'Não me arrependo', diz Cecilia Flesch após demissão por criticar a GloboNews

Por KARINA MATIAS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A jornalista Cecilia Flesch diz que está em paz, muito tranquila e que não se arrepende do que falou sobre a GloboNews ao podcast É Nóia Minha?, de Camila Fremder.

"Se a pessoa ouvir o podcast, ela vai ver que eu não falei nada de mais. Eu não falei mal da emissora. Eu falei sobre a rotina de uma jornalista", afirma ela à reportagem.

Após 18 anos na GloboNews, Cecília foi demitida na terça (13). A justificativa dada a ela pela direção foi a de que o canal passa por uma reformulação. A sua saída, porém, ocorreu um dia depois de o site TV Pop divulgar que a jornalista teria feito diversas críticas ao canal de notícias. A conversa com Camila Fremder foi veiculada no final de abril.

"O que aconteceu é que, sim, eu falei todas aquelas frases mas, descontextualizadas, elas parecem outra coisa", afirma.

Uma dessas falas é quando ela chama a GloboNews de "RivoNews", em uma referência ao ansiolítico Rivotril. "A gente chama da 'RivoNews' o ambiente [...] As pessoas desligam a TV quando elas querem, elas jogam o jornal de lado a hora que elas querem. A gente tem a obrigação de passar a informação. A gente não tem como fugir da realidade. Como é que você foge? Se medicando", diz ela, rindo, durante o programa.

À reportagem, Cecilia diz que o apelido 'RivoNews' não foi inventado por ela, vem de outras redações jornalísticas e é "muito antigo".

Cecilia, que era apresentadora do programa Em Ponto, acrescenta que tinha, sim, um "desejo latente" de fazer algo novo, mas que jamais quis provocar a sua demissão. "Eu tenho conta para pagar. Era CLT. Eu preciso de dinheiro, oras, igual a todo mundo."

Ela afirma também que estava satisfeita com o seu trabalho. "Eu até sapateava no ar. Tem vídeo. É só ver o Instagram eu sapateando no ar com o [apresentador] Marcelo Pereira."

Cecilia complementa que não se incomoda de ser chamada de "Ana Furtado da GloboNews" -a ex-apresentadora da Globo ficou conhecida por sempre ser escalada para substituir artistas que precisavam se ausentar de seus programas.

"Eu era pau para toda obra mesmo e fiz absolutamente todos os jornais da GloboNews. Ficava muito orgulhosa com isso. Só era muito cansativo. E aí, uma hora, não aguentei mais."

Questionada se continuará vendo a emissora, Cecilia diz que vai sintonizar o canal quando tiver alguma "breaking news", porque quer tirar um "período de férias" de notícias para oxigenar a mente. "Continua sendo um canal respeitado", afirma. "Vou ver como eu sempre via, a GloboNews e outros canais".

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista, que foi feita por telefone.

PAZ

Nesse momento eu estou muito tranquila, muito em paz, muito ciente do que eu falei. As pessoas acham que eu fiz sincericídio. Não. Eu não falei mal da emissora em que eu trabalhei por 18 anos e que foi onde eu cresci, aprendi e me tornei profissional. Não falei mal da TV [GloboNews] em momento nenhum.

O que eu estava falando era da rotina insana de um jornalista. Me fala um jornalista que tenha a vida tranquila? Eu estou muito em paz e certa do que eu fiz. A demissão foi muito respeitosa.

REPERCUSSÃO

Enquanto eu estava na GloboNews, eu criei o método 'Fale', que é um curso para ensinar as pessoas a falarem bem. E sempre disse para quem entra no curso a seguinte frase: 'A gente é responsável pelo que a gente diz, não pelo o que os outros entendem.'

Diante de tudo isso que aconteceu, lembrei muito de um comercial antigo da Folha de S.Paulo, que mostrava o Hitler. Ia aparecendo a imagem dele aos pouquinhos, com frases só elogiosas. E, ao final do comercial, dizia algo assim: 'É possível dizer mentiras contando apenas a verdade.'

