'Estranha Forma de Vida' não é um grande filme de Almodóvar, mas encanta
FOLHAPRESS - Escrita por Annie Proulx e publicada em 1997 na revista New Yorker, a história de amor entre dois caubóis que se apaixonam na juventude e se reencontram décadas depois já rendeu um longa-metragem de sucesso.
Lançado em 2005, "O Segredo de Brokeback Mountain" rendeu o primeiro Oscar de melhor direção para o cineasta Ang Lee. Também era o favorito para o prêmio de melhor filme, mas perdeu para "Crash: No Limite".
Embora guarde elementos dessa história --que Pedro Almodóvar cogitou dirigir na época--, "Estranha Forma de Vida" estreia como um filme absolutamente novo, que não tem nada de remake e não reivindica o estatuto de adaptação do conto de Proulx
Com 31 minutos de duração, o filme se concentra menos na construção do amor entre dois homens do faroeste do que no jogo de sedução sensual entre os protagonistas.
Estrelas do curta, Pedro Pascal e Ethan Hawke têm momentos sublimes nos papéis do forasteiro Silva e do xerife Jake, que interpretam com erotismo triste e comovente.
Silva e Jake são homens de meia-idade unidos pelo passado. Viveram amor tórrido 25 anos atrás, no México, quando eram pistoleiros de aluguel. Eles se separaram, mas nunca esqueceram um do outro. A dupla se reencontra depois do longo hiato. Silva atravessa o deserto para ver Jake. Diz que está procurando um médico para curar uma terrível dor nas costas. Não é um trocadilho fortuito o fato de o personagem ter as costas quebradas, em inglês escrito como "broke back".
Xerife e forasteiro jantam juntos um ensopado que o primeiro prepara. Almodóvar constrói a sedução na maneira como filma a cena do jantar, dos pratos fumegantes vistos de cima ao vinho servido em pequenas taças, enchidas e esvaziadas com rapidez e precisão. Seguem-se comentários educados entre velhos amantes. "Você se tornou um bom cozinheiro", diz o visitante em certo momento.
Como resistir ao grande amor interrompido no passado? Claro que os dois acabam nos braços um do outro, numa explosão que não consegue apagar a nota triste nos olhares, que acumulam desilusões e infortúnios --sobre os quais pouco saberemos.
Na manhã seguinte, Jake se arrepende. Não há nada de errado com as costas de Silva, que está ali porque quer salvar a pele do filho, principal suspeito do assassinato da cunhada do xerife. É então que o filme encontra sua vocação de faroeste, em sequências filmadas no deserto de Tabernas, na Andaluzia, locação emblemática para o cinema de Sergio Leone.
Veremos o embate entre três homens, os ex-amantes e Joe, vivido por George Steane, o assassino, naquela que é talvez a mais clássica cena de faroeste do filme, envolvendo armas em punho, personagens imóveis, cálculos sobre os desfechos possíveis.
Produzido pela marca de alta costura Yves Saint Laurent e com uma duração incomum para filmes que estreiam no cinema, o curta se aparenta --em mais de um aspecto-- como peça publicitária. O figurino, a cargo de Anthony Vaccarello, atual diretor criativo da Yves Saint Laurent, se faz presente na imagem.
Quando despertam depois da noite juntos, Silva não encontra a roupa de baixo. "Pegue uma minha", diz Jake. "Na primeira gaveta da direita."
A sedução fashion está nas cuecas brancas dobradas cujo perfume de lavanda adivinhamos. Está também na camiseta justinha que o xerife usa sob a camisa e na jaqueta verde de Silva --talvez a única cor mais próxima da paleta do cineasta espanhol, junto com as da sequência da adega.
Na balança do cinema, sempre equilibrando arte e diversão, é verdade que o aspecto de entretenimento se sobrepõe. De fato, "Estranha Forma de Vida" não parece ser a obra da vida do cineasta espanhol.
Ainda assim, é um grande prazer ver seu gênio mobilizar referências e ativar a sensualidade de dois grandes atores nesse amor entre dois homens tão elegantes e irresistíveis, inclusive pela tristeza que talvez tentem esconder.
ESTRANHA FORMA DE VIDA
Quando: Estreia nesta quinta (14) nos cinemas
Classificação: 14 anos
Elenco: Ethan Hawke, Pedro Pascal e Manu Rios
Produção: Espanha, França, 2023
Direção: Pedro Almodóvar
Avaliação: Bom