José Luiz Ribeiro alcança imortalidade na Academia Brasileira de Cultura

O fundador do Grupo Divulgação, que assumiu a cadeira de número 53 na última semana, conta sobre os seus planos através da nomeação

Por Vitória Beatriz (estagiária) com supervisão de Angeliza Lopes

José Luiz Ribeiro

Na última semana, quinta-feira (14), uma notícia reverberou na esfera cultural brasileira, quando José Luiz Ribeiro, professor aposentado da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador do Grupo Divulgação (GD) foi consagrado imortal pela Academia Brasileira de Cultura (ABC). Em uma cerimônia realizada na sede da Academia, situada no Rio de Janeiro, José Luiz assumiu a cadeira número 53, cujo patrono é o poeta juiz-forano Murilo Mendes (1901-1975). A cadeira que agora ocupa adiciona uma camada de simbolismo à sua conquista, mostrando a relevância de sua contribuição para as artes e a cultura brasileira.

Antes da nomeação, Ribeiro relatou que recebeu a notícia da eleição de seu nome com muita surpresa através de Leandro Bellini, da Diretoria de Imagem da instituição. Ao atender a ligação, em uma manhã de sábado, no Forum da Cultura da UFJF, que abriga o Grupo Divulgação desde 1972, ele relata que respondeu dizendo que “na Academia só tem cachorro grande, eu sou só um Yorkshire perto deles”. Ainda com essa resposta, Bellini afirmou que o seu trabalho é muito relevante para a cultura brasileira, cabendo a ele apenas uma resposta: sim ou não. E ele aceitou.

Durante seu discurso, José Luiz reforçou o seu compromisso com o poeta Murilo Mendes, seu patrono, e falou ainda sobre a importância da união de todos os representantes da cultura, finalizando o seu momento de fala dizendo: “Não importa quantas batalhas eu perdi, o importante é que eu fui fiel à minha causa.”

Agora, já com a responsabilidade de um imortal, uma de suas principais intenções é mostrar o trabalho de grupos amadores que contribuem para a cultura e a arte local que demandam atenção, sendo uma oportunidade de ter e “dar lugar de fala para outras falas”, para que esses grupos continuem tendo suporte, levando arte e cultura para a população. Ele ainda terá a sua primeira função como colunista no jornal Correio da Manhã.

O que é Academia Brasileira de Cultura?

A Academia Brasileira de Cultura (ABC) é uma resposta à necessidade do fortalecimento cultural do Brasil e nela são reunidas diversas personalidades de diferentes setores artísticos, como a bailarina Ana Botafogo, Beth Goulart, Christiane Torloni, Elisa Lucinda, Fátima Bernardes, Gabriel Chalita, o maestro Isaac Karabtchevsky, Lilia Cabral, Ney Latorraca, Rosamaria Murtinho e Zeca Pagodinho. O objetivo central desta academia é promover o pensamento crítico e defender a valorização da memória cultural brasileira.

A descentralização do eixo Rio de Janeiro-São Paulo

Para José Luiz, é significativo perceber que estão surgindo nomes para além dos polos Rio de Janeiro e São Paulo, tornando possível enxergar os espaços sendo preenchidos por indígenas, pessoas brancas e negras, do interior ou não, e para ele é isso que faz a diferença na questão da representatividade.

Uma vida dedicada à cultura de Juiz de Fora

Para Marise Mendes, diretora do Forum da Cultura da UFJF, a indicação para a Academia é o ápice de uma jornada de 57 anos em prol da cultura local. O Grupo Divulgação, sob a liderança de José Luiz, foi reconhecido como patrimônio imaterial de Juiz de Fora em 2019.

Já Márcia Falabella, atriz, coordenadora dos projetos de extensão do GD e professora da Facom, vê que a indicação de José Luiz Ribeiro para a Academia Brasileira de Cultura coroa a trajetória do teatrólogo e chama atenção por destacar o percurso de um artista que não atua no eixo central de produção cultural no país. “Nós estamos na periferia. E penso que o Zé Luiz é muito merecedor: ele produz com um pensamento voltado para a comunidade e construiu um legado que pouco se conhece neste país. Para nós do Grupo Divulgação e, para mim em especial, que fui aluna dele e estou no Divulgação há 37 anos, é um momento de grande emoção”, avalia.

A trajetória de José Luiz Ribeiro

José Luiz é filho de imigrantes portugueses, nascido em Juiz de Fora, 1942. Em 1965, ingressou no curso de Jornalismo na antiga Faculdade de Filosofia e Letras (Fafile). Ainda nos anos 1960, fez estágio na sede do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. É também nessa década que a trajetória teatral de José Luiz tem início, em um tempo de grande efervescência cultural e endurecimento gradativo da repressão política iniciada com o golpe militar em 1964, que culmina no Ato Institucional nº 5 (AI-5), instaurado em dezembro de 1968.

Neste contexto, o marco inicial da carreira teatral de José Luiz se dá em 15 de novembro de 1963, com o espetáculo “Brasil, espaço 63”. Com 21 anos apenas, o diretor conduziu um grupo formado por mais de 100 atores: havia música, dança e trechos da Divina Comédia, de Dante Alighieri. Um ano inteiro de ensaios para duas apresentações, no Teatro da Casa d’Itália. “Trabalhei com um grupo de operários da Industrial Mineira, que tinham um grupo de teatro, alunas que faziam as danças. Uma coisa muito louca”, define. No ano seguinte, foi encenada, também na Casa d’Itália, “Sinfonia de uma favela”, peça criada e dirigida por José Luiz.

