, por causa da pandemia, o evento acabou se realizando de forma virtual no fim de novembro e início de dezembro.
Em 2022, segundo Mauro Munhoz, diretor artístico da Flip, demorou muito para a Secretaria Especial de Cultura do governo federal liberar a captação de recursos pela Lei Rouanet. A lei permite que empresas destinem até 4% dos impostos que deveriam pagar para projetos culturais previamente aprovados pela secretaria da Cultura.
Normalmente, levava de dois a três meses para sair a decisão do governo sobre projetos de captação pela Lei Rouanet. Em 2022, levou 9 meses, segundo Munhoz. Agora, eles já entraram com pedido na secretaria, mas não sabem quando sairá a decisão e eles irão iniciar a captação.
"Gostaríamos muito de voltar para julho e agosto, mas ainda não temos liberação das leis de incentivo", disse Munhoz à Folha. "Não é só porque começa um novo governo que vai normalizar rapidamente, vai levar um tempo para reestruturar."
Segundo Munhoz, a feira conseguia aprovar captação de cerca de R$ 8 milhões pela Lei Rouanet nos últimos anos, mas, para este ano, o governo aprovou apenas R$ 4 milhões. O orçamento total da Flip em 2022 ficou em cerca de R$ 6 milhões, insuficiente, na opinião do diretor artístico da feira. Muito disso, diz ele, foi " escambo", cessão de espaços e iluminação pela prefeitura, por exemplo, que antes injetava dinheiro.
"Se não der tempo para captar o necessário até julho, teremos que fazer um pouco mais para frente, mas não é ideal para a cidade", diz Munhoz.
Neste ano, por ser pós-pandemia, o comércio e a rede de hotéis de Paraty entendeu que foi o único jeito de fazer a Flip. "Mas preferimos que volte à data original, porque no mês de novembro já temos dois feriados e é o começo da alta temporada", diz Sebastian Buffa, presidente do Paraty Convention and Visitors Bureau, que reúne 95 empresas ligadas ao turismo - hotéis, pousadas, restaurantes, lojas e agências que oferecem passeios.
Durante a pandemia, Paraty fechou completamente todas as atividades por cinco meses em 2020 e depois foi abrindo gradualmente. A cidade viveu uma alta no movimento a partir do fim de 2020, porque muitos turistas de alta renda que não podiam fazer viagens internacionais por causa das restrições sanitárias acabaram indo para a cidade, um destino com hotéis e pousadas de alto padrão.
"Foi ótimo, mas sabíamos que seria temporário, ia cair quando abrissem as fronteiras", diz Buffa. Segundo ela, o movimento de turistas estrangeiros em Paraty ainda está cerca de 50% abaixo do que era, mas o de brasileiros voltou ao normal.
A taxa de ocupação dos hotéis durante a Flip era, tradicionalmente, de quase 100%. Desta vez, ia se igualar, mas com o ressurgimento da Covid houve cancelamentos de reservas, por pessoas preocupadas com a doença e outras que testaram positivo. Buffa estima que a ocupação tenha ficado entre 85% e 90%.
A previsão dele é que cerca de 50 mil pessoas tenham vindo para a Flip e a programação paralela. Parte dessas pessoas não se hospeda em Paraty, fica em cidades vizinhas, onde os preços são mais em conta.
Os preços explodem em Paraty durante a Flip. Os hotéis e pousadas chegam a elevar em até 50% o preço das diárias durante a Flip. Uma lata de Coca-Cola era vendida a R$ 8 em lanchonete no centro histórico. Pratos individuais a R$ 100 eram comuns em restaurantes mais sofisticados, que chegavam a ter uma hora de fila de espera.
O ingresso para cada mesa da Flip também ficou mais caro, chegando a R$ 120. Na última edição presencial, há três anos, era preciso desembolsar R$ 55 para entrar.
A Pousada do Sandi, por exemplo, uma das mais tradicionais da cidade, estava lotada. Rebatizada para Hotel do Sandi após reforma, ela cobrava R$ 1200 na diária mais barata durante a Flip. Felix Romero Jorge, gerente de relacionamento com clientes do hotel, festejou a volta da feira presencial à cidade.
As editoras também torcem para que a Flip volte a ser realizada no inverno, porque gera uma "alta estação extra". "Prefiro julho, pelo clima e maior distância do fim do ano, um momento tradicionalmente já agitado para o mercado editorial", diz Otávio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras.
Segundo Ana Flávia Moro, vendedora da cachaçaria Cana Caiana, sem a Flip, o movimento em Paraty em julho deste ano foi muito fraco. "Além disso, em novembro chove e faz muito calor, e algumas casas onde fazem eventos não têm ar-condicionado, não dá para ficar quando está cheio de gente".
Mas há quem não reclame. Agências e operadoras que oferecem passeios de barco, por exemplo, viram um ganho em relação a julho. Quando o festival é realizado no inverno, turistas compram menos passeios, diz Buffa, que é dono de uma operadora de passeios.
A empresária Cristina Pinho de Almeida, que vem à Flip desde 2010, não achou a mudança ruim. "Dá para assistir às mesas e ir à praia, eu achei bom. O importante é que a Flip voltou a Paraty."