Alzira E e banda Corte lançam disco com som ainda mais pesado que o de estreia

Por PÉROLA MATHIAS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando a cantora e compositora Alzira E mostrou ao baixista Marcelo Dworecki, da banda Bixiga 70, suas músicas ainda não gravadas, parte de um repertório de composições meio lado B, ele ficou com aquilo na cabeça até que, tempos depois, chegou com uma proposta: ela se aliar a ele e mais três músicos, os seus colegas de banda Cuca Ferreira e Daniel Gralha, nos sopros, mais Fernando Thomaz na bateria.

Desse encontro resultou o primeiro disco, lançado em 2017, que leva o nome que batizou a banda, "Corte". O lançamento impressionou por trazer uma sonoridade pesada, cheia de distorções e dissonâncias. Com "Mata Grossa", trabalho que chega seis anos depois, não é diferente.

"A gente achou que não ia fazer um disco mais pesado do que o primeiro, mas acabou ficando", diz Alzira. Isso porque as canções tem uma espécie de linha condutora que as une.

As faixas provocam a impressão de que, uma após a outra, há uma tentativa de libertar-se de qualquer tipo de enquadramento ou amarra com relação às regras e significados do que é a vida. A própria Alzira confirma.

"As músicas me soam muito como um grito. Um grito de revolta, um grito de reflexões mais profundas sobre o mundo, sobre a humanidade. São músicas destinadas a essa força, a esse som forte, mais cru."

Esse mergulho no avesso do que conhecemos do trabalho de Alzira E --ou seja, seus primeiros discos solo, em gravações com a irmã Tetê Espíndola ou junto à vanguarda paulistana, em especial Itamar Assumpção-- começa já pelo título do disco. "Mata Grossa" faz uma referência óbvia à origem da compositora, nascida no Mato Grosso do Sul, invertendo o nome do estado para o feminino e criando polissemia.

Foi dessa sacada que saiu a inspiração para a canção "Mata Rara", dela com Iara Rennó, na qual desenham um novo mundo que se abre em flor, fincado na ancestralidade feminina e aberto à visceralidade. "Na mata grossa, a mátria goza", apontando aspirações para o futuro e a irreversibilidade do que já temos no agora. São os lados afável e selvagem da natureza.

O disco traz algumas participações especiais. Além de Iara Rennó, Luz Marina e Tetê Espíndola na faixa de abertura, Alzira conta com a voz de Ney Matogrosso, seu conterrâneo e parceiro de décadas, em "Filha da Mãe", a única composição que assina sozinha.

"Eu perguntei se ele queria conhecer uma música que eu estava gravando com a banda Corte, que ele adora e viu ano passado. Depois falei que eu queria que ele cantasse junto. Ele falou 'claro, eu topo'."

A última participação é do compositor Peri Pane em "Beabá", que Alzira fez a letra e ele a música. Os dois conviveram intensamente ao longo do período de apresentação do disco "O Que Eu Vim Fazer Aqui", de 2014, no qual ele também participou. A faixa fala sobre o convívio e ganhou vida durante a pandemia.

Outro parceiro de composição de Alzira é Tiganá Santana, que também assina junto com ela diversas músicas do primeiro disco do projeto. Segundo ela, foi ele quem falou a primeira vez a expressão "mata grossa".

A amizade dos dois começou em 2011 e, desde então, vem rendendo boas canções, apesar de parecer que cada um habita universos completamente diferentes --ele, baiano, compõe em português e yorubá, totalmente ligado às tradições e culturas de matriz africana; ela, que passeia naturalmente tanto pelas sonoridades pantaneiras, quanto pela vanguarda paulistana. Por isso, ele brinca dizendo a ela "Alzira, você me transformou em rock'n'roll".

Não há dúvidas de que todos esses encontros que atravessam o projeto colaborativo entre Alzira E e a banda Corte é mesmo rock, mesmo que não seja sobre o estilo em sua forma já determinada. Há uma atitude subversiva no posicionamento dos instrumentos --por exemplo, quando o que seriam riffs de guitarras vêm dos sopros--, há o mencionado grito das ideias e a necessária projeção da voz.

São desafios que ficam evidentes em "Coiote", uma das parcerias com Tiganá Santana, com os versos "Por que cantar?/ Por que não se guiar/ Pelo mapa que altera o lugar?/ Arrefecer a fogueira em você/ Quando o peito parece entender". A questão retórica é uma resposta ao entorno, um chacoalhão que só uma artista cuja carreira inteira se pautou no mergulho na experimentação de ritmos e ideias poderia dar.

E que, sem medo, integra um projeto distinto de tudo que vinha fazendo até então.

MATA GROSSA

Onde: Disponível nas plataformas digitais

Autoria: Alzira E

Gravadora: Altafonte Publisher