Bob Wolfenson diz que ser fotografado é chato e desfaz glamour dos retratos
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Captação da alma é balela", disse Bob Wolfenson neste domingo (11), na Feira do Livro, enquanto fazia uma retrospectiva de sua carreira. "As pessoas acham que foto boa é foto descontraída. Eu discordo. O fotógrafo é especialista em breves encontros."
Em "O Livro Falado", Wolfenson traz ao lado das fotos falas sobre erros. "A história precede a imagem", diz. Falar sobre a publicação o fez retomar seus trabalhos na revista Playboy, quando ainda jovem. "Eu tinha que seguir a cartilha da revista: duas fotos de peito, três de bunda", declarou. Mais tarde, conseguiu se aproximar da fotografia artística, com um ensaio com Maitê Proença na Itália.
Entre as celebridades que retratou, lembrou quando teve apenas 65 minutos para fazer um ensaio de Patti Smith. Ou ainda, quando foi até Paris para fotografar Sebastião Salgado -chegando lá, o fotojornalista quis participar da direção dos retratos e dava ideias de poses enquanto eles caminhavam pelas ruas.
O fotógrafo disse evitar o glamour que, segundo ele, por fezes distancia a fotografia dos observadores. "A análise da imagem eu deixo para as pessoas, cada um pela sua subjetividade. O que posso falar é sobre minha trajetória no oficio", disse.
"O Livro Falado" traz, de forma inédita, textos de Wolfenson ao lado de suas fotografias, com relatos de ofício. Ele disse acreditar que não tirou nenhuma foto boa por 12 anos, de 1970 a 1982, enquanto trabalhou na Editora Abril -motivo que o levou a embarcar para Nova York e tentar um emprego como assistente de fotógrafo. Mandava cartas para fotógrafos pedindo emprego, até que um deles topou.
Na sua estadia fora, chegou a perguntar a Otto Stupakoff -também brasileiro e famoso por retratar celebridades e políticos-- se havia um posto para ser seu assistente, na época negado. Anos depois, a frente da revista Sem Número, reencontrou Stupakoff em uma cidadezinha no interior do estado de NY, fora dos holofotes. Fez um retrato dele.
"Ele me disse que não nos levaria para tomar um café, porque não tinha um tostão", disse, lembrando a dificuldade de ver o profissional que admirava em uma situação precária. Foi então que, de volta ao Brasil, fez uma ponte entre Stupakoff e a São Paulo Fashion Week -mais tarde, o Instituo Moreira Salles compraria o seu acervo, colocando-o de volta em cena.
O retrato que fez de Stupakoff está em "Desnorte", fotolivro que apresenta um compilado das fotografias de Wolfenson em edição que mais parece uma revista, com algumas folhas soltas. "Foi pensado para que as pessoas arranquem as folhas, coloquem na parede ou eventualmente taquem fogo", diz, em tom de brincadeira.
O nome do livro está relacionado ao vagar de Wolfenson por diversos temas e formatos fotográficos. Sensação, em suas palavras, de "passear para lá e para cá".
Desnorte, palavra que também é sinônimo de desvairado, desnorteado, confuso. "Arrumei emprego em estúdio de fotografia. O ofício não veio como vocação", conta. Foi com "Blow-Up", filme de Michelangelo Antonioni, que a figura do fotografo passou a ser banhada por certo charme. Ainda assim, Bob afirma que demorou para ver sentido no que produzia.
Quando questionado sobre o mundo digital, afirmou que, para o fotografo, a grande realização de sua fotografia é física e que as novas tecnologias permitem que mais pessoas produzam fotolivros -artigo se produção muito mais cara anos atrás. "Fotografia analógica é para os jovens", brincou, referindo-se a compreensão do processo fotográfico. "O ato artístico está no processo. A foto digital também tem um ritual", defendeu.
A inteligência artificial também não é entendida pelo fotógrafo como ameaça. "Precisa existir alguém atrás da câmera com audiência, repertório, estilo, história e contexto", necessidades que aproximam o fotógrafo do escritor.
"Eu faço muita 3x4 sem graça também", brincou, confessando que nunca sabe quando vai fazer um bom clique. "O tempo confere ao retrato uma dimensão inexistente no momento em que ele foi feito", afirmou, dando como exemplo o clique de Lula fumando um cigarro, tirado na década de 1970. A função conferida à foto naquele momento tomou proporções diferentes e maiores décadas depois, quando o fotografado se tornou presidente do país.
"Ser fotografado é muito chato. Você fica de frente para uma pessoa que não conhece e que vai captar algo que você nem sabe se está ali", diz, em tom de provocação. O que o levou a concluir que o fotógrafo, no final das contas, é um administrador das expectativas e desejos que pairam no estúdio.