"O Nome Delas": Exposição aborda a fotografia como um meio de reconstrução da identidade
Grupo de oito mulheres atendidas pela Casa da Mulher recebe álbuns que são resultado de vivência com imagens produzidas dentro do equipamento público de acolhimento
Para algumas pessoas, entregar um presente é uma grande responsabilidade. Envolve ouvir, entender, observar, apreender e ler o que outra pessoa gosta de fazer, o que ela gosta de usar, o que a deixa feliz, como ela se vê e qual é o ponto de vista dela sobre o mundo. Por meio do projeto “O Nome Delas”, a fotógrafa Ana Cláudia Ferreira entrega de presente, nesta quinta-feira (8), às 19h, álbuns de fotografias para oito mulheres, que em parceria com a Casa da Mulher participaram de uma vivência do registro fotográfico. A exposição fica aberta para visitação até o dia 2 de janeiro, na Galeria Ruth de Souza, no Teatro Paschoal Carlos Magno, onde o público poderá manusear as coletâneas de imagens feitas por Ana, que receberam intervenções das mulheres fotografadas.
A trajetória desse projeto, apoiado pelo Programa Murilo Mendes da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa), começou em 2017, quando Ana iniciou o trabalho de fotografia com mulheres cis e trans. Essa experiência, de acordo com a artista, deu a ela uma percepção de como a autoimagem pode ressignificar o corpo que conta histórias. Partindo dessa análise, Ana decidiu buscar recursos públicos, que pudessem ser utilizados para levar o projeto a quem não tinha como pagar, porque as bolsas não eram suficientes.
Quando teve sua proposta aprovada no edital da Lei Murilo Mendes de 2019, em meio a pandemia de Covid-19, as incertezas adiaram todos os planos de composição do trabalho, já que não havia como fotografar com segurança à época e também não havia previsão de quando o recurso seria liberado. O que ela tinha delineado em mente e que permanecia como prioridade era estar voltada para mulheres em situação de vulnerabilidade.
“Retomei no final de 2021 o projeto e como aumentou o número de casos de violência doméstica, entendi que seria o corte ideal para fazer. Na verdade, a gente tinha a proposta de fotografar essas mulheres num ambiente caseiro, mas essa estética,nesse lugar que elas estão passando por violência, não seria possível.” Naquele momento, Ana foi apresentada ao trabalho realizado na Casa da Mulher Maria da Conceição Lammoglia Jabour, que é um centro municipal de atendimento humanizado, especializado em casos de mulheres em situação de violência doméstica.
Em contato com a coordenadora da casa, Fernanda Moura, teve o início do desenho da parceria. Com a ajuda da equipe da Casa, oito atendidas foram selecionadas para participar do projeto. O processo segundo Ana é uma mescla do trabalho documental, que envolve a escuta e a criação de um vínculo com a retratada e, ao mesmo tempo, inclui características do ensaio, centrado na imagem das mulheres.
O resultado, conforme Ana, reflete afeto. “Recebi muito amor delas. Tenho dificuldade, às vezes, de receber afeto e foi tanto afeto, foi muito genuíno. Tem uma frase de uma delas que eu gosto muito. Ela me disse que não tem vergonha do que passou. Faz parte da história dela, mas ela quer seguir adiante. Ter passado por esse projeto (para ela) é um marco, como um fechamento de ciclo. E ela quer seguir adiante.”
Sobre a ideia que conduziu a iniciativa, a fotógrafa destaca a reconstrução da identidade, que para acontecer, depende do fortalecimento das políticas públicas existentes para mulheres vítimas de violência e da necessidade urgente de ampliar e aprimorar ainda mais o atendimento a essas mulheres.” Quando falamos de reconstruir a identidade, são elas mesmas que estão se reconstruindo. Elas têm muita gana de viver, vontade de conseguir trabalho e autonomia, é o que falta para elas seguirem adiante. Mas elas precisam de muito mais. Não é só fazer um ensaio, não é só uma coisa paliativa. Precisamos de políticas públicas para atender essas mulheres.”
Celebrar e presentear
“Eu acredito muito que a fotografia vai muito além dessa experiência de imagem, de autoestima, ela precisa estar presente em uma ação social. Ela pode realmente transformar, ao menos, um pouco, uma realidade”, reflete Ana Cláudia Ferreira. Ela explicou que a equipe destinou uma bolsa para as participantes, que receberam cachê, transporte e o que era necessário para que elas tivessem condições de viver a experiência.
“Apresentei o projeto para elas, fizemos uma entrevista individua,. E, aí, eu fui conhecendo essas mulheres e, mesmo que de uma forma rápida, fui criando um vínculo para trabalharmos as imagens”, narra. Algumas perguntas como: ‘com o que você sonha?’, ‘que história da infância você lembra?’ foram feitas. A equipe teve a preocupação de não direcionar nenhuma questão relacionada à violência que elas vivenciaram.
“Desde o início, queríamos dar um presente. Que elas se sentissem bonitas, felizes, e esse trabalho trouxesse alegrias, para que elas se conectassem com coisas boas. A história da violência não define essas mulheres e elas têm o direito de seguir. A ideia é festejar essa existência”, compartilha a fotógrafa.
Depois do processo de produção das fotos, que ocorreu dentro da Casa da Mulher, por ser um ambiente familiar para as participantes, onde elas se sentem acolhidas, elas tiveram acesso às fotos impressas e puderam realizar intervenções, como colagens e a própria escrita, trabalho conduzido pela arte educadora Gabriela Alves.
“Embora eu esteja assinando a exposição, é um trabalho coletivo. É um espaço de mediação que tem muito a participação dessas mulheres. A condução das imagens, ocorreu com total participação delas, como elas queriam ser vistas. A exposição é a materialização desse trabalho. Fizemos um álbum para cada uma, então, uma exposição que eu estou chamando de horizontal.”