Para ajudar nas despesas domésticas, Ribeiro passou a trabalhar no antigo Rocha Hotel, localizado na rua Marechal Deodoro, no Centro de Juiz de Fora. A jornada exaustiva o fez interromper os estudos. “Das oito às oito, eu tive que interromper. Fui office boy, carregava mala, abria elevador”. No ano seguinte, ele passou a trabalhar na Casas Regente, um armarinho. “Como saía às 18h30, consegui retomar minhas aulas às 19h e concluir o segundo grau.”

Já na faculdade de Jornalismo, começou o contato com o Teatro Universitário. Como ator, fez “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meirelles (com direção de Nilo Batista, posteriormente governador do Rio de Janeiro) e dirigiu “O Coronel de Macambira”, de Joaquim Cardozo. Nessa época, a Fafile passava por uma grande modernização, após a chegada de Murílio Hingel (1933-2023) à direção da unidade. Ainda na graduação, José Luiz foi presidente do Diretório Acadêmico Tristão de Athayde, hoje Diretório Acadêmico Vladimir Herzog.

Nesse período de ebulição José Luiz, junto com outros colegas de faculdade (dentre os quais se inclui sua futura esposa, Malu Ribeiro, também professora aposentada da UFJF), criou, em 1966, o Centro de Estudos Teatrais. Ali se formou a gênese do Grupo Divulgação. “Começamos a nos reunir aos sábados, porque pensávamos que, para ser jornalista, tinha que ter uma cultura geral. Todo sábado nós líamos uma peça. A faculdade tinha muitas semanas e descobriram que eu gostava de teatro. Assim, comecei a fazer espetáculos sob encomenda: sobre Carlos Drummond de Andrade, sobre Camões.”

Segundo a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o ponto de partida do Divulgação se deu em 7 de julho de 1966, com o espetáculo “Amor em verso e canção”, apresentado na Semana do Laticinista do Instituto Cândido Tostes. Assim como outras peças desse período inicial do grupo, essa é uma antologia de poemas e canções de diversos autores.

Ao mesmo tempo, José Luiz também desbravava os caminhos do Jornalismo. Após se formar, foi fazer estágio no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. De volta a Juiz de Fora, foi contratado como diagramador no Diário Mercantil, então o periódico local de maior tradição. Responsável pela reforma gráfica do jornal, criou a Página de Cultura – que derivou no Segundo Caderno.

Na época, a repressão se fazia presente: o GD apresentou espetáculos na presença de censores e teve uma montagem proibida no dia da estreia. O ano era 1969, com o texto “Diário de um Louco”, do russo Nikolai Gogol, com direção de Malu Ribeiro. Posteriormente, a peça foi liberada, porém não sem antes sofrer vários cortes. Nos trechos proibidos, José Luiz, que interpretava o protagonista, usava um lenço branco para tapar a boca. O silêncio valia mais que mil palavras.

No Diário Mercantil, as proibições também existiam.“Eu peguei a época do censor da Polícia Federal chegando na redação. A página estava toda desenhada, o cara dizia: ‘Essa notícia não pode’. Então tinha que tirar, refazer”, conta.

Forum da Cultura

O Forum da Cultura é um espaço cultural da Universidade Federal de Juiz de Fora, que abrange diversos segmentos de manifestações artísticas. Inaugurado em 1972 pelo reitor Prof. Gilson Salomão, ao longo de quase quatro décadas tem oportunizado à comunidade acadêmica e juiz-forana contato com mostras em artes plásticas, espetáculos teatrais, difusão de cultura popular e música.

É nesse espaço que a companhia teatral passa a fazer Extensão Universitária – em 1985 tem início o projeto Escola de Espectador, que oferece convites a estudantes de escolas públicas e integrantes de associações de Juiz de Fora e região, o que contribui para a formação e a diversificação do público de teatro.

Outras ações extensionistas são o Centro de Estudos Teatrais – Cursos e Oficinas, que promove uma iniciação à arte teatral, com disciplinas de formação cultural e técnica. Em 1994, é criado o Workshop de Interpretação para a Terceira Idade, cuja metodologia é descrita na Cartografia do Teatro Brasileiro.

Na avaliação da pró-reitora de Extensão, Ana Lívia Coimbra, os projetos de José Luiz Ribeiro consolidaram os princípios da Universidade: ensino, pesquisa e extensão. Como aponta a pró-reitora, em meio a essas atividades, estudantes trilharam o caminho para a docência; espectadores viraram alunos da UFJF e trabalhos de pesquisa foram realizados a partir das atividades desenvolvidas nos projetos de Extensão. “É uma vida inteira dedicada à Universidade e às artes. E um exemplo que foi seguido por muitos, inclusive por mim, que fui sua aluna na Faculdade de Serviço Social nos anos 1980. É uma alegria a notícia desse reconhecimento; uma honraria a todo um trabalho desenvolvido dentro da Universidade Federal de Juiz de Fora, para a sociedade, que teve acesso ao que de mais bonito a Universidade pode oferecer”, considera Ana Lívia.

Ao olhar para toda a sua trajetória, com uma contribuição de 60 anos de arte e cultura para Juiz de Fora, Ribeiro reflete: “Eu acho que estou dando o recado. Você pode carregar mala, mas você pode chegar a um lugar mágico, e o teatro me permitiu isso. Eu acho que a paixão pelo teatro, os entendimentos e desentendimentos, tudo o que acontece, porque as pessoas acham que é fácil e não é fácil, mas tudo na vida tem um ponto de luta e um ponto de conquista [...] Esse é um momento que estou feliz.”