Crônica é a prima pobre da literatura brasileira, diz Cidinha da Silva na Flip

Por NAIEF HADDAD

PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - "Saúdo os meus ancestrais que construíram Paraty e não puderam desfrutar dela. Saúdo os meus irmãos que varrem as pedras das ruas da cidade e limpam as pousadas", disse Cidinha da Silva, um dos principais nomes da literatura negra contemporânea no país.

Era sua primeira participação em "Encruzilhadas do Brasil", a penúltima mesa da programação oficial da Flip, neste domingo (27). Em seguida, a escritora fez um pedido a Exu, orixá associado à comunicação. Que a divindade, rogou Cidinha, "temperasse com mel minha língua ferina e meu coração andarilho".

Autora de livros de crônicas, como "Exuzilhar", de 2019, com edição ampliada deste ano, e contos, como "Exu em Nova York", de 2018, ela participou do debate ao lado do escritor e professor de literatura brasileira Cristhiano Aguiar, que lançou neste ano "Gótico Nordestino", uma reunião de contos. A mediação ficou a cargo da livreira e curadora Nanni Rios.

Com a língua devidamente temperada com mel, Cidinha enfatizou a importância das crônicas e das editoras independentes ao longo das suas intervenções. Foi acompanhada por Aguiar nos elogios.

As crônicas predominam na extensa produção da escritora, que tem 20 livros publicados. "A crônica é a prima pobre da literatura brasileira", afirmou. "É também uma atitude política valorizar o gênero."

Cidinha leu "Delegado", texto de "Exuzilhar" em que homenageia o histórico mestre-sala da Mangueira. "Seu Delegado evoluía, lépido, no passo manso dos 90 anos. Era a joia da coroa bantu carioca, pavoneando o cata-vento verde e rosa."

Aguiar, com um trabalho mais voltado aos contos, lembrou que a crônica é muitas vezes a porta de entrada de jovens leitores para o universo da literatura.

Ambos também ressaltaram a relevância das pequenas e médias editoras para o mercado literário brasileiro. Algumas delas, aliás, estavam representadas em Paraty, como Kotter, do Paraná, a Malê e a Pallas, do Rio de Janeiro, e a Mondru, de Goiás.

"Apostas em projetos radicais são, em geral, feitas pelas editoras independentes. Publiquei meu último livro, 'Gótico Nordestino', pela Alfaguara, do grupo Companhia das letras, mas tenho enorme respeito pelas pequenas", afirmou Aguiar.

"São as pequenas e as médias editoras as responsáveis pelo que a gente chama de bibliodiversidade. Também são elas quem mais têm trazido ao Brasil os autores africanos", acrescentou Cidinha.

Em mesa no sábado (26), o romancista Bernardo Carvalho disse que a "literatura escapa desse lugar-comum do reconhecimento, não há regras. Não haveria interesse se não fosse assim".

No debate deste domingo, Aguiar fez uma avaliação semelhante: "A literatura é indomável, não pode ser colocada em molduras. As teorias jamais conseguem explicá-la totalmente."