Eu nunca mais esqueci esse comercial. Acho ele muito emblemático. O que aconteceu com aquele podcast é que, sim, eu falei todas aquelas frases mas, descontextualizadas, elas parecem outra coisa.

Eu fiquei muito triste de ver os meus colegas de impressa, inclusive a própria Folha de S.Paulo, replicando exatamente o texto do site TV Pop. Por isso, eu criei a hashtag #ouveopodcast para que as pessoas ouçam e tirem suas conclusões.

MOTIVO DA DEMISSÃO

Estou muito espantada com a repercussão de tudo. Primeiro porque a minha demissão -e isso foi dito pelo meu diretor- foi por uma reformulação do canal. Coincidentemente, veio depois da notícia publicada por esse site [TV Pop]."

Mas olha que curioso. No dia em que eu fui demitida, antes de sair a publicação do site de fofoca, eu estava fazendo o [programa] piloto com a Mônica Waldvogel para a chegada dela. E fiz o piloto também com o pessoal do Valor, porque vai ter a entrada do Valor ali no Em Ponto. E estava tudo bem. Eu estava conversando sobre a gente mudar o cenário do jornal para o aniversário de um ano.

Eu pisei fora da emissora, começou a pipocar o link da reportagem. Daí, foi ladeira abaixo

O PODCAST PODE TER INFLUENCIADO A DECISÃO DA GLOBO?

Pode, sim. Vamos dizer que foi a desculpa usada para fazer o que eles queriam. Se era reformulação eu não sei, se teve uma armação maior de outras pessoas, não sei. Não sei qual foi o motivo, mas definitivamente não foi por audiência ou por clima insustentável. Definitivamente não foi nenhum dos dois.

SEM ARREPENDIMENTO

Não [tenho arrependimento] porque se a pessoa ouvir o podcast, ela vai ver que eu não falei nada de mais. Ouvindo o contexto, eu não falei absolutamente nada de mais. Eu não falei mal da emissora. Eu falei sobre a rotina de uma jornalista, e não sobre a GloboNews.

'RIVONEWS'

Isso é uma coisa muito antiga, de outras redações, porque a gente lida com tanta pressão que cada um busca o seu Rivotril. Tem gente que tem Rivotril na bolsa mesmo, tem gente que come muito chocolate, tem gente que se dopa de café. Cada um descobre o seu Rivotril para acalmar.

Só quem trabalha em redação entende. Não foi um apelido que eu dei ou inventei. É uma coisa muito velha.

O podcast era sobre rotina. Eu estava falando da minha rotina, da minha vida como jornalista, e, por isso, que eu insisto que as pessoas ouçam o podcast, porque daí elas vão ver que eu não estava falando nada de mais. Eu jamais falei mal da TV.

Pelo contrário, acredito muito nas pessoas que estão ali. Elas trabalham muito, correm sempre atrás de fazer o melhor, e querem sempre levar informação com o máximo de assertividade e apuração possível.

GLOBONEWS ESTÁ UM SACO?

[Um dos pontos polêmicos do podcast é quando Cecília afirma que a GloboNews só fala de política e economia e que isso "é um saco"]

Não é que eu ache que seja um saco -eu estava lá trabalhando e é uma decisão editorial [da emissora] por só abordar política e economia.

No podcast, eu falei isso em tom de brincadeira, de deboche com a situação. A Carol Martins [jogadora profissional de poker, que também participava do podcast] perguntou se não tinha um espaço para falar de série, cinema.

E eu falei que não, que não falamos de outras coisas, só de política e economia. E é óbvio que perto de série e cinema, política e economia é um saco.

É inacreditável eu ter que ficar explicando piada. É demais para mim. Tinha um contexto no que eu falei.

A Carol também disse que queria voltar para a televisão, e eu falei que hoje tem a internet. Mas eu não estava criticando a televisão, é porque o mercado de TV é muito mais difícil.

DÚVIDAS

Algumas pessoas questionam: 'Mas seus colegas não estão se manifestando publicamente [em apoio], por que será?'. Gente, imagina que eu vou querer que as pessoas se manifestem publicamente. Não tenho a menor necessidade disso. O que importa são os bons amigos que fiz, e o que eles estão me mandando no privado,

As pessoas não são obrigadas a se manifestar publicamente nem faço questão disso.

Eu disse na minha carta de despedida que o que importa são os colegas que eu vou levar, os amigos que eu vou levar e até os irmãos de vida que eu vou levar. O que eu construí ali, ninguém me tira.

CLIMA RUIM

Ao que tudo indica, o clima criado na redação não tem nada a ver comigo. Nada, nada, nada, nada. Pelo contrário. Eu estou recebendo mensagens dos meus amigos que estão arrasados, porque eu sou aquela pessoa que chega fazendo festa, dando bom dia muito efusivamente.

Eu só não falava mais com uma editora porque ela foi desleal [comigo]. Acreditava que ela fosse amiga, mas não quero esse tipo de gente perto de mim. Esse foi o tal do clima.

'ADEVOGADO'

[Em 2021, Cecília foi criticada nas redes sociais porque teria debochado da forma como Lula (PT) fala advogado. "E os adevogados?", escreveu ela no Twitter, na ocasião. Posteriormente, a jornalista apagou o post].

Eu fiz uma sequência de postagens no Twitter analisando o discurso de Lula e dizendo como ele falava bem, como ele é um cara que sabia se comunicar com o povo, como ele sabe dizer de forma eficaz a quem ele se direciona. Coloquei como um detalhe o 'adevogado', como um exemplo de que ele mantém a forma dele de falar.

Vinha numa sequência de postagens. Mas é o Twitter, né. Isso, sim, eu me arrependo. Achei que as pessoas estavam acompanhando as minhas postagens, e essa ficou solta.

Nesaa época, se eu tivesse sido demitida, eu ficaria muito mal. Falaram: 'Olha, não deveria ter feito isso, foi horrível'. Eu pedi desculpas, pronto e acabou.

ANA FURTADO DO JORNALISMO

Zero [incomodava ser chamada desta forma]. Incomodava só pelo aspecto de cansaço, mas não pelo aspecto da pessoa que é capaz de fazer todos os jornais da casa e se adaptar ao perfil de cada um deles, e ainda conseguir imprimir a minha personalidade em todos eles. Eu ficava muito feliz.

Eu era pau para toda obra mesmo e fiz absolutamente todos os jornais da GloboNews.Ficava muito orgulhosa com isso. Só era muito cansativo. Uma hora eu não aguentei mais e falei: 'Gente, não dá, eu estou ficando muito exausta, eu tenho uma filha pequena, não vejo mais a minha filha.'

E realmente teve uma vez que eu tive um pico de hipoglicemia, que foi em decorrência de muito cortisol no sangue. Cortisol a gente sabe que é associado ao estresse. Eu até publiquei uma foto dizendo que iria entrar no ar e, dali a 15 minutos, eu comecei a passar mal e tive que sair de ambulância de lá. Fui para o hospital e aí eu tive uma folga. Foi nesse momento que foi decidido que eu viria para São Paulo para fazer o Em Ponto.

REALIZADA

As pessoas falam: 'Ah, se ela não estava satisfeita, por que não foi embora?' Eu estava satisfeita, gente. Eu até sapateava no ar. Tem vídeo. É só ver o Instagram da GloboNews, eu sapateando no ar com o Marcelo Pereira.

Uma vez que eu entrava no ar, eu estava muito feliz, muito entusiasmada e muito satisfeita.

A vontade de fazer algo a mais e diferente era latente, existia. Mas eu nunca quis provocar a minha demissão. Nunca, imagina.

Há pessoas dizendo que eu falei demais justamente para que fosse demitida. Imagina, gente, eu tenho uma filha de seis anos em um colégio. Eu tenho conta para pagar. Era CLT. Eu preciso de dinheiro, oras, igual a todo mundo.

FUTURO

O que eu quero agora é tirar um sabático de notícias, respirar e entender onde eu estou. E continuar levando a minha vida, sendo feliz, sendo quem eu sou, sendo a pessoa leve e descontraída e comprometida com a verdade que eu sempre fui.