Série sobre Xuxa aponta erros dos anos 1980 com ótimo acervo de imagens

Por BRUNO GHETTI

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - "Não é um documentário 'Xuxa, eu te amo', de me colocar nas alturas. Tem puxadas de orelhas." A conclusão é da própria Xuxa, após ter assistido por duas vezes à série "Xuxa, o Documentário", sobre sua vida e trajetória, que o Globoplay estreia nesta quinta-feira (13).

"Não botaram só o lado bom: achei bem bacana isso", completou a loira, em conversa com a imprensa na noite do lançamento.

A série, com direção-geral de Pedro Bial, conta com cinco episódios, e a cada semana a plataforma disponibilizará um novo. Promete abranger o lado bom e ruim da fama, os relacionamentos com Pelé e Ayrton Senna, a maternidade de Sacha, o abuso sexual que sofreu na infância e o reencontro com sua ex-empresária Marlene Mattos, 19 anos após pararem de se falar.

No primeiro episódio, porém, ainda não há quase nada disso. O foco é na transição profissional da primeira etapa de sua carreira, mostrando desde seus tempos de modelo até se tornar uma famosíssima apresentadora infantil e ícone da TV dos anos 1980.

Não há a infância ou a adolescência da gaúcha Maria da Graça Meneghel, criada em um subúrbio carioca. A atração começa mostrando Xuxa já consolidada enquanto modelo, quando até já namorava Pelé. Aliás, o material que o documentário resgata dos dois juntos é uma preciosidade publicitário-midiática de inícios dos anos 1980.

Logo somos apresentados à entrada de Xuxa na Manchete, no Clube da Criança, onde ela, ainda despreparada, fez uma espécie de ensaio para o trabalho bem mais profissional que desempenharia anos depois, na Globo.

Foi descoberta pelo produtor Maurício Sherman, que viu na manequim loirinha das revistas um grande potencial também para lidar com comunicação na TV. Além da beleza física, notou em Xuxa uma criança que, no palco, ativaria as demais.

Ele não poderia estar mais certo. O documentário endossa essa visão, e em várias das cenas de acervo da Manchete, vemos que de fato Xuxa era apenas mais uma entre as crianças do programa. Ao menos na mentalidade e nos trejeitos, porque no físico, era uma mulher belíssima e sexy.

Essa mistura de inocência e propensão ao pecado era explosiva demais para deixar quem quer que fosse indiferente -não à toa, o público brasileiro sempre reservou a ela muito amor ou muito ódio.

Xuxa tem certa razão ao dizer que a série lhe dá puxões de orelha -em alguns momentos, seu comportamento é colocado em questão. O episódio desencava várias cenas que mostram a falta de traquejo da loira com os pequenos no começo. Pelos parâmetros politicamente corretos de hoje, muitas de suas posturas seriam atualmente impensáveis.

Mas vistas à distância, as cenas são mais engraçadas do que propriamente desrespeitosas. Entre os momentos de destempero da apresentadora, está o famoso episódio do "Cláudia, senta lá", que virou meme, mas há cenas dessa época em que a loira é até mais enfática, digamos assim, com as crianças.

O documentário até dá a chance à Xuxa de hoje se defender, mas ela mesma reconhece que seu comportamento por vezes era indefensável. Humildemente, pede desculpas a quem eventualmente tenha destratado ao longo dos anos.

O episódio ainda fala sobre os primórdios do Xou da Xuxa, sua primeira e mais bem-sucedida atração global. Ficamos conhecendo os curiosos conceitos por trás dos cenários, assim como o motivo pelos quais as insólitas figuras de Praga e Dengue foram parar ali. E, por fim, a origem das Paquitas, suas assistentes invariavelmente magras, brancas e loiras.

Eis mais um instante em que a série tira satisfações: por que insistir em um padrão de beleza tão distante da realidade étnica brasileira? A Xuxa atual faz novo mea culpa. "Eu vejo isso hoje como um erro". Em um vídeo da época, ela diz que a loirice era uma reivindicação do próprio público.

Duas críticas muito feitas a Xuxa, no entanto, não aparecem: a da pretensa sexualização precoce que teria estimulado em fãs e, sobretudo, a exortação ao consumismo de toda uma geração de baixinhos. Mas talvez isso surja em algum outro episódio.

No primeiro, há um esforço admirável em contar em detalhes a construção do fenômeno Xuxa em termos factuais. No entanto, não há um esforço de interpretação desse fenômeno. Até o momento, a série não traz uma visão analítica do significado de Xuxa enquanto ser midiático, ídolo infantil ou mesmo símbolo das aspirações brasileiras de uma época.

É claro que histórias suculentas de bastidores narradas pelos envolvidos são essenciais, mas seria bom se episódios futuros contassem com o aporte de estudiosos mais distanciados.

Por enquanto, ao menos em um aspecto a série acertou em cheio: na pesquisa de imagens. E na montagem visceral, que há de ser um deleite para os fãs de Xuxa e dos anos 1980, o que denota uma enorme paixão por parte dos próprios criadores da série, que exala saudosismo oitentista em cada fotograma.

XUXA, O DOCUMENTÁRIO

Quando Estreia nesta quinta (13) no Globoplay

Produção Brasil, 2023

Direção Cassia Dian e Monica Almeida

Direção-geral Pedro Bial