'Meu pai sempre foi muito intenso', diz filha de Nelson Ned na Flip
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - Um dos principais nomes da música romântica brasileira, Nelson Ned começou a usar morfina e anti-inflamatórios para aplacar as fortes dores que sentia nas costas e no quadril no início dos anos 1970. Daí para o vício em cocaína, foi um pulo.
As drogas em meio a uma agenda frenética de viagens e shows acentuaram o temperamento instável. Transitava da doçura à violência, inclusive com a família.
"Meu pai sempre foi muito intenso. Eu o amava, mas houve momentos em que senti ódio", disse a fonoaudióloga Monalisa Ned, a segunda dos três filhos do cantor e compositor, no último debate da Casa Folha, neste sábado (25), na Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty.
Além de Monalisa, participaram do evento sua irmã caçula, a atriz e palhaça Ana Veronica Ned, a Veca, e o jornalista André Barcinski, que lança a biografia "Tudo Passará -- A Vida de Nelson Ned, o Pequeno Gigante da Canção", da Companhia das Letras.
A certa altura, conta Veca, "meu pai tinha três caminhos: o manicômio, a prisão ou o caixão". Nos anos 1990, ele decidiu abandonar a vida desregrada e se tornou evangélico --assim se manteve até a morte, em 2014, aos 66 anos. "A vida dele é antes e depois de Cristo", lembra a filha caçula. O primogênito, Nelson Ned Jr., mora no México.
Ned conciliou uma vida pessoal atribulada com uma carreira muito bem-sucedida. Como lembrou Barcinski, foi o primeiro latino a vender 1 milhão de álbuns nos EUA e se mantém entre os sete maiores vendedores de discos da história da indústria fonográfica brasileira.
De acordo com biógrafo, o cantor acumulou sucessos no Brasil nas décadas de 1970 e 1980, mas foi ainda mais popular em países como México e Colômbia, onde ficou amigo de figuras influentes, do escritor Gabriel García Márquez ao fundador do Cartel de Medellín, Pablo Escobar.
"Em 1971, não havia televisão em Angola, as pessoas só o conheciam pelo rádio. Quando ele chegou ao aeroporto de Luanda naquele ano, havia 3.000 pessoas para recebê-lo. E ficaram atônitas ao perceber que ele tinha nanismo", contou Barcinski.
O cantor, aliás, se preocupava em preparar os três filhos, todos com nanismo, para enfrentar o preconceito. "Nossa singularidade nunca foi uma causa para nosso sofrimento", disse Monalisa.
Assim como tem acontecido com cantores como Odair José, que voltou a ser ouvido por diferentes públicos, Nelson Ned vem, aos poucos, sendo redescoberto no Brasil. "As pessoas começam a perceber o quanto as músicas dele são autobiográficas. Desconheço alguém que tenha cantado algo tão pessoal", diz Barcinski sobre um dos motivos para que os boleros de Ned tenham vida longa.