Entenda os looks de Elza Soares, diva que abusou de brilho e paetê no fim da vida
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na primeira vez que se apresentou na rádio, no início da década de 1950, Elza Soares vestia uma roupa de sua mãe ajustada com alfinetes para seu corpo magro. O apresentador tentou ridicularizar a vestimenta algo precária e perguntou à jovem de que planeta ela vinha. "Do planeta fome", respondeu a caloura.
Seis décadas mais tarde, já consagrada imortal da música brasileira, Elza resolveu rememorar o episódio no figurino da turnê do disco "Planeta Fome". Ela encomendou ao estilista Alexandre Linhares um macacão preto com 3.000 alfinetes espalhados pelo corpo, como se formassem uma armadura, um look inspirado no filme "Mad Max", segundo o estilista.
"Fui espetada a vida inteira, passei fome de comida e hoje tenho outras fomes. Nesse novo figurino quis simbolizar o que sentia, o que sinto. Naquele dia só sentia os alfinetes me espetando", disse Elza, à época do lançamento do disco, em 2019.
Depois de rodar os palcos do Brasil, o figurino está agora guardado no apartamento onde Elza morava, no bairro do Recreio, no Rio de Janeiro, ao qual este jornal teve acesso. No acervo de roupas da cantora, morta há um ano, há, por exemplo, looks que ela usou no Rock in Rio de 2017, nos shows "Beba-Me" e "A Voz e a Máquina", e um de quando desfilou na Mocidade Independente de Padre Miguel.
Brilhos e paetês eram uma constante em seu guarda-roupas, afirma Isaac Silva, estilista que desenhou o vestido de "A Voz e a Máquina" e que por cinco anos vestiu a diva em aparições na televisão e em premiações. "O que ela sempre pedia é que a roupa tivesse um bom acabamento, valorizasse o busto dela, a cintura, o corpo. Ela tinha uma vontade de viver muito grande, e isso inspirava muito seus looks."
Embora o preto fosse onipresente em sua cartela de cores, Elza passou por uma fase mais plácida quando lançou o disco "Deus É Mulher". Silva, que desfilou na Casa de Criadores de 2016 uma coleção inspirada pela cantora, desenhou para ela um conjunto todo branco composto por camisa de alfaiataria, blazer e calça, que ela vestiu durante um dia de entrevistas para a imprensa na divulgação do álbum. Naquela noite, para a audição do disco, só jogou por cima um casaco branco brilhoso.
Outra das peças no acervo de Elza no Rio de Janeiro é um vestido desenhado por Ronaldo Fraga, de tule na cor verde-água, com bordados vermelhos formando flores. Originalmente o vestido era longo, mas a cantora cortou o comprimento, conta o estilista, assim como fez com várias outras roupas de sua autoria que comprou no início dos anos 2000, quando ele estava no início da carreira.
"Tenho certeza de que ninguém nunca vestiu a Elza. A Elza que se vestia. Ela deixava o estilista achar que a estava vestindo. Ela sabia que queria mostrar o peito, tinha orgulho da bunda", diz Fraga. "Se achava linda, e era mesmo."
O estilista criou um look com estampa de fósforos queimados que a cantora usou num show em Porto Alegre em que cantou Lupicínio Rodrigues. Mais para o final dessa mesma turnê, Elza apareceu com um vestido de tule com aplicação de rosas, assinado por Alexandre Linhares, o mesmo do figurino dos alfinetes.
Linhares e sua sócia forjaram boa parte da imagem pública dos últimos anos de vida da cantora. Eles também foram responsáveis pelo look do show "A Mulher do Fim do Mundo" -um macacão preto de borracha com uma ombreira com chifres e uma estrutura de correntes que saía do ombro e descia pelo corpo, até chegar ao palco. Ela vestia por baixo disso uma saia assinada por Anna Turra.
"A ideia era a de mulher apocalíptica", diz Linhares. "É como se tudo aquilo tivesse sido encontrado e ela fosse aglutinando no corpo." Para a criação desse figurino, a cantora pediu que ele se baseasse num vestido de saco de lixo que ela usou num show comemorativo na primeira posse de Lula como presidente, há 20 anos.
Olhando em retrospecto, fica claro que a cantora se interessava por design de moda e gostava de se vestir. Denner, Markito e Clodovil, por exemplo, são estilistas brasileiro clássicos que fizeram parte de seu guarda-roupas, antes de ela se voltar para a nova geração.
Mas o acervo de Elza tinha uma peculiaridade, afirma Isaac Silva. Suas peças não eram necessariamente de grandes marcas, mas sim de estilistas "que tivessem uma verdade".