Mostra de Tiradentes defende a regulação do streaming no Brasil

Por NAIEF HADDAD

TIRADENTES, MG (FOLHAPRESS) - A recém-lançada Carta de Tiradentes, divulgada durante o festival de cinema que acontece na cidade mineira até este sábado, defende enfaticamente a regulação do streaming no Brasil.

Sexto maior mercado em faturamento no mundo, com 59 plataformas que oferecem o vídeo sob demanda, ou VoD, na sigla em inglês, segundo a Agência Nacional do Cinema, a Ancine, o país ainda não aprovou marcos regulatórios para o setor. Na Europa, o primeiro conjunto de normas entrou em vigor em 2010.

O documento é resultado de uma discussão que se estendeu nos últimos meses com cerca de 50 profissionais, que formam o chamado Fórum de Tiradentes. Há neste grupo representantes de todas as regiões do país e de vários campos do audiovisual brasileiro, como produção, distribuição, exibição e preservação.

A carta não tem, a priori, efeitos práticos. Enviado para lideranças do Executivo e do Legislativo, ela serve como elemento de pressão por mudanças nesse setor, além de um peso simbólico.

Nessa segunda carta --a primeira foi divulgada em janeiro de 2023--, o Fórum de Tiradentes defende a "destinação de, no mínimo, 14% sobre o faturamento bruto no território brasileiro, no formato de Condecine VoD e investimento direto para o desenvolvimento do setor em toda a sua complexidade". O Condecine VoD é um tributo, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, que seria pago por empresas, como Netflix e Amazon Prime, no caso de aprovação da regulação.

Esse percentual de 14% sugerido em Tiradentes está bem acima do que prevê o projeto de relatoria do senador Eduardo Gomes, do PL, que determina até 3% da receita bruta das plataformas. A proposta passou pela Comissão de Educação e Cultura e recebeu um sinal verde inicial da Comissão de Economia.

No entanto, a relatoria enviou o projeto para análise técnica da Ancine. Se for sacramentada após a passagem pela agência, a proposta segue para análise dos deputados.

Existe um projeto que corre em paralelo na Câmara dos Deputados, com relatoria de André Figueiredo, do PDT, que propõe uma contribuição de até 6% da receita bruta dessass empresas.

"Consideramos 3% muito pouco. Na França, são 25%; na Itália, 15%. Em outros países, como Espanha e Portugal, são 5%", diz a produtora e advogada Débora Ivanov, responsável pela coordenadoria executiva do Fórum de Tiradentes ao lado de Raquel Hallak e Mário Borgneth.

Uma tributação superior à prevista pelo Senado é vista com simpatia pelo governo federal. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, e a secretária do Audiovisual, Joelma Gonzaga, participaram da abertura dos trabalhos do Fórum de Tiradentes no sábado e são próximas, do ponto de vista político, do grupo.

Não há, porém, unanimidade entre os agentes do mercado audiovisual em relação ao número defendido por Tiradentes. "Discordo desse percentual. Como tributar um setor, de uma hora para outra, em 14%? Deveríamos buscar algo na casa dos 5%, 6%. Já seria revolucionário para a atividade", diz André Sturm, presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual de São Paulo e gestor cultural.

"Esses 14% não fazem o menor sentido, e falo como presidente sindical da indústria, que teoricamente representa os beneficiários da tributação", complementa.

A reportagem apurou que os representantes das plataformas consideram aceitável o percentual de 3%. Mais do que isso, avaliam, seria um excesso de intervenção do governo, que poderia prejudicar esse mercado no Brasil.

Segundo Sturm, há um outro ponto do projeto no Senado que tem sido menos discutido, mas, ainda de acordo com ele, é tão ou mais relevante que o anterior --a possibilidade das empresas de VoD abaterem da Condecine o investimento direto que fizerem em produções nacionais. O senador Eduardo Gomes defende 60% do valor total da contribuição como limite para o abatimento.

A carta divulgada no festival também defende uma "cota de catálogo de, no mínimo, 20% para obras brasileiras, sendo 50% para obras brasileiras independentes". 

Procurado pela reportagem para comentar a Carta de Tiradentes, o YouTube enviou uma nota. A empresa, que pertence ao Google, afirma que "apoia a regulamentação sobre os

serviços de vídeo sob demanda e o objetivo dos parlamentares de proteger e fomentar a produção do conteúdo audiovisual brasileiro".

"E também acredita que as plataformas possuem diferenças profundas, que vão desde a natureza do formato de disponibilização do conteúdo oferecido ao modelo de negócios adotado. E não observar isso na regulamentação pode prejudicar o ecossistema criativo brasileiro", continua a nota.

O YouTube diz reconhecer "os esforços dos legisladores para investir no conteúdo e na cultura brasileira". "Mas, diferentemente de muitos serviços de streaming, é uma plataforma aberta, isto é, o conteúdo oferecido é quase que totalmente gerado pelos usuários."

A Netflix também foi procurada, mas não respondeu até a conclusão desta edição.

O jornalista viajou a